Depois de fechar acerto milionário com empresa de agrotóxicos, parlamentar age para mudar as leis em favor da corporação que o favoreceu. História de um conluio, envolvendo o deputado Luiz Nishimori, a bancada ruralista e a Syngenta
Por: Alceu Luís Castilho, Bruno Stankevicius Bassi e Mariana Franco Ramos
A Mariagro Agrícola Ltda, que pertence à família do deputado federal Luiz Nishimori (PL-PR), fez um acordo de R$ 1,5 milhão para quitar uma dívida com a Syngenta, líder do mercado mundial de agrotóxicos. A “composição amigável” foi assinada em dezembro de 2020, quando já tramitava na Câmara o Projeto de Lei nº 6.299/02, conhecido como PL do Veneno, por flexibilizar o uso dos pesticidas no Brasil. O PL é uma das prioridades do governo Bolsonaro e da bancada ruralista.
Membro ativo da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), o deputado foi o relator do texto, que atende aos interesses da multinacional suíça, recentemente adquirida pela estatal chinesa ChemChina, e de outras gigantes do agronegócio. A Syngenta chegou a divulgar nota e vídeo em apoio ao projeto de lei. A FPA é bancada por organizações do setor privado, inclusive aquelas que defendem agrotóxicos, como a CropLife e o Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal (Sindiveg) — que tem como associada uma empresa ligada à ChemChina, a Adama.
O PL que já dura 20 anos é de autoria do ex-ministro da Agricultura, ex-governador matogrossense e ex-senador Blairo Maggi. A matéria relatada por Nishimori passou em regime de urgência na Câmara, no dia 09, após forte lobby da FPA e do governo federal. O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento é comandado por uma ex-presidente da frente, Tereza Cristina, aliada da Syngenta. Foram 301 votos a favor, 150 contra e duas abstenções.
De Olho nos Ruralistas iniciou nesta semana uma série sobre possíveis conflitos de interesses na tramitação de leis relativas a agrotóxicos no Congresso. A primeira reportagem foi ao ar na quarta-feira (16): “Relator do PL do Veneno teve bens bloqueados em caso de funcionários fantasmas”. Nos próximos dias serão descritas outras atividades do político e empresário paranaense.
Empresa deve desistir de ações judiciais contra a Mariagro
As dívidas de Nishimori e de sua esposa, Elizabeth Akemi Ueta, datam dos anos 2000. Ambos assinaram o termo de acordo junto à Syngenta Proteção de Cultivos Ltda na condição de “intervenientes garantidores solidários”. Ambos se comprometeram a quitar cinco parcelas: duas de R$ 450 mil, na data de assinatura e em abril de 2021; e três de R$ 200 mil, sendo a primeira até maio de 2022 e a última até 30 de abril de 2024.
Realizados os pagamentos, a Syngenta concorda em desistir de duas ações judiciais que mantém contra a Mariagro. Em 2016, o juiz Devanir Cestari, de Marialva (PR), terra natal do deputado, tinha autorizado que os bens do grupo, avaliados em R$ 81.737, fossem a leilão por causa da dívida com a multinacional, contraída 15 anos antes e então na ordem de R$ 5,36 milhões.
A lista incluía: uma Kombi 1982, uma Parati e um Gol 1994, um caminhão Mercedes-Benz LS 1929, ano 1984, e uma carreta Randon 1990. Nenhum imóvel, rural ou urbano, foi leiloado.
Dois anos depois do acordo, em agosto de 2018, a empresa produziu um vídeo no qual reafirmava sua posição a favor do PL. Segundo a companhia, muitas pessoas são “levadas a acreditar” que o projeto foi criado para aumentar o uso desses produtos nas plantações e prejudicar a população. “No entanto, ele tem como objetivo modernizar o conjunto de leis atual que regula o uso dos agrotóxicos em nosso país, que foram criadas há mais de 50 anos e não acompanharam a evolução do setor”, diz um trecho. “Se implementadas as propostas, as regras passarão a ser baseadas em metodologias científicas adotadas internacionalmente”.
Político fez lobby do veneno com a multinacional
Enquanto negociava o pagamento de sua dívida pessoal com a Syngenta, o relator do PL do Veneno participou de diversas reuniões com líderes do agronegócio para debater pautas de interesse do setor. Ele foi um dos primeiros congressistas a se encontrar com executivos da holding formada pela ChemChina e pela Sinochem, que em 2020 se uniram à israelense Adama.
Em 18 e 19 de novembro de 2019, Nishimori esteve com o presidente do grupo, Frank Ning, e com diretores da Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa), em São Paulo. Em pauta, mais uma vez, o uso de agrotóxicos. “É necessário divulgar ao público o impacto muito pequeno dos resíduos de pesticidas na qualidade dos alimentos, graças ao progresso da ciência e tecnologia agrícola”, discursou Ning. O site da própria multinacional falou a respeito do encontro.
Na ocasião, Nishimori defendeu o PL do Veneno: “Isso é importante para todo o setor e, acima de tudo, nos dá previsibilidade. Não podemos ficar como estamos hoje, esperando até dez anos numa fila até que o produto seja aprovado”.
As falas foram divulgadas pela assessoria de imprensa do político. Meses antes, em junho, ele e o presidente da Abrapa foram juntos ao Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) relatar como estavam os trabalhos relacionados ao PL 6.299. O deputado já havia participado da comitiva brasileira do Mapa, que visitou o país asiático em maio, com o objetivo de “promover os produtos brasileiros no mercado chinês”. Na época ele era vice-presidente da FPA para a região Sul.
Entusiasta do projeto, Tereza Cristina chefiou a missão, que contou ainda com a participação do presidente da FPA, deputado Alceu Moreira (MDB-RS). O encontro de novembro, na sede da Companhia das Cooperativas Agrícolas do Brasil (CCAB Agro), foi uma retribuição à visita ao chairman do conglomerado chinês, em Pequim. A ministra da Agricultura é um dos nomes cotados para ser vice de Bolsonaro nas eleições presidenciais.
Nishimori apresentou projeto em favor da Syngenta
Foi a Syngenta que criou o paraquat, um dos agrotóxicos mais letais do mundo, associado a doenças como depressão, Parkinson e câncer. Em 2017, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) publicou uma resolução proibindo o uso e a comercialização do produto no país, algo que já acontece na União Europeia desde 2003. A regra começou a valer em setembro de 2020.
Nesse período de três anos entre a publicação do documento e o início das restrições, a empresa e outras multinacionais do setor estiveram em mais de 20 reuniões na Anvisa, ao lado de representantes dos maiores exportadores do Brasil, como a Associação Brasileira de Produtores de Soja (Aprosoja), conforme levantamento da Agência Pública e da Repórter Brasil. A Aprosoja é uma das principais financiadoras da Frente Parlamentar da Agropecuária.
Com o apoio da FPA, produtores de soja e de agrotóxicos intensificaram o lobby para reverter a decisão. E coube a Nishimori protocolar um projeto de decreto legislativo pedindo a suspensão. Na justificativa do PDL 310/20, ele escreve que a deliberação da Anvisa “fundamentou-se a partir de viés político e não de uma decisão científica”. Também argumenta que, “contrariamente ao que se divulgou outrora por meio da mídia leiga, o ingrediente ativo não é considerado mutagênico”.
De acordo com o parlamentar, os riscos decorrentes da utilização dos produtos se restringem aos trabalhadores que o manipulam “de forma negligenciável”. “A população em geral não está suscetível à exposição da substância pelo consumo de alimentos”, acrescenta, citando o que garante ser uma opinião da Anvisa.
Uma das reuniões na agência relatadas pela Repórter Brasil aconteceu em julho de 2020, logo após a apresentação do PDL. No mesmo dia, deputados da FPA protocolaram um requerimento de urgência para votar o texto de Nishimori. O documento é assinado por Efraim Filho (DEM-PB), Pedro Lupion (DEM-PR), Arthur Lira (PP-AL), Felipe Francischini (PSL-PR) e Arnaldo Jardim (Cidadania-SP).
Não era a primeira incursão do deputado no tema. Em 2015, por exemplo, ele convidou representantes da Syngenta e da Dow AgroSciences a participarem de audiência na Câmara sobre “educação e treinamento para utilização de defensivos fitossanitários” — em outras palavras, agrotóxicos. Espécie de aditivo ao “Pacote do Veneno”, o PL 3.200/15 foi discutido na comissão especial do PL 6.299.
Empresa de deputado obteve permissão para vender pesticidas
O próprio parlamentar se apresenta, em seu perfil no Facebook, como agricultor. Ele conta ter constituído a Mariagro em 1977, aos 21 anos. Depois, em 1993, fundou a Nishimori Distribuidora de Diesel, voltada ao comércio de combustíveis e derivados. E, em 2003, a Nishimori Agrícola Ltda, que produz sementes, mudas e outras formas de propagação vegetal.
Esta última é administrada pelos filhos do político e consta em relatório produzido pela Agência de Defesa Agropecuária do Paraná (Adapar), de 2014, que listou estabelecimentos inscritos para receber permissão para comercializar agrotóxicos.
“Eu usei DDT, Parathion e BHC”, recordou-se, durante uma das audiências na comissão que avaliou o PL do Veneno, em maio de 2016. “Eu sou dessa época, eu usava. Antigamente, passavam BCH para matar piolho!”
Na sessão que culminou com a aprovação da proposta, na semana passada, ele fez uma associação com o uso de medicamentos: “Eu peguei o Covid ontem. Não queria ser medicado, mas precisei. A planta é a mesma coisa”.
A Mariagro foi uma das fundadoras da Associação dos Distribuidores de Insumos e Tecnologia Agropecuária (Adita), em 1999, no noroeste paranaense, como lembra reportagem do De Olho nos Ruralistas. A finalidade do grupo era recolher as embalagens vazias de agrotóxicos. Hoje, a Adita está presente em 83 municípios.
O observatório entrou em contato com o deputado federal na manhã desta terça-feira (15). No gabinete, a reportagem foi orientada a procurar a assessoria de imprensa da FPA, que ainda não retornou.
Multinacional diz que acordo com Mariagro foi “padrão”
Contatada pelo De Olho nos Ruralistas, a Syngenta confirmou que a Mariagro tinha uma dívida desde 2002 com a multinacional. “Depois de muitas tratativas que seguiram o mesmo processo que se aplica em qualquer caso como esse, as partes entraram em acordo em 2020, de forma que a Mariagro Agrícola Ltda está pagando todo o montante devido conforme o parcelamento determinado”.
Segundo a companhia, essas tratativas comerciais ocorreram na forma e com os critérios de relacionamento que são padrão e que a empresa utiliza com dezenas de clientes, todos os anos, quando ocorrem essas questões.
Sobre PL 6299/02, a Syngenta argumenta que, como qualquer outra entidade pública ou privada, é parte do processo democrático. “Provemos informações e dados ao longo desse processo por meio de entidades representativas do setor e dos agricultores, em agendas que visem defender os interesses de agricultores e da agricultura brasileira”.
Ainda conforme a empresa, o projeto “modernizará o marco regulatório de pesticidas no Brasil”. “Ele permitirá que novas tecnologias cheguem mais rapidamente aos agricultores, ao mesmo tempo em que garante a participação da Anvisa, Ibama e Ministério da Agricultura no registro de produtos, reforçando a importância de assegurar a segurança humana e do meio ambiente”.
Veja em: https://outraspalavras.net/outrasmidias/camara-e-syngenta-ligacoes-venenosas/
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