Articula-se novo breque dos APPs. Precarizados pedem destravamento das negociações para regular o trabalho em plataformas. E sintetizam suas reivindicações: querem direitos sociais, sem a rigidez das jornadas da era industrial
Por: Cesar Sanson, em A Terra é Redonda
Entregadores de aplicativos organizam um potente movimento para o final deste mês e início do próximo. A motivação da greve está relacionada ao travamento das negociações entre trabalhadores e empresas em torno da regulação de trabalho que vem sendo debatida num Grupo de Trabalho – GT no âmbito do Ministério do Trabalho.
Entre tantas palavras de ordem para a convocatória do breque dos APPs, uma das mais citadas é “Direitos sim, flexibilidade também”. Trata-se de um aparente paradoxo. Direitos e flexibilidade não combinam. Na literatura da sociologia e do direito do trabalho, a flexibilidade está associada à retirada de direitos. Assim tem sido ao menos nas últimas quatro décadas, desde o governo FHC em que se iniciou um prolongado processo de flexibilização que vem solapando os direitos conquistados no período anterior.
A pá de cal da flexibilização foi a Reforma Trabalhista em que o princípio do legislado sobre o negociado assumiu centralidade nas relações de trabalho desfigurando por completo a CLT. As Centras Sindicais com a chegada do governo Lula 3 chegaram a criar a expectativa de um possível movimento de revisão da Reforma Trabalhista que resgatasse a CLT dos escombros. Sabe-se que isto não acontecerá, eventualmente pontualmente.
Neste contexto é que clama e assombra a palavra de ordem ‘Direitos sim, CLT não’ ou ainda ‘Direitos sim, flexibilidade também’ dos trabalhadores de aplicativos. A CLT sempre foi associada à inclusão, a cidadania, ao acesso a proteção social. Ter uma carteira assinada foi o sonho de gerações de trabalhadores pós-governo de Getúlio Vargas que a institui na década de 1940.
Uma interpretação aligeirada pode concluir precipitadamente que os trabalhadores de aplicativos não querem a CLT. Errôneo. Estes trabalhadores querem sim o conjunto de direitos que a CLT comporta, não querem, porém, a subordinação e a rigidez que a CLT conforma naquilo que foi denominado de fordismo.
O fordismo caracteriza-se pelo assalariamento, parcelização das tarefas, jornadas padronizadas de trabalho e subordinação presencial e direta a um supervisor, chefe ou patrão. O fordismo ficou conhecido como o lugar-comum do “bater o cartão”, ou seja, jornadas de trabalho pré-determinadas, via de regra sempre no mesmo local e na mesma tarefa – repetitiva – e sob os olhares atentos do supervisor. A ilustração tantas vezes repetida e conhecida desta configuração é a de Chaplin no filme Tempos Modernos.
A juventude trabalhadora, majoritária no labor dos aplicativos, não deseja, recusa e refuta este modelo de trabalho. Ao contrário do que se possa pensar, não se trata de trabalhadores que foram seduzidos pela ideologia do empreendedorismo, de que agora são donos do seu negócio. Ao contrário, são conscientes das condições deletérias do trabalho a que estão submetidos, são conscientes do “autogerenciamento subordinado” como afirma Ludmila Costhek Abílio, referindo-se ao novo “patrão invisível”, os algoritmos. Apenas não desejam, nestas condições adversas, mais uma delas: a fodização do seu trabalho.
Os trabalhadores de aplicativos querem a liberdade de logar e deslogar privilegiando assim a sua decisão de uso do tempo livre. Ao mesmo tempo exigem o reconhecimento de que no momento em que estão logados recebam um valor pré-determinado porque já se encontram na condição de subordinação ao aplicativo e, portanto, trabalhando. Soma-se a este ganho por hora logada, previdência, seguro saúde em caso de acidentes, fim dos bloqueios unilaterais dos aplicativos e transparência dos critérios utilizados pelos algoritmos. Nas reivindicações está posto os direitos da CLT, mas não em sua versão fordista.
Luta-se por dignidade com liberdade no uso do tempo.
Veja em: https://outraspalavras.net/outrasmidias/entregadores-direitos-sim-fordismo-nao/
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