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Para compreender a geração nem-nem

Pesquisa mostra: 20% dos jovens não estuda nem trabalha, apesar de, pela primeira vez no Brasil, metade da população ter concluído o ensino médio. Fusão entre sistema educativo e econômico fracassa: é hora de renovar propósitos formativos

Por: Roberto Rafael Dias da Silva | Créditos da foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Desde o início deste mês, com a divulgação dos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD-Educação), as principais mídias de nosso país redescobriram a temática das relações entre juventude e escolarização. De acordo com o levantamento realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), temos 49 milhões de brasileiros e brasileiras na faixa de 15 a 29 anos, e destes, 20% não estavam estudando nem trabalhando no período abarcado pela investigação. Trata-se de uma geração que tem sido nomeada como “nem-nem”. Suas justificativas para terem deixado a escola dizem respeito a um amplo conjunto de fatores que incluem a busca por emprego, cuidados com outras pessoas e a realização de tarefas domésticas, dentre outros. Trata-se de uma pesquisa bastante relevante – com dados incontornáveis -; entretanto, precisa ser examinada a partir de uma perspectiva mais abrangente que, sob nossa compreensão, incorpore, pelo menos, três questões, sejam elas: os efeitos paradoxais da democratização da escolarização, a crise social experimentada de modo intensivo no cenário neoliberal e o tratamento individualizado para as novas questões sociais neste início de século.

Para começar nosso percurso reflexivo, gostaríamos de chamar a atenção para um aspecto pouco mencionado pelas reportagens das últimas semanas. A mesma pesquisa revela que, pela primeira vez em nossa história, mais da metade da população de 25 anos ou mais havia concluído o ensino médio (53,2%). Revela também que a taxa de escolarização de adolescentes e jovens na faixa etária de 14 a 17 anos chega a 92,2%. São inúmeros os registros positivos que a investigação nos ofereceu para afirmar os significativos passos que foram dados para a promoção da escola para todos os jovens brasileiros. Basta uma breve digressão histórica (e poderíamos mencionar os registros da professora Otaíza Romanelli) para afirmar que no ano de 1920 somente 0,36% desta população acessava ao ensino secundário, enquanto no Censo de 1970 essa população correspondia a apenas 5,28% (Romanelli, 1978). Certamente não podemos sinalizar que essa gradativa democratização tenha ocorrido de modo homogêneo.

Com estes elementos, podemos considerar que estamos nos aproximando da possibilidade de experimentar a primeira geração que teve a oportunidade de prolongar os seus percursos escolares em nosso país. Trata-se de uma primeira geração que conseguiu permanecer pouco mais de uma década nos sistemas escolares brasileiros e que, especificamente, neste momento depara-se com os paradoxos da democratização. O prolongamento de suas trajetórias escolares – articulado com as promessas de realização que lhe acompanhavam – ocorreu em um cenário de transformações culturais, de declínio da escola enquanto agência formativa e de diminuição do valor simbólico de seus diplomas. Em outras palavras, a integração de uma nova faixa etária na sociedade, por meio da inserção socioprofissional, ocorreu em um cenário de incertezas existenciais. Como argumentou o sociólogo Rui Canário, referindo-se ao contexto europeu em um texto bastante conhecido, a escolarização desloca-se de uma “era das promessas” para uma “era das incertezas”. Assim sendo, o primeiro aspecto que trazemos para a reflexão sobre a geração nem-nem é a necessidade de circunscrevê-la aos paradoxos da democratização da escolarização em nosso país.

Além da massificação da escola para adolescentes e jovens, explicitada na PNAD, também precisamos considerar a crise social que acompanha a sua entrada no mundo dos adultos e sua inserção no mundo do trabalho. Além de estarem desmobilizados com relação à escola, esses sujeitos ingressam em trajetórias de trabalho precário e intermitente, ora sonhando com novas oportunidades, ora resignando-se às demandas da vida imediata. Certamente que a qualidade das aprendizagens obtidas na escola ou mesmo a baixa qualificação para o mundo do trabalho ocupam um lugar importante para a compreensão dessa geração; porém, vale a pena destacar algumas nuances específicas da crise que os enreda. “A geração nem-nem” experimenta essa condição de modos distintos, da mesma forma que também experimentaram a escolarização de modo muito desigual. Remetendo-se ao contexto francês, por exemplo, Anne Barrère assinala que “a massificação do ensino secundário coloca igualmente no centro das atenções a articulação entre o sistema educativo e o sistema econômico” (2013, p. 22).

Também merece destaque o fato de que estes jovens se preparam para ingressar em uma economia financeirizada em que novas responsabilidades são depositadas no desenvolvimento de suas trajetórias. Seus caminhos de formação foram deslocados da preocupação com o acúmulo de conhecimentos relevantes para a busca de experiências individuais que tem como finalidade a sua autorrealização. O desenho dos atuais currículos escolares, dentre os quais o Novo Ensino Médio (NEM) no Brasil é emblemático, revela um foco explícito para a fabricação de modos de vida empreendedores e autênticos que prometem a possibilidade de escolha e o consequente desenvolvimento de sua “melhor versão”. Também se almeja uma experiência escolar customizada, na qual vislumbra-se um engendramento entre uma linguagem econômica e as novas dinâmicas subjetivas (além de conduzir políticas curriculares individualizantes que remodelam o campo de expectativas dos adolescentes e jovens em contextos de uma financeirização da própria vida). Será neste cenário que as questões sociais serão explicitadas e construídas politicamente por meio das ações individuais – fundamentadas no mérito, nas performances ou no portfólio de competências adquiridas por cada estudante. Objetivamente, necessitamos não somente realizar perguntas novas sobre as políticas de escolarização e de juventude, como também recompor o debate crítico sobre a geração nem-nem.

Enfim, para concluir esta breve reflexão, vale a pena destacar alguns aspectos: a) no que tange às transformações no mundo do trabalho, precisamos reconhecer que estes adolescentes e jovens estão envolvidos em condições de informalidade e de precariedade, bem como ocupam um papel pouco estimado na economia do cuidado; b) que ainda experimentamos os primeiros efeitos da democratização da escolarização para esta faixa etária e que – com prudência e paciência – ainda precisamos considerar os ganhos efetivos e de longo prazo desta inserção juvenil no escopo das políticas educacionais brasileiras; c) mas que também temos que reconhecer os efeitos paradoxais destas políticas que prometeram uma narrativa de ascensão e entregaram um cenário incerto, com condições precárias, com inserção intermitente no mundo do trabalho e com diplomas com baixo valor simbólico. Agrega-se a este diagnóstico a intensificação das dinâmicas de individualização – sobretudo em termos curriculares – que reduziram a qualificação da formação escolar a uma composição de projetos de vida atomizados. É tempo de renovarmos os nossos propósitos formativos, bem como, com urgência, redesenharmos a cartografia de nossas políticas de juventude!

 

Veja em: https://outraspalavras.net/mercadovsdemocracia/para-compreender-a-geracao-nem-nem/

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