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COP-26, Brasil e a catástrofe anunciada

Por: Liszt Vieira |Tradução: Vitor Costa

Vocês roubaram meus sonhos e minha infância com suas palavras vazias (Greta Thunberg)

A possibilidade de um futuro justo e sustentável existe e há muito que fazer para chegar lá antes que seja tarde demais (Noam Chomsky).

Na abertura da 26a Conferência da ONU para as Mudanças Climáticas – COP 26 – o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, anfitrião da Conferência, comparou a crise climática com uma “bomba relógio que precisa ser desarmada”. O Secretário Geral da ONU, António Guterres, declarou “É hora de dizer basta. Estamos cavando nossa própria cova!”. A expectativa em relação à COP 26 é avançar com o Acordo de Paris, assinado em 2015, que havia estabelecido a meta de limitar o aquecimento do planeta a no máximo 1,5º C.

Os primeiros dias da COP 26 assinalam avanços importantes, embora o grande problema seja depois o cumprimento dos acordos alcançados. Foi anunciado um compromisso assinado por mais de 100 líderes prometendo parar e reverter o desmatamento e a degradação da terra até 2030. Juntos, os países envolvidos detêm mais de 85% das florestas do mundo. Para apoiar o cumprimento do pacto, serão mobilizados cerca de US$ 19,2 bilhões. Além da Declaração de Glasgow sobre Florestas e Uso do Solo, os governos que representam 75% do comércio global de commodities devem assinar uma nova Declaração de Florestas, Agricultura e Comércio de Commodities em que se comprometem com comércio sustentável para reduzir a pressão sobre as florestas. Outro avanço digno de nota, neste início da COP 26, é o compromisso assumido por cerca de 100 países para cortar em 30% as emissões de metano até 2030, embora sem meta específica por país.

“O que nós faremos nos próximos cinco anos vai determinar o futuro da humanidade no próximo milênio. É sério assim: esta é nossa última chance”, declarou o cientista britânico sir David King, fundador do Centro de Reparação Climática da Universidade de Cambridge. (Piauí, 28/10/2021). Retórica à parte, a situação é extremamente grave, e a humanidade corre sério perigo. Conciliar discurso e prática será o grande desafio da COP 26. Os negociadores terão que lidar com a necessidade urgente de tirar a economia mundial de seu ritmo habitual, que poderá levar a Terra a até três graus Celsius de aquecimento antes do final deste século, de acordo com o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC).

Em seu mais recente relatório, publicado há dois meses, o IPCC, indicou que, no atual ritmo, em no máximo duas décadas será atingido o patamar de 1,5ºC de aquecimento global, o que para muitos cientistas é considerado o ponto de não retorno. O relatório mostra que, mantidas as atuais elevadas taxas de emissão de gases de efeito estufa (GEE), poderemos chegar a 2100 com a Terra até 5,7ºC mais quente. Um cenário global de catástrofes climáticas que ameaçariam a sobrevivência humana no planeta.

Segundo Tasso Azevedo, coordenador do projeto do SEEG (Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa), o Brasil é o quinto maior emissor de gases de efeito estufa (GEE) do mundo. No Acordo de Paris, celebrado em 2015, o Brasil se comprometeu a reduzir as emissões de GEE em 37% até 2025 e 43% até 2030, tendo 2005 como ano de comparação. A meta é insuficiente, mas o Brasil, após o início do governo Bolsonaro, em vez de diminuir, aumentou a emissão. Já em Glasgow, o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, anunciou a revisão da meta de 43% para 50% até 2030, mas isso não compensa o retrocesso causado pela manobra contábil conhecida como “pedalada climática”. O Brasil passou de protagonista a vilão ambiental no governo de Bolsonaro.

O Brasil emitiu em 2020 2,16 bilhões de toneladas de CO2, um aumento de 9,5% em relação ao ano anterior, indo contra a tendência global, uma queda de 7% puxada pela crise econômica da pandemia (O Globo, 29/10/2021). O volume de emissões do Brasil foi o maior em 15 anos, impulsionado principalmente pelo aumento do desmatamento, a maior fonte de emissão de CO2 no Brasil. Houve queda expressiva no setor de energia, que reduziu as emissões de gases para o patamar de 2011 por causa da redução da atividade econômica em função da pandemia. Mas os gases lançados na atmosfera pela mudança no uso da terra aumentaram 23,6%, o que mais do que compensou a queda verificada no setor da energia.

O relatório do SEEG afirma que em 2020 “o desmatamento na Amazônia foi 176% maior do que o compromisso fixado em lei e o Governo foi acionado no STF para cumprir esse compromisso em 2021, o que tampouco aconteceu”.A incredulidade e a irritação da sociedade civil brasileira se traduziram na ação pública movida na Justiça Federal do Amazonas contra o governo federal pela rede Observatório do Clima, que reúne 70 organizações socioambientais. O Brasil é hoje responsável por 3,2 % do total de emissões globais de GEE. Se computados os países individualmente, é o quinto maior emissor do planeta, graças, sobretudo, à destruição da floresta. É bom lembrar que as correntes de umidade vindas da Amazônia, chamadas “rios voadores”, é responsável pelo regime de chuvas, sem o que a região sudeste do Brasil seria um deserto como Atacama, no Chile, que se encontra na mesma latitude.

Não há visão de futuro. A sustentabilidade desapareceu até mesmo da retórica dos discursos oficiais. O meio ambiente é visto como entrave ao crescimento. O Brasil poderia assumir liderança internacional no combate às mudanças climáticas. Mas isso exige consciência da importância da sustentabilidade, que não tem sido característica dos recentes governos, muito menos do atual, comprometido exclusivamente com os interesses econômicos do mercado.

Nesta década será decidido o futuro da humanidade, diz o climatologista Carlos Nobre sobre desafios da COP-26. “Passar de 1,5° C de elevação de temperatura será terrível. Para evitar que isso aconteça, teríamos que reduzir as emissões em 50% até o fim desta década”. E acrescenta: “O Brasil foi um dos poucos países que registrou aumento de emissões, devido ao desmatamento da Amazônia. Este ano, o desmatamento continua a crescer e o governo ligou as térmicas”.

 Segundo ele, “talvez a grande expectativa para esta COP seja um acordo para reduzir entre 40% a 50% as emissões até o fim da década. Mas sabemos que as emissões vão crescer até 2023, provavelmente até 2025. Com muito otimismo, poderemos ter um decréscimo a partir de 2026 e, com isso, reduzir as emissões em 50% em relação a 2015”. Mas reduzir 50% em cinco anos é um desafio monstruoso. Se os países apenas cumprirem as metas tal como estão agora, o planeta vai esquentar pelo menos 2,7° C. E isso significará mais extremos climáticos, mais fome, miséria e sofrimento (O Globo, 29/10/2021).

De acordo com o filósofo e linguista Noam Chomsky, um futuro habitável é possível. Não temos que viver em um sistema em que as regras tributárias foram alteradas para que bilionários paguem taxas mais baixas do que os trabalhadores. Não temos que viver em uma forma de capitalismo em que, só nos Estados Unidos, os 90% mais pobres, entre os assalariados, foram roubados em aproximadamente US$ 50 trilhões, em benefício de uma fração de 1%. Essa é a estimativa da RAND Corporation, uma estimativa muito conservadora, afirma ele. Chomsky critica o guru econômico do neoliberalismo, Milton Friedman, para quem “as corporações não têm responsabilidade para com o público ou com a força de trabalho; sua responsabilidade total é maximizar o lucro para poucos”. E lembra que o último relatório do IPCC pede o fim dos combustíveis fósseis. “A esperança é que possamos evitar o pior e alcançar uma economia sustentável em algumas décadas. Se não fizermos isso, chegaremos a pontos de inflexão irreversíveis e as pessoas mais vulneráveis %u20B%u20B– e menos responsáveis %u20B%u20Bpela crise – sofrerão primeiro e mais severamente as consequências” (Outras Palavras, 29/10/2021).

Os impactos das mudanças climáticas vão reduzir o crescimento econômico, dificultar o combate à pobreza, agravar a insegurança alimentar e criar novos focos de pobreza, principalmente em áreas urbanas. As populações mais pobres serão as mais afetadas pelos eventos climáticos extremos, pelos processos de desertificação e perdas de áreas agricultáveis que provocarão a escassez de alimentos e de oferta de água potável, a disseminação de doenças e prejuízos na infraestrutura econômica e social. As mudanças climáticas trariam impactos irreversíveis, se não forem “controladas”, o que supõe medidas impositivas e obrigatórias a serem adotadas no futuro sobre o clima. Há um certo consenso de que o aumento da temperatura global não deve ultrapassar 2ºC, sob pena de consequências imprevisíveis no que se refere a eventos climáticos extremos.

As mudanças climáticas e a perda da biodiversidade já desencadearam um processo de destruição de recursos naturais que ameaça as condições de vida humana no planeta. Segundo Paul Crutzen – Prêmio Nobel de Química 1995 – já entramos em uma nova época geológica – o Antropoceno – em que o homem começa a destruir suas condições de existência no planeta. Em 2002, o historiador John McNeill alertou que a humanidade vem se aproximando perigosamente das “fronteiras planetárias”, ou seja, os limites físicos além dos quais pode haver colapso total da capacidade de o planeta suportar as atividades humanas (Something New Under the Sun, McNeill, 2002)

A situação é tão grave que já se fala na possibilidade de colapso da atual civilização. Afinal, a Terra conheceu cinco extinções em massa antes da que começamos agora a presenciar. Há 450 milhões de anos, 86% de todas as espécies foram mortas. 70 milhões de anos depois, 75%. 100 milhões de anos depois, 96%. 50 milhões de anos depois, 80%. 150 milhões de anos depois, 75% de novo. Com exceção da extinção dos dinossauros, todas envolveram mudanças climáticas. (A terra inabitável, uma história do futuro, David Wallace-Wells).

Entre os fatores que causaram o colapso de civilizações, o principal é a destruição ambiental – o ecocídio, como ocorreu na Ilha de Páscoa, no Pacífico, descrito pelo escritor Jared Diamond em seu livro Colapso – Como as Sociedades Escolhem o Fracasso ou o Sucesso. Os fatores para um possível declínio da humanidade estão visíveis: as mudanças climáticas, a degradação ambiental, as desigualdades econômicas e governos autoritários que atropelam direitos civis, sociais e culturais (A Democracia Resiste, Liszt Vieira)

Pelas projeções das Nações Unidas, teremos 200 milhões de refugiados do clima até 2050. Outras estimativas são ainda mais pessimistas: um bilhão de pobres vulneráveis sem condições de sobrevivência. O sistema climático que conhecemos até hoje está morrendo. Se não houver reversão nas emissões, os efeitos vão se agravar na medida em que o planeta esquentar de 1º C para 1,5º C e muito provavelmente para 2º C e além. A civilização do combustível fóssil ameaça a sobrevivência humana no planeta. Produz calor letal, fome pela redução e encarecimento da produção agrícola, destruição das florestas por incêndios, esgotamento da água potável, morte dos oceanos, tufões, inundações, ar irrespirável, pragas, colapso econômico, conflitos climáticos, guerras, crise de refugiados.

A espécie humana é a única espécie animal que destrói seu habitat. Tudo em função da produção econômica baseada na busca do lucro máximo. Estamos diante de uma crise de civilização. O estilo de vida que herdamos da sociedade industrial está ameaçado. O futuro será baseado em energias renováveis ou não haverá futuro. E nenhuma tecnologia cairá em nosso colo como um deus ex machina para nos salvar se não houver em tempo hábil mudanças estruturais na direção do desenvolvimento sustentável.

Veja em: https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Mae-Terra/COP-26-Brasil-e-a-catastrofe-anunciada/3/52012

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