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Quão justo é o sistema de cobrança de impostos no Brasil?

Para analistas, modelo produz desigualdade social ao privilegiar taxação sobre consumo em detrimento de renda e patrimônio. Com reforma em discussão, críticos veem risco de “fatiamento” do debate sobre justiça fiscal.

 

Ela diz ver o debate interditado pelo discurso de que tributar patrimônio levaria à fuga de capitais, algo sem evidências. “Isso já aconteceu há muito tempo. Todos os ricos já têm contas em paraísos fiscais, veja [a investigação do caso] Panama Papers”, contemporiza Fagnani. “Só que não dá para pegar sua fazenda, seu prédio, e botar num navio. Tem que ver para onde eles vão. Se forem pros Estados Unidos, serão muito mais taxados que no Brasil.”

Tathiane Piscitelli, professora da FGV Direito SP, segue raciocínio semelhante. “Esse tipo de argumento não deve interditar o debate, e sim estimulá-lo”, afirma.

Benefícios fiscais ao empresariado sob crítica

Outro ponto levantado pelos especialistas é a concessão de benefícios fiscais ao empresariado – segundo cálculos da Unafisco, por causa deles o Estado teria deixado de arrecadar 367 bilhões de reais até o final de 2022. “Essas desonerações e isenções funcionam muito mal porque não há critério nem transparência. Não se demonstra necessidade dessa isenção”, critica Machado.

Embora defenda a redução de tributos sobre a folha de pagamento como forma de aliviar o empresariado, Fagnani ressalta que por causa dos benefícios há diferenças entre a alíquota nominal e o imposto efetivamente pago pelas empresas, em torno de 22%. “O setor financeiro praticamente não é tributado. Há brechas legais para paraísos fiscais, com empresas exportando para subsidiárias em paraísos fiscais, praticando preços muito baixos para que imposto seja reduzido”, enumera.

Autor de estudos sobre arrecadação tributária e diretor do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Fernando Geiger acrescenta à lista de críticas benefícios fiscais para doentes crônicos e aposentados, além de despesas com educação e saúde privada – algo, aponta, que beneficia apenas a classe média alta a um custo relativamente alto.

Oxfam: Política de aliviar tributos aos mais ricos concentrou renda

“Há uma visão equivocada de que a diminuição da taxação sobre renda e patrimônio dos mais ricos levaria a desenvolvimento”, afirma Jefferson Nascimento, coordenador de pesquisa e justiça social e econômica da Oxfam Brasil. “Na verdade, levou a mais desigualdade.”

Segundo ele, essa mentalidade neoliberal, em voga desde os anos 1980, está sendo reavaliada ao redor do mundo. É por isso que, para ele e outros especialistas consultados pela DW, as discussões sobre a reforma tributária deveriam priorizar não a simplificação dos tributos sobre o consumo – caso da proposta atualmente em debate no Congresso –, mas sim o reequilíbrio da carga tributária como um todo.

“A escolha que foi feita nesse momento foi de primeiro focar nos impostos indiretos, de bens e consumo. Mas para diminuir a desigualdade deveria ser o contrário: focar primeiro na reforma dos impostos diretos, sobre renda e patrimônio, e depois nos indiretos”, avalia.

A imagem do brasileiro como favorável ao estado mínimo não condiz, segundo ele, com dados da própria Oxfam: em sondagem de 2022, 85% disseram apoiar que os mais ricos paguem mais impostos para financiar políticas sociais.

Receio é de que simplificação de tributos sobre o consumo acentue desigualdades

Para Fagnani, é arriscado discutir apenas a tributação sobre o consumo agora, deixando renda e patrimônio para depois. “Corremos o risco de fazer só uma parte da reforma e melhorar a eficiência econômica, mas não mexer na questão central, que é a desigualdade de renda.”

“Se fizer só essa reforma, corre o risco até de aumentar os tributos”, continua Fagnani. “Simplificar aumenta a eficiência econômica, mas não estão reduzindo carga tributária sobre o consumo, que é elevadíssima.”

Piscitelli chama atenção para o fato de que a tributação uniforme do consumo, como tem sido discutido no Congresso, pode acentuar desigualdades se não houver mais uma diferenciação entre bens essenciais e supérfluos – ou aqueles considerados danosos e por isso sobretaxados, como cigarro, álcool e armas. “Se [essa discussão] vier em um momento posterior, teremos que ter mais um debate no parlamento e enfrentar o lobby dos grupos de interesse.”

Cashback pode agravar problema

Piscitelli se diz ainda preocupada com a falta de detalhamento da política de devolução de imposto – que tem sido chamado de cashback. “Quem vai ser beneficiado? A devolução vai ser capaz de atingir todas as pessoas que não têm capacidade contributiva e que, portanto, poderiam ser tributadas de forma reduzida?”

Seu temor é que uma parcela significativa da população que é pobre, mas não tanto a ponto de ser beneficiária de programas sociais como o Bolsa Família, fique de fora do cashback e seja penalizada com o aumento de preços – caso, por exemplo, de mulheres que recebem um salário mínimo.

“Elas teriam uma tributação altamente regressiva, sem possibilidade de compensação do imposto. Não consigo enxergar como isso melhoraria o sistema tributário da perspectiva da justiça”, avalia. “Parte-se do pressuposto que a gente tem que escolher: devolução ou tributação favorecida para bens e serviços essenciais. Podemos ter as duas políticas.”

Oliveira, da USP, concorda e defende a isenção ou tributação diferenciada de produtos essenciais para a população mais vulnerável, como cestas básicas e absorventes. “A simplificação nivela situações muito desiguais entre pobres e ricos e acaba onerando o mais pobre”, ressalta.

Se essa discussão não for travada agora, alerta a pesquisadora, o risco é de aumentar ainda mais a taxação dos mais pobres pela via do consumo, com agravamento da desigualdade social. Daí a urgência, aponta Oliveira, de se falar também em tributação de renda e patrimônio.

 

Veja em: https://www.dw.com/pt-br/qu%C3%A3o-justo-%C3%A9-o-sistema-de-cobran%C3%A7a-de-impostos-no-brasil/a-65417840

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