É preciso colocar em prática o discurso de que a pauta ambiental é central para o novo governo. A possibilidade de que uma pasta tão crucial possa ser negociada para acomodar qualquer nome ligado aos setores ruralistas seria um péssimo sinal.
Marina Silva e Simone Tebet vão à conferência das Nações Unidas sobre mudança climática
Com a conclusão dos trabalhos da equipe de transição e a proximidade da posse de Lula, todas as atenções se voltam para a montagem do futuro governo. O presidente eleito já anunciou que sua administração deve contar com 37 ministérios, dos quais 21 já tiveram os titulares anunciados. Resta indicar os ministros e ministras das seguintes pastas: Povos Originários, Previdência Social, Esporte, Cidade, Integração e Desenvolvimento Regional, Meio Ambiente, Transportes, Minas e Energia, Comunicações, Turismo, Desenvolvimento Agrário, Comunicação Social, Pesca, Agricultura e Planejamento.
Dentre os primeiros nomes anunciados, alguns foram celebrados pela militância dos movimentos sociais que participaram da campanha de Lula, como o de Silvio Almeida (indicado para o Ministério dos Direitos Humanos), Margareth Menezes (Cultura) e Anielle Franco (Igualdade Racial). Outras indicações levantaram questionamentos e críticas, como a do ex-presidente do TCU José Múcio Monteiro para a Defesa. Múcio começou sua carreira pública no ARENA, partido de sustentação ao regime militar, e atualmente é filiado ao PTB de Roberto Jefferson.
Lula tem dito que a montagem de seu governo deve contemplar a ampla coalizão de partidos e forças políticas que fez parte da sua campanha, seja no primeiro ou no segundo turno. Além disso, o governo eleito tem se empenhado em trazer para sua base partidos que deram sustentação a Bolsonaro, como o PSD, o MDB, o PP e o União Brasil. O PSOL já decidiu que não ocupará cargos na futura administração, mas estará na base do governo no Congresso e o apoiará contra a oposição da extrema-direita.
Entre Silva e Tebet
Enquanto se aguarda o anúncio dos 16 ministérios restantes, muito se especula sobre como o presidente eleito acomodará as figuras que ainda não foram contempladas em seu governo, em especial a senadora Simone Tebet (MDB-MS) e a ex-ministra e deputada federal eleita Marina Silva (REDE-SP). A senadora pleiteava o Ministério do Desenvolvimento Social, mas foi preterida pelo ex-governador do Piauí Wellington Dias (PT). Agora, reivindica a pasta do Meio Ambiente, mas esbarra no futuro de Marina, que também é cogitada para o ministério.
Simone ganhou destaque nessas eleições por ter sido candidata a presidente, disputando o espaço da terceira via. Terminou o primeiro turno em 3º lugar, com 4,16% dos votos. Logo em seguida, declarou seu apoio ao petista e se jogou na campanha contra Bolsonaro. Ganhou simpatia dos eleitores de Lula pelo papel que cumpriu no segundo turno.
Mas nem sempre foi assim. Como senadora, Tebet votou a favor do impeachment de Dilma em 2016. Alinhada à bancada ruralista e ela própria proprietária de fazendas em área de conflito com os guarani-kaiowás, é autora do projeto de lei que obriga a União a indenizar os fazendeiros pela demarcação de terras indígenas. Por sua atuação, foi incluída pelo Conselho Indigenista Missionário na lista de 10 senadores que mais atuaram contra os direitos indígenas. Em sua campanha para o Senado em 2014, recebeu R$ 2.840.000,00 de doações oriundas do agronegócio.
A boiada bolsonarista
Omeio ambiente foi uma das áreas mais atacadas pelo governo Bolsonaro. Sob o comando de ministros antiambientais e ecocidas, como Ricardo Salles, o Brasil passou a bater recorde atrás de recorde em desmatamento e queimadas na Amazônia, no Pantanal e no Cerrado. Condenado por crime ambiental e investigado por tráfico internacional de madeira, Salles se notabilizou ao ser gravado defendendo que a pandemia era o momento ideal para “passar a boiada” na legislação ambiental.
Impossibilitado de extinguir o MMA, como era sua intenção original, por conta de uma dura reação da sociedade civil, Jair colocou à frente do ministério pessoas com verdadeiro desprezo pela pauta ambiental. Salles, o mais emblemático, desmontou conselhos participativos, estrangulou órgãos de preservação e fiscalização, liberou a exploração de madeira e reduziu a pó o orçamento.
Não à toa, a eleição de Lula foi celebrada por ativistas e entidades ambientais nacionais e internacionais. Mesmo antes de tomar posse, o presidente eleito foi uma das presenças mais aguardadas da 27ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP-27), realizada na cidade de Sharm El Sheikh, no Egito. Seu discurso na cúpula foi recebido como a volta do Brasil para a agenda ecológica global.
A hora não poderia ser mais urgente. Segundo o relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) publicado neste ano, o planeta já está 1,1º C mais quente do que no período anterior à Revolução Industrial, podendo atingir a marca crítica de 1,5º C em 20 anos. No Brasil e no mundo, a ocorrência de eventos climáticos extremos – como a onda de calor que atinge a Argentina e o Rio Grande do Sul neste momento – é cada vez mais recorrente.
A urgência da questão ambiental
Tratar a questão ambiental como prioridade não é apenas uma escolha política, mas uma necessidade diante da inevitabilidade da crise climática que se instala em todo o mundo e da urgência para que sejam tomadas medidas para atenuar seus efeitos e reverter suas causas. Soma-se ainda o desafio de recuperar as políticas ambientais após 4 anos de intensa devastação promovida pelo bolsonarismo.
A escolha de quem vai comandar o MMA é apenas o primeiro passo para definir a política ambiental do novo governo. A possibilidade de que essa pasta tão importante seja negociada para acomodar Simone ou qualquer nome ligado aos setores ruralistas é um péssimo indicativo. Historicamente, a bancada ruralista defende a flexibilização da legislação ambiental e dos órgãos de fiscalização, se opõe à demarcação das terras indígenas e à criação de unidades de conservação e patrocina projetos que ampliam os limites para o desmatamento. São interesses, portanto, antagônicos à agenda ambiental. Não por coincidência, o agronegócio foi e continua sendo um dos principais fiadores do bolsonarismo.
Não faltam nomes qualificados para assumir o MMA, entre a legião de técnicos, políticos e ativistas ambientais que apoiou Lula e compôs a equipe de transição. Seja quem for escolhido, terá diante de si um desafio imenso de cumprir os compromissos ambientais do governo eleito e reverter os retrocessos do governo Bolsonaro, dentro de um prazo curtíssimo para que o Brasil cumpra sua parte no combate às mudanças climáticas. Isso só será possível instituindo o desmatamento zero, retomando a demarcação das terras indígenas, fortalecendo o Sistema Nacional de Unidades de Conservação, revendo a matriz energética brasileira e substituindo o modelo predatório de exploração dos nossos recursos naturais por técnicas avançadas como a agroecologia. Apenas um nome ligado à pauta, apoiado nas entidades, servidores e movimentos ambientais, será capaz de cumprir esse papel. Não há tempo para a mediação com quem quer faturar às custas da destruição do meio ambiente quando estamos à beira do precipício.
É preciso colocar em prática o discurso de que a pauta ambiental estará no centro das atenções do novo governo e a definição do futuro ministro ou da futura ministra será a primeira prova disso. A emergência ambiental e climática que vivemos não pode esperar o tempo das acomodações políticas e coalizões governamentais – e, muito menos, da bancada ruralista.
Veja em: https://jacobin.com.br/2022/12/para-onde-vai-o-ministerio-do-meio-ambiente/
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