Elas estão no centro de várias ações pela reforma agrária. São quem melhor entende a Agroecologia, que remete à natureza e ao cuidado. Vivem jornadas insanas. Agora, enfrentam o patriarcado, que tenta inviabilizar seu trabalho e ação política
Naquele momento já não se ouvia mais a respiração, porque havia outros sons mais fortes, o som da quebra das correntes nos arrepiava, nos provocava gritos emocionados, como se aquelas correntes que identificavam o latifúndio não fossem só isso, e de fato não eram. É nessa concentração, nesse poder que se apresentam o tráfico, a exploração, a violência, e a apropriação de nossos corpos, de nossas vidas, de nosso trabalho e do poder de dominação.
Aquelas correntes de fato tão fortes, tão grossas, malditas, pesadas e cruéis tinham que ser quebradas, rompidas, estraçalhadas. O ‘tililim’ do impacto do machado e da marreta na quebra das correntes que nos aprisionam soava como uma música clássica aos nossos ouvidos tão desacostumados a escutar.
Witcel, 2019
A barbarização humana e a urgência do feminismo
A crise atual tem caráter estrutural e sua duração é prolongada, com aspectos incontroláveis que afetam todas as dimensões da vida humana – econômica, política, social e ambiental. O capital, ao seguir seu impulso expansivo e de apropriação/dominação, não admite nenhum tipo de obstáculo, mesmo que interfira em questões éticas, de direitos adquiridos ou territórios conquistados.
Vivemos um retrocesso impressionante em direitos que até então pareciam intocáveis, que atingem principalmente os mais pobres, proletários do campo e da cidade, com pouca ou nenhuma autonomia sobre o processo produtivo e os meios de produção. A intensidade da precarização da vida não atinge a classe trabalhadora da mesma forma, pois cada vez mais somos provocadas/os a compreender as determinações sociais que constituem a nossa classe quanto a gênero, raça, diversidade sexual e posição geracional.
O capital persegue, fere e mata principalmente aqueles/as que já são historicamente considerados, nas sociedades de classes, como subordinados e passíveis de uma intensificação dos processos de exploração. Por isso a naturalização sobre o barbarismo é tão funcional para o comodismo da classe trabalhadora, e mesmo quem se importa com essas vidas humanas ceifadas, por vezes, se sente contemplado com uma dada luta setorial, sem nada fazer para alterar as estruturas dominantes basilares da sociedade de classes.
O sistema hegemônico está estruturado essencialmente no domínio das forças do capital, sobre as forças do trabalho. No entanto, existem outros pilares históricos que sustentam a sociedade de classes: o patriarcado e o racismo. E é justamente na crise em que tais estruturas de dominação se evidenciam com mais força, pois convivemos com um tipo de desemprego que é estrutural e uma parte da humanidade passa a ser sistematicamente descartada. Dessa forma, o capital abre mão do seu discurso liberal, de igualdade, ainda que falacioso, pois a desigualdade precisa ser assimilada, naturalizada e defendida, inclusive pelos mais atingidos por ela.
Nesse contexto, o racismo, o machismo, a misoginia, a lgbtfobia e o desprezo aos mais pobres assumem patamares insuportáveis, jogando ao chão qualquer ideia de avanço progressista, apoiado em uma esfumaçada crença de evolução da humanidade. As sociedades não só avançam e não só regridem, pois são resultantes das lutas de classes; assim, fica evidente que a velha sociedade não será enterrada através da luta que se coloca apenas contra um de seus pilares de sustentação.
Por isso as lutas feministas, antipatriarcais, antilgbtfóbicas e antirracistas são fundamentais não somente para “corrigir” mazelas da desigualdade, mas ao contrário, para destruir os pilares que estruturam a sociedade geradora das desigualdades e que se nutre da exploração humana.
Não é somente o conjunto das classes que precisa reconhecer as diferenças e criar espaços de participação. A questão atual está para além disso, pois em tempos de crise profunda do capital, ampliação da precarização do trabalho, desemprego estrutural, naturalização da violência, encarceramentos em massa, migrações forçadas, mercantilização acentuada dos bens naturais etc., nosso maior desafio é retomar a luta ofensiva, e para tal, é fundamental se imbuir coletivamente do posicionamento político de quem não teve direito à trégua, mesmo em tempos de aparente calmaria.
A vida das mulheres trabalhadoras é uma luta diária, e quanto mais se sobrepõem as dominações, mais potencial de reação está ali contido. É por isso que quando uma mulher trabalhadora se move, vai rompendo as correntes de classe e da sociedade patriarcal, estruturante da desigualdade de gênero.
No campo, em uma perspectiva continental e mundial, as mulheres foram se organizando a partir de suas distintas realidades, mas com a necessidade comum de enfrentar a origem da opressão de gênero que está no cerne da sociedade de classes, que através do patriarcado foi perpetuando a divisão sexual do trabalho pelos diferentes modos de produção.
A construção social da subordinação da mulher foi imposta através de diferentes formas de dominação e, principalmente, por meio da violência, desempenhada pelos homens e pelo Estado, e consentida por toda a sociedade. Cotidianamente, as diversas expressões da violência contra as mulheres foram sendo naturalizadas, como se a mulher precisasse ser castigada até aprender qual é o seu lugar na sociedade. (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, 2015)
Antes do surgimento do feminismo – como um movimento social, político e cultural no século XIX –, as mulheres já organizavam distintas formas de resistência diante das imposições dominantes das sociedades de classes, e muitos foram os processos de enfrentamento a esses sistemas societários. É deste legado histórico que surge o feminismo, e muitos movimentos feministas foram criados com o avanço das lutas das mulheres por sua emancipação, vinculados a diferentes correntes teóricas e políticas.
Na perspectiva do feminismo das trabalhadoras, e, portanto, de luta por emancipação humana, estamos construindo o feminismo camponês e popular – com identidade e revolucionário. Suas bases estão estruturadas a partir de uma análise da realidade do campo em nível mundial, que identifica elementos comuns em toda parte onde atuamos como Via Campesina/Cloc: a apropriação e especulação sobre os bens naturais pelas empresas transnacionais, a padronização das commodities agrícolas e minerais como modelo hegemônico no campo e o forte aparato do Estado, subsidiando o capital, com financiamentos públicos, perdão de dívidas e um amplo arcabouço jurídico/ institucional. Tais questões impedem avanços concretos na democratização do acesso à terra, na reforma agrária, na demarcação de territórios indígenas, no reconhecimento de territórios camponeses e quilombolas e em uma plataforma de políticas públicas voltadas para o fortalecimento da pequena agricultura, e em defesa dos povos do campo, das águas e das florestas.
As mulheres do campo têm desenvolvido um processo de resistência e lutas frente a esse modelo, e a maior expressão disso ocorre nas ações do 8 de março, dia internacional das mulheres, tal como a ação protagonizada pelas mulheres da Cloc/Via Campesina Brasil, em 2006, um marco histórico que teve como simbologia a destruição de mudas de eucalipto nos viveiros da empresa Aracruz celulose.
Feminismo – Movimento social e político de enfrentamento ao patriarcado, à divisão sexual do trabalho e às manifestações do machismo, do racismo, da lgbtfobia, da gordofobia etc.
Camponês – Sob a perspectiva das mulheres e dos movimentos sociais do campo, abarcando os povos da floresta e das águas.
Popular – Com um posicionamento político de classe, no desafio da construção do poder popular. com Identidade – A partir das cosmovisões presentes nos diferentes povos e etnias, vinculando a luta pela terra ao território.
Revolucionário – Rompendo com as estruturas de dominação e exploração presentes nas sociedades de classes. Forjar a nova sociedade, uma sociedade emancipada, uma sociedade socialista! (MST, 2015)
Feminismo, agroecologia e soberania popular
Segundo a Food and Agriculture Organization (FAO)(2018), as mulheres rurais são responsáveis por mais de 45% da produção de alimentos no Brasil, chegando a 80% em outros países da América Latina e Caribe; o seu empoderamento, além de promover maior justiça social, poderá garantir a segurança alimentar do planeta e ampliar em 30% a produção agrícola. No entanto, apesar deste evidente protagonismo das mulheres na agricultura e na alimentação, elas e as crianças são as maiores vítimas da fome e somente 20% delas cultivam em suas próprias terras (Food and Agriculture Organization, 2017). Além disso, ocorre um processo acentuado de feminização do trabalho agrícola assalariado, dado que “entre 1994 e 2000, as mulheres ocuparam 83% dos novos empregos no setor da exportação agrícola não tradicional” (Vivas, 2012), que apesar de representar maior renda e possibilidade de emancipação financeira das mulheres, carrega as marcas da reprodução das desiguais relações de gênero na divisão do trabalho.
As mulheres do campo em sua luta cotidiana produzem rupturas e deslocamentos que abalam as estruturas do poder patriarcal e dominante. São as mulheres do milho, que revolvem a terra, alimentam reviravoltas no mundo e fazem renascer o sonho de um povo.
[…] Y parece enterrado el pueblo.
Pero el maíz vuelve a la tierra.
Atravesaron el silencio
sus implacables manos rojas.
Desde la muerte renaceremos.
(Neruda, Arena Americana)
Pensar sobre a agroecologia e o feminismo é pensar tradições, renovações, diálogos e práxis revolucionárias. A agroecologia para as mulheres do campo é parte do seu modo de vida, é aquela agricultura que foi feita pelos ancestrais, pelos povos originários, ou seja, é a agricultura antes da constituição da propriedade privada. Pois era uma agricultura que surgia a partir das necessidades locais, buscando observar e se inspirar nos ritmos e modos da natureza, uma agricultura possivelmente descoberta pelas mulheres e trabalhada por homens e mulheres. Mesmo sabendo que o nome agroecologia é recente, as mulheres do campo conseguem ver e compreender que suas origens estão em tempos remotos.
Na história recente da agroecologia construída como ciência, movimento e prática, ela surge como um enfrentamento direto ao modelo devastador da vida natural e social promovido pela Revolução Verde [ver Agroecologia; Revolução Verde]. São as mulheres as primeiras a compreender a importância dessa nova proposta de organizar a vida no campo, pois esse era o modelo que se baseava na própria experiência camponesa, indígena e negra. As mulheres viram suas práticas milenares serem resgatadas.
A agroecologia valoriza as sementes que as mulheres guardaram, enquanto muitos camponeses se deixaram levar pelo tecnicismo da assistência técnica e extensão rural, adotaram todo o pacote da Revolução Verde e abriram mão de sua soberania. A agroecologia valoriza a produção a partir de um diálogo e integração dos diversos subsistemas da roça familiar, ou da comunidade indígena e negra, valorizando assim aquela produção que nem era vista, mas que garantia a soberania alimentar dos povos e a diversidade na alimentação da família.
A partir desse olhar é possível perceber que o trabalho realizado pelas mulheres camponesas, indígenas e negras é muito importante para o fortalecimento da estratégia de autonomia e soberania camponesa, para a defesa dos territórios e para a preservação da natureza.
Mas a agroecologia também não está fora da realidade das relações sociais construídas pelo sistema capitalista, patriarcal e racista. Essa realidade faz com que as contradições se expressem também na construção da agroecologia, que na medida em que cresce e ganha visibilidade coloca as mulheres de volta na invisibilidade em nome do trabalho da família, que se expressa muitas vezes na valorização apenas do trabalho dos homens.
Na divisão sexual do trabalho no campo, as mulheres realizam tanto os trabalhos considerados pelo sistema capitalista como produtivo e o trabalho reprodutivo, de cuidados, gerando uma intensa e extenuante jornada de trabalho. Por ser invisibilizado, o trabalho das mulheres não é considerado como tal e em geral não é entendido como gerador de renda. Não contabilizar o trabalho das mulheres do campo em dinheiro poderia não ser um problema, se nessa sociedade capitalista, racista e patriarcal o valor das coisas não fosse medido a partir do dinheiro.
Dessa forma, uma das lutas centrais do feminismo camponês e popular é dar visibilidade e promover a valorização do trabalho das mulheres do campo, ao passo que também resgata e valoriza a sua identidade, intrinsecamente vinculada ao trabalho realizado por elas na construção da soberania alimentar a partir da agroecologia.
A agroecologia para as mulheres também é uma luta anticapitalista. Por isso, elas em suas lutas buscam dar destaque ao seu cotidiano de vida e de trabalho, porém, a partir de uma perspectiva feminista ressignificando este lugar, demonstrando o valor social do seu trabalho e construindo novas relações entre homens e mulheres no trabalho de produção e de reprodução da vida humana no seio familiar e em toda a vida do campo (Movimento das Mulheres Camponesas, 2018).
Para as mulheres do campo, a agroecologia não é apenas uma ideia, é um modo de vida. É concreto, faz parte da sua realidade, é ciência forjada em suas experiências e, por isso, é construída no dia a dia das mulheres e homens do campo (Movimento das Mulheres Camponesas, 2018).
A construção do feminismo camponês e popular – que vem das diversas lutas travadas pelas camponesas, indígenas, mulheres negras do campo e assalariadas – constrói soberania e autonomia em diversos sentidos. Um deles é quando elas saem do aprisionamento da casa e do espaço doméstico, iniciando seu processo de libertação, construindo sua autonomia e capacidade de tomada de decisão, tornando-se sujeito político e social, percebendo-se e valorizando-se como trabalhadora (Movimento das Mulheres Camponesas, 2018).
Para as mulheres do campo, a agroecologia somente poderá avançar e se efetivar como proposta política de resistência ao capitalismo, e como fortalecimento do modo de vida pleno para os povos do campo, se avançar no reconhecimento do trabalho e da contribuição política das mulheres do campo na construção da agroecologia, na construção da resistência camponesa, e estabelecer como um de seus princípios o enfrentamento à exploração do trabalho, a todas as formas de desigualdade, opressão/dominação, discriminação, como também a todas as formas de violência praticadas contra as mulheres e populações negras e indígenas.
O feminismo camponês e popular reivindica o campo como lugar e espaço de vida, a terra, os territórios, os bens naturais, o resgate e a valorização da diversidade de culturas e identidades dos povos do campo, elementos centrais da luta feminista e camponesa. Contudo, com uma perspectiva crítica, também desvela e questiona as expressões culturais, sociais e econômicas, fundamentadas na ideologia patriarcal e racista que se expressam no campo, reproduzidas por estes sujeitos: o campesinato, os povos indígenas e populações negras. Por isso, o feminismo camponês e popular busca ressignificar a compreensão de campesinato, de povos do campo, que não oculte, em suas relações sociais, culturas e identidades, no interior das famílias, nas organizações populares do campo, práticas e ideias patriarcais, de discriminação, violência, desvalorização e inferiorização das mulheres.
O feminismo camponês e popular é a contribuição das mulheres do campo para avançar na construção de um projeto popular, com soberania dos povos sobre seu território e sobre os rumos políticos do país, onde as mulheres do campo e de toda a classe trabalhadora sejam protagonistas neste processo de libertação e nesta outra sociedade que buscamos construir.
Construção feminista no âmbito da Cloc/Via Campesina
As mulheres do campo sempre estiveram presentes e ativas nos processos de luta e resistência do campo nos diferentes contextos e momentos históricos. E não foi diferente nas lutas de resistência à implantação do modelo neoliberal nas décadas de 1980/1990 no continente latino-americano. No marco das comemorações dos 500 anos de “descoberta do continente” pelos colonizadores se constitui a Campanha de Resistência Indígena, Negra e Popular que deu origem à Coordenadoria Latino-americana de Organizações do Campo (Cloc)/Via Campesina, para articular a resistência às políticas neoliberais impostas e para fortalecer a defesa dos direitos e da soberania dos povos do campo e da classe trabalhadora.
As mulheres inseridas nas lutas do campo em âmbito local, nacional e continental se conscientizam, na ação cotidiana, de que precisam lutar contra a invisibilidade, pois muitas vezes estão alijadas das instâncias decisórias, dos grandes debates políticos sobre os rumos do movimento do campo no continente, e suas lutas ficam relegadas a segundo plano e não são percebidas pelo conjunto das lutas coletivas. Assim, elas se organizam em espaços próprios das assembleias de mulheres para garantir sua efetiva participação política em todas as instâncias e principalmente nos espaços de tomada de decisão, com paridade conquistada de gênero, para assumir coletivamente a transversalidade da discussão de gênero em todas as lutas e temas discutidos na Cloc/Via Campesina (Coordenadoria Latino-americana de Organizações do Campo, 1997 e 2015).
A organização e luta das mulheres do campo está inserida no seio das lutas populares do campesinato latino-americano, nas lutas por direito à terra, ao território, aos direitos às sementes, à produção de alimentos saudáveis e ao direito de viver no campo com soberania e dignidade. Nasce no leito histórico de lutas contra o sistema de exploração capitalista com suas expressões no campo – o modelo econômico, político e social do agro-hidro-minero negócio – que massacra e usurpa os direitos e a vida do campesinato, dos povos indígenas e populações negras do campo. Portanto, a luta das mulheres da Cloc/Via Campesina parte da compreensão da perspectiva de gênero e classe, entendendo que as desigualdades que afetam as mulheres do campo são estruturais de uma sociedade capitalista, patriarcal e racista, e, assim, não se pode eliminar a opressão, dominação e exploração de gênero sem eliminar suas formas e expressões de classe e de raça/etnia (Coordenadoria Latino- -americana de Organizações do Campo, 1997, 2005 e 2015).
Neste marco, se engajam e ajudam a construir como Via Campesina a Campanha Global pela Reforma Agrária. A luta em defesa das sementes e em defesa de outro modelo de produção em consonância com as identidades camponesa e indígena também é importante bandeira das mulheres do campo, rechaçando o uso de agrotóxicos, de organismos geneticamente modificados e de modelos destrutivos dos bens naturais. A partir das mulheres se constitui, no seio do movimento camponês latino-americano e mundial, a Campanha contra o Uso dos Agrotóxicos e pela Vida e a Campanha de Sementes Patrimônio dos Povos a Serviço da Humanidade. As mulheres também promovem debates sobre a agroecologia como estratégia e proposta de resistência dos povos do campo frente ao modelo do capitalismo agrário e como um modo de vida que impulsiona a construção da soberania alimentar, que é o direito dos povos, com justiça de gênero, em decidir sobre sua produção de alimentos, seus territórios e a vida no (Coordenadoria Latino-americana de Organizações do Campo, 1997, 2001, 2005 e 2010).
A luta contra a violência doméstica que assola cotidianamente a vida das mulheres do campo em suas diferentes expressões é outro grave problema social que ganhou visibilidade com a Campanha Basta de Violência contra as Mulheres assumida pelo conjunto do movimento da Via Campesina (La Via Campesina, 2008).
A partir dos processos políticos organizativos, das lutas concretas que mudam a vida econômica, social e política da classe trabalhadora, dos povos do campo, e em particular, das mulheres, encontram-se os elementos que determinam a práxis – prática cotidiana e coletiva das mulheres do campo, em que se desenvolve uma consciência militante feminista das mulheres da Cloc/Via Campesina. A partir da compreensão da importância da luta feminista como movimento protagonizado pelas mulheres em luta por seus direitos, autonomia e libertação, elas vão se dando conta de que todas as lutas que vinham travando historicamente eram lutas feministas. E passam a nomear este acúmulo político, organizativo e de luta das mulheres do campo de feminismo camponês e popular; ele é a expressão da luta das mulheres do campo em movimento no seio das lutas camponesas e populares. Este feminismo é a reafirmação de uma perspectiva social e histórica, de caráter coletivo, que parte da realidade, da vida e do trabalho das mulheres do campo, visando a transformação profunda da sociedade, uma nova sociedade, de novos valores, práticas e relações sociais socialistas (Coordenadoria Latino-americana de Organizações do Campo, 2010, 2015, e 2018).
Trata-se de um feminismo que promove transformações cotidianas e concretas na vida das mulheres do campo, e nas relações entre homens e mulheres, mas também se propõe e tem em seu horizonte as mudanças estruturais da sociedade. Por isso, coloca no marco das lutas feministas o enfrentamento ao sistema capitalista, ao enfrentar o modelo destrutivo e explorador do capitalismo agrário das transnacionais no campo. Um feminismo que luta pelo fim de todas as formas de exploração, opressão, subordinação, discriminação e exclusão, e que, em contraposição, apresenta um projeto de agricultura camponesa, indígena, negra que promove o bem viver dos povos do campo, que alimenta a humanidade e preserva a natureza. Portanto, o feminismo camponês e popular se forja na luta cotidiana de resistência e enfrentamento ao capitalismo e ao patriarcado, particularmente em suas expressões no campo, sendo esta a contribuição desde as mulheres do campo para a construção dos caminhos de transformação rumo a uma sociedade socialista, onde haja uma humanização do gênero humano e uma verdadeira emancipação de mulheres e homens (Coordenadoria Latino-americana de Organizações do Campo, 2018).
Desse modo, reafirmamos que o Socialismo e o Feminismo são parte de nosso horizonte estratégico de transformação. Por isso, afirmamos um Feminismo Camponês e Popular, insubmisso, socialista, que questiona as concepções patriarcais e burguesas, que são funcionais às políticas de exploração capitalista. Desse modo, a concepção Feminista que estamos construindo como Via Campesina está fortemente vinculada a processos políticos, organizativos, de formação política e de lutas concretas, permanentes que alterem a vida social, econômica e política da classe trabalhadora e, particularmente, das mulheres trabalhadoras. (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, 2015).
Veja em: https://outraspalavras.net/feminismos/por-um-feminismo-campones-e-popular/
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