Enquanto atletas ao redor do mundo lutam por equiparação salarial com os homens, na Alemanha, craques da seleção feminina de futebol estão mais focadas em buscar condições iguais.
Por: Alima Hotakie |Créditos da foto: Marvin Ibo Güngör/GES/picture alliance. Laura Freigang não quer simplesmente seguir o modelo do futebol masculino
A seleção alemã de futebol feminino não tem papas na língua quando o assunto é lutar pela igualdade de gênero. Mas enquanto a demanda por equiparação salarial costuma unir mulheres no esporte, as craques alemãs estão mais focadas em exigir as mesmas condições de jogo. Elas não querem simplesmente replicar o que veem no futebol masculino, onde salários de 100 mil euros por semana (cerca de R$ 550 mil pelo câmbio atual) são algo comum.
“Quando você fala sobre equiparação salarial, parece que você está dizendo que as mulheres deveriam ganhar exatamente o mesmo que homens. E aí eu me pergunto: será que é isso a gente quer?”, questiona a atacante Laura Freigang. “Eu nem sei se quero que o futebol feminino caminhe nessa direção, no sentido de ganhar as mesmas proporções que o futebol masculino.”
Essa pergunta, no entanto, não vai impedir as jogadoras de continuarem lutando por igualdade. Embora as alemãs tenham aprovado mudanças como o aumento recente dos prêmios em dinheiro na Eurocopa Feminina 2022, elas enxergam problemas no futebol masculino e não se acanham em confrontá-los. “O dinheiro que circula no futebol masculino é uma coisa de louco”, afirma a meio-campista Tabea Wassmuth. “Talvez dê para achar uma solução intermediária.”
Freigang acha que o futebol feminino pode encontrar uma alternativa aos imperativos financeiros que caracterizam o futebol masculino. “É capitalismo, é como as coisas são. É assim que o mundo meio que funciona. A questão é: tem como impor limites à essa lógica?”, questiona Freigang.
“Igualdade de jogo” x “igualdade salarial”
Quando o assunto é igualdade nos gramados, houve algumas mudanças recentes importantes. Países como Espanha, Inglaterra, Noruega e Estados Unidos firmaram acordos para remunerar igualmente seus times masculino e feminino.
As atletas alemãs, porém, decidiram focar também nas condições de trabalho em vez de só na folha de pagamento, e desde então o abismo que separa homens e mulheres tem diminuído. Elas ficam em hotéis de mesmo padrão e têm seu próprio staff que as acompanha aos jogos – fisioterapeutas, equipe médica e chefe de cozinha. Também compartilham o campo de treinamento, na pequena cidade de Herzogenaurach, com seus colegas da equipe masculina. É lá que se preparam para a Eurocopa deste ano.
“Aconteceu muita coisa nos últimos anos. Temos sido bem cuidadas. Ninguém pode reclamar e exigir mais”, diz a meio-campista Lena Lattwein.
Para Freigang, o foco delas é oferecer um ambiente mais profissional às futuras gerações. “Se eu exijo a mesma remuneração, isso seria algo que beneficiaria a mim e àquelas dentre nós que já alcançaram o topo, que passariam a receber mais”, explica. “Mas não é só disso que se trata. Queremos que o esporte se profissionalize, para que todas possam começar no mesmo nível e ter as mesmas oportunidades.”
Igualdade começa em casa
Apesar de todos os avanços a nível de seleção, um problema persiste: o das discrepâncias entre os times da Bundesliga. Diferentemente do topo da liga masculina, há várias jogadoras na Bundesliga feminina que não conseguem viver do esporte.
“Há enormes discrepâncias na Bundesliga. Algumas têm que investir em outras carreiras paralelamente ao esporte para poder sobreviver”, afirma Wassmuth, que joga no Wolfsburg.
Há diferenças em termos de estrutura e serviços oferecidos por cada clube, tais como centros de treinamento e vestuários. Alguns times têm pouco pessoal, e faltam até fisioterapeutas. “É esse tipo de coisa que precisa ser mudado para que tenhamos mais igualdade de oportunidades”, acrescenta Wassmuth.
Enquanto Bayern e Wolfsburg são exceções, clubes como Frankfurt e Hoffenheim estão, aos poucos, elevando seus patamares. Mas as diferenças, quando comparadas aos demais times, são imensas.
“Só posso falar sobre o Hoffenheim e o Wolfsburg. Lá eu fui muito bem tratada”, diz Lattwein. “Mas ouvi falar de casos de atletas que tinham que conciliar os treinos com uma jornada de trabalho de oito horas diárias. São essas coisas que queremos mudar.”
Ainda há muito trabalho a ser feito para atingir a paridade entre os clubes da Bundesliga. Mas uma profissionalização da liga inteira daria a muitas jogadoras a chance de focar exclusivamente no futebol.
“As mulheres nos clubes deveriam estar no mesmo patamar de condições de trabalho quando falamos de igualdade. Para mim, isso é mais importante do que equiparar os salários aos dos homens”, afirma Lattwein. “Acredito que isso seja possível.”
Igualdade de atenção
As atletas da seleção nacional também desejam uma maior fatia de cobertura midiática e marketing. A última temporada da Liga dos Campeões Feminina mostrou que há interesse do público, com recorde de público. Quando o Barcelona Femení recebeu o Wolfsburg no Camp Nou para a semifinal, quase 92 mil torcedores lotaram o estádio para assistir à vitória das espanholas por 5 a 1.
“Eu entendo que os homens atraiam mais dinheiro, mas deveria haver um esforço para dar mais visibilidade às mulheres”, diz Wassmuth. “As partidas têm que ser organizadas em horários melhores, mais atrativos.”
Um marketing mais eficiente, que promova jogos decisivos e desperte as paixões do público, é crucial. Exibir as partidas às 14h ou 15h em um dia útil não favorece o futebol feminino nesse sentido.
Para a seleção nacional alemã, confrontar esses desafios será decisivo para elevar o futebol feminino a outro patamar. E é o motivo pelo qual a mera equiparação salarial não está no topo da lista de prioridades dessas mulheres quando o assunto é luta por igualdade.
Comente aqui