Em carta ao ministro Silvio Almeida, o apelo para que o bem essencial à vida seja tratado como prioridade na agenda de DH no Brasil. É preciso garantir a infraestrutura de saneamento, mas também desmercantilizar o fornecimento
Por: Flávio José Rocha | Créditos da foto: Unsplash/Pixabay. Segundo a UNICEF, cerca de 4.500 crianças morrem diariamente por falta de água potável e saneamento básico
Caro Ministro Silvio Almeida,
Tenho acompanhado estes seus primeiros meses à frente do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania com muito entusiasmo. Agradeço, e tenho certeza de que muitas outras pessoas o fazem, pela sua postura de enfrentamento às violações dos direitos dos mais vulneráveis da nossa sociedade.
Certamente, é do seu conhecimento que o Brasil tem uma grande dívida com muitos dos seus cidadãos e cidadãs com relação ao acesso à água. Este bem essencial para manter a vida ainda é negado em quantidade e qualidade necessárias para mais de 30 milhões de brasileiros e brasileiras diariamente. Infelizmente, acredito que estes números oficiais não refletem a realidade, pois é quase certo que sejam ainda maiores, já que muitas pessoas do nosso país constam como usuárias das redes de distribuição, mas recebem a água com irregularidade em suas casas e são, muitas vezes, levadas a comprá-la. Outras se veem obrigadas a gastar o mínimo de água possível diante da falta de dinheiro para pagar as tarifas cobradas. Entretanto, nunca ficou tão clara a importância de ter acesso a água como durante a pandemia de covid-19, quando foi ela a nossa primeira forma de prevenção contra o vírus. A falta de água colocou muitas vidas em risco e ceifou outras tantas.
O direito humano à água é assegurado pela resolução n.º 64/292, aprovada em julho de 2010 pela Organização das Nações Unidas (ONU). Esta resolução tem sido crucial para denunciar a violação deste direito por vários grupos. No último mês de março a ONU realizou uma grande conferência sobre este tema diante da ameaça que se coloca em várias partes do planeta por causa da sua escassez natural ou como resultado da falta de planejamento. Em 2021, o Senado aprovou por unanimidade a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n.º 06/21, que coloca a água como um direito fundamental na nossa Carta Magna. Atualmente esta PEC se encontra na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) com um relator designado e torço para que seja aprovada na Câmara dos Deputados. Sabemos que a aprovação de leis não assegura a sua observância, mas elas são extremamente importantes para que os grupos vulneráveis possam reivindicar os seus direitos.
As periferias das grandes cidades brasileiras continuam a sofrer com a falta de água. É com bastante frequência que a água não chega às torneiras durante o dia, quando as pessoas mais necessitam dela para os seus afazeres domésticos. Muitas populações rurais sequer contam com uma rede de distribuição que as atenda. Sem contar que são inúmeras as comunidades indígenas e quilombolas não assistidas pelas redes de distribuição de água. Há ainda a questão das tarifas altas que impedem um consumo satisfatório, como já citado. Como é fácil concluir, este é um problema enfrentado pelos que mais sofrem o processo secular de negação de direitos no Brasil. É verdade que tivemos grandes avanços neste setor durante os dois primeiros governos do presidente Lula e durante os anos da presidenta Dilma, mas sabemos que uma dívida de séculos não se paga em pouco mais de uma década.
Por tudo já mencionado, peço ao Ministro Silvio Almeida que dê visibilidade ao tema da água como um direito humano fundamental em seu Ministério. O acesso à água é também a garantia de vários outros direitos como uma higiene adequada e uma alimentação saudável, por exemplo.
Uma das possíveis soluções para este problema é a implantação do Programa Mínimo Vital de Água Gratuito que propõe a distribuição de uma quantidade de água para as pessoas mais vulneráveis economicamente sem o pagamento de tarifa. Já implantado em algumas cidades da Colômbia como Bogotá e Medellín com sucesso, já está na pauta em outros países como a Espanha. Sua implantação certamente poderá salvar vidas, principalmente das crianças. A quantidade, o financiamento e quem serão as pessoas beneficiadas com este programa deve ser tema de estudo criterioso, já que o Brasil é um país continental com características socioeconômicas e ambientais muito diversas.
Vislumbrar um país onde todos e todas tenham acesso à água é a garantia de uma verdadeira democracia, pois não é segredo que a sua falta é manipulada por políticos inescrupulosos que negociam o seu acesso à troca de votos, algo que é infelizmente ainda recorrente em vários lugares do Brasil.
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