É a segunda tentativa para elaborar uma nova Carta Magna, após os distúrbios sociais de 2019 e um projeto rejeitado em 2022. Desta vez, partidos estão mais envolvidos e modelo busca favorecer consensos
Por: Mónica Nanjari | Créditos da foto: Claudio Abarca/NurPhoto/picture-alliance. Superar a Constituição de 1980, redigida durante a ditadura de Pinochet, é o que mais interessa para a maioria dos chilenos
Após uma primeira tentativa fracassada, o Chile recomeça formalmente nesta segunda-feira (06/03) o processo para redigir uma nova Carta Magna para substituir a atual Constituição, elaborada em 1980 durante a ditadura de Augusto Pinochet.
Nesta segunda, o comitê de especialistas reúne-se para formar a mesa diretora que conduzirá os trabalhos. Na quarta-feira, começa a elaboração do anteprojeto.
O processo de criação de uma nova Constituição começou no Chile após os distúrbios sociais de outubro de 2019, que ficaram conhecidos como estallido. Naquela época, a formação de uma Assembleia Constituinte que redigisse uma nova Carta Magna foi a saída encontrada para acalmar uma revolta social histórica no país.
Mas o projeto de texto foi amplamente rejeitado na votação de 4 de setembro de 2022. Nele, foram abordados temas como plurinacionalidade, legalidade do aborto, proteção ambiental e um conjunto de outras reivindicações que geraram polêmica e culminaram com o fracasso da primeira tentativa de enterrar a atual Constituição, que consagra o sistema neoliberal.
Após o fiasco, as forças políticas do Chile concordaram em reiniciar o processo, com o entendimento de que, mesmo com a rejeição do primeiro projeto, continuariam trabalhando em uma nova Constituição. Esse pacto estabeleceu a criação de um comitê de especialistas, composto por 24 membros (12 homens e 12 mulheres) indicados pelas forças políticas presentes tanto no Senado quanto na Câmara dos Deputados.
O grupo conjunto de especialistas é formado, na grande maioria, por juristas com idades de 36 a 75 anos. A eles cabe a redação de um anteprojeto, sobre o qual trabalhará o conselho constitucional, que contará com 50 representantes (com paridade entre homens e mulheres e com representação indígena) que serão eleitos pelos cidadãos em uma votação no dia 7 de maio.
O conselho constitucional começará os trabalhos em 7 de junho e deverá entregar em novembro o projeto da nova Constituição, que será submetido a um novo plebiscito em dezembro.
Além dos especialistas designados, o Legislativo também nomeou 14 árbitros, no que foi chamado de comitê técnico de admissibilidade. Eles farão a mediação quando não houver consenso no processo de redação.
Falta de interesse dos cidadãos
As diferenças deste segundo processo em relação ao primeiro são evidentes, principalmente no que diz respeito à participação de políticos. A primeira tentativa decidiu deixar tudo nas mãos dos cidadãos e se inclinou para os independentes de esquerda, enquanto agora os partidos estão no centro das atenções.
“É difícil dizer se os atores políticos têm se saído bem ou mal neste segundo processo. Nesse sentido, acredito que a questão dos especialistas põe um pouco em risco o novo processo porque, ao serem eleitos pelo Parlamento, optou-se por uma representatividade indireta”, disse Cristóbal Bellolio, doutor em filosofia política pela University College London, à DW.
Por isso, nesta fase, os cidadãos não têm demonstrado muito interesse. De fato, em algumas pesquisas como a do Pulso Ciudadano, o desinteresse por essa segunda tentativa supera os 50%.
“Vai ser difícil as pessoas se entusiasmarem com esse novo processo porque o veem como algo dos políticos. Até os especialistas são identificados politicamente. Então, é difícil para mim acreditar que as pessoas tenham confiança em um processo dirigido e protagonizado pela mesma classe política que dizem odiar. Será preciso ver se os membros que forem escolhidos para o conselho [constitucional] conseguirão mudar essa percepção”, aponta Bellolio.
Francisco Soto, advogado e membro do comitê de especialistas, diz que está atento ao sentimento dos cidadãos.
“Esta fórmula, evidentemente, não é vista como uma legitimidade originária, e obriga-nos a construir uma legitimidade de exercício, que seja baseada em uma proposta que consiga gerar um grande consenso, que seja validada por um órgão representativo e acabe aprovada em plebiscito”, diz.
Receita para o sucesso
Embora não esteja claro como garantir o sucesso do processo, é possível aprender com o que aconteceu com a primeira tentativa. Bellolio aponta que, agora, deve haver uma consciência de que fazer uma Constituição não é “um jogo que se tem de ganhar, mas um jogo que tem de refletir o mais amplo acordo possível, e isso significa que não pode ser sectário ou partidário”.
“As constituições têm que ser feitas pensando no que os países são. É fundamental que seja o acordo básico de uma sociedade politicamente diversa. Você não precisa embandeirar a Constituição, acho que esse foi o grande erro da Constituição de Pinochet. A esquerda durante anos alegou, e com razão, que era uma Constituição que impedia outro setor de cumprir seu programa ao governar, e bem, quando a esquerda teve maioria, fez exatamente o mesmo”, acrescenta.
No mesmo sentido, Francisco Soto explica que “as constituições podem ser escritas de duas formas: por imposição ou por identificação de pontos de encontro entre os diferentes grupos, que façam sentido para os cidadãos”.
Para o representante do progressista Partido para a Democracia (PPD), é claro que “nossa tarefa será identificar pontos de encontro e que possam articular um texto que dê sentido aos incrédulos até agora”.
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