Conferência das Nações Unidas se comprometeu a debater os efeitos das mudanças climáticas sobre a saúde. Mas o lobby empresarial promete dificultar avanços concretos, em especial contra os combustíveis fósseis
Por: Peoples Health Dispatch |Tradução: Guilherme Arruda | Crédito Foto: Yale Program on Climate Change Communication
São poucas as chances de que a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP28) iniciada no dia 30 de novembro, em Dubai, seja o lugar onde os governos do mundo decidam acabar com o uso dos combustíveis fósseis. Na verdade, é bem mais provável que a COP se torne o espaço onde a meta de restringir o aumento das temperaturas a 1,5ºC, adotada no Acordo de Paris, seja sutilmente abandonada.
Essas são as duas principais preocupações de militantes pela justiça climática como Juliette Mattijsen, trabalhadora da saúde holandesa. “Isso será o mais importante: as negociações em torno dos combustíveis fósseis e a sobrevivência do objetivo de 1,5 ºC. Penso que, no papel, ele deve sobreviver, mas não nas ações”, ela avalia.
Os participantes da COP-28 também devem continuar discutindo temas específicos abordados no último encontro, como as questões práticas em torno do Fundo de Perdas e Danos. Um dos encaminhamentos da COP-27 foi o estabelecimento deste Fundo para oferecer apoio aos países mais afetados pela crise climática – mas os detalhes de sua implementação ainda serão discutidos. Como explica a holandesa, isso significa que várias opções ainda estão na mesa, incluindo a possibilidade de o Banco Mundial sediar o Fundo ou o desenvolvimento de mecanismos alternativos.
Independentemente de como essa discussão for encaminhada, o fato é que as dívidas climáticas já existentes não estão sendo pagas pelos países ricos. A promessa de angariar US$ 100 bilhões por ano para ações climáticas em países de renda baixa e média, por exemplo, não está sendo cumprida. No início desse ano, um relatório da Oxfam estimou que apenas US$25 bilhões foram investidos em 2020. Além disso, a organização denunciou que boa parte do financiamento oferecido aos países mais pobres vinha em forma de empréstimos, o que os submete ainda mais às pressões financeiras.
Esse buraco no financiamento também foi admitido nos documentos-base da COP-28, o que torna as negociações sobre as dinâmicas de arrecadação e distribuição de recursos um dos temas-chave dos embates dessas duas semanas.
Outro resultado significativo da última COP foi que “a saúde foi reconhecida e mencionada no texto final, portanto, ela se tornou um tópico a ser discutido neste ano”, relata Mattijsen. Isso significa que os ministérios da Saúde poderão fazer parte das negociações. “Em um certo sentido, isso é positivo, porque essas instituições têm muito a ganhar com as ações climáticas, seja com a proteção da saúde dos povos ou com a busca de caminhos para lidar com os sistemas dos países mais ricos, que agridem o meio ambiente”.
Ainda assim, muitos dos que trabalham com saúde e clima, como Mattijsen, não estão convencidos de que haverá avanços nesse âmbito na COP-28. Com a crescente presença da indústria dos combustíveis fósseis nas mesas de negociações, pôr a saúde na agenda pode não passar de “health-washing”, ela dispara. Nesse quadro, “a saúde recebe um apoio verbal, mas não se enfrentam as causas da crise climática”.
Na COP-28, o espaço para articular visões divergentes será reduzido, em comparação com as edições anteriores. As ações da sociedade civil estarão restritas ao espaço da conferência e aos participantes oficiais do evento. Seu número também será pequeno: excluídos os representantes de empresas e da academia, os ativistas representarão menos de 10% dos envolvidos na conversa.
“Quando fui à COP-26 em Glasgow, fui informada de que ali haviam 500 lobistas das petroleiras. Esses são só os da indústria do petróleo, sem nem incluir os do setor nuclear ou da agroindústria. Enquanto isso, estávamos em 10 trabalhadores da saúde”, conta a holandesa.
Longe de ver avanços na ampliação da participação do Sul Global e na regulamentação do espaço do setor privado, ela alerta que muitos questionamentos foram levantados durante a preparação para a COP28 sobre a quantidade de informação compartilhada de antemão com os lobistas do petróleo – ainda mais considerando a ligação do país-sede com o setor.
“Não é que essas coisas não acontecessem antes, ou que essas pessoas não estivessem presentes nas outras vezes, mas que nada era tão claro e explícito. Eles estão abertamente recebendo informações que não chegam para a sociedade civil. Por isso, temo que eles terão muito mais influência”, conclui Mattijsen.
Veja em: https://outraspalavras.net/outrasaude/o-que-a-saude-pode-esperar-da-cop28/
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