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Por que o número de moradores de rua aumentou 10 vezes

Total de pessoas cadastradas pelo governo sobe mais de 1.000% desde 2013. Crises econômicas e pandemia agravaram situação, diz Ipea.

Por: Alexandre Schossler | Créditos da foto: FABIO TEIXEIRA/dpa/picture aliance. Consumo de drogas, como o crack, é uma das causas para a situação de rua

O número de pessoas morando nas ruas das cidades brasileiras era de 227.087 em agosto de 2023, afirmou nesta segunda-feira (11/12) o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), usando dados do Cadastro Único (CadÚnico) do governo federal.

O número é mais do que dez vezes maior que o registrado em 2013, de 21.934, o que representa uma alta superior a 1000%. O número real deve ser ainda maior, pois nem todos os moradores de rua estão cadastrados na CadÚnico.

O Cadastro Único é um conjunto de informações sobre as famílias brasileiras em situação de pobreza e extrema pobreza. Essas informações são utilizadas pelo governo federal, pelos estados e pelos municípios para implementação de políticas públicas para essas pessoas.

Das 96 milhões de pessoas presentes no CadÚnico em agosto de 2023, 227 mil estavam oficialmente registradas como em situação de rua. O Ipea alerta, porém, que esse número não pode ser considerado um censo oficial da população de rua.

Em dezembro de 2022, uma estimativa do próprio Ipea dizia que a população em situação de rua superava 281 mil pessoas no Brasil.

O que explica o aumento?

Uma das explicações para o aumento é a própria existência do cadastro. “Doze anos atrás não havia ninguém cadastrado como população de rua no Cadastro Único porque nem existia lugar para marcar isso [no formulário]. O que cresceu é o número de pessoas em situação de rua cadastradas, e agora essas pessoas vão conseguir ter acesso aos programas sociais”, explicou o autor do levantamento, Marco Antônio Carvalho Natalino, ao jornal Folha de S. Paulo.

Além disso, entre os motivos para o aumento da quantidade de pessoas morando nas ruas, o estudo menciona que o Brasil vem enfrentando crises econômicas sucessivas há quase uma década e que “até mesmo a insegurança alimentar grave, a fome, voltou a ser um problema nos últimos anos”.

Outro motivo que explica o aumento é a pandemia de covid-19, que, segundo o Ipea, “agravou o quadro“, levando até mesmo o Supremo Tribunal Federal (STF) a se manifestar para lembrar o poder público das suas obrigações perante a população em situação de rua.

Por que pessoas vão morar na rua?

Segundo o estudo, as principais causas que levam os brasileiros a morar nas ruas são os problemas com familiares e companheiros (47,3%), o desemprego (40,5%), o uso abusivo de álcool e outras drogas (30,4%) e a perda de moradia (26,1%). Pode haver mais de uma causa para cada pessoa, por isso a soma dos percentuais supera 100%.

O Ipea dividiu as causas para a situação de rua no Brasil em três grupos: o dos motivos econômicos, o das relações pessoais e o dos problemas de saúde.

O Ipea explicou que a exclusão econômica foi citada como causa por 54% das pessoas em situação de rua. Segundo o instituto, a pobreza, o desemprego e a falta de moradia adequada a preços acessíveis são os principais motivos na esfera econômica.

A insegurança alimentar e a falta de oportunidades de trabalho nas periferias e no interior levam as pessoas a sobreviverem nas ruas das grandes cidades como catadores de material reciclável, lavadores de carros, ambulantes e profissionais do sexo, entre outras ocupações, diz o levantamento.

Se forem considerados apenas os motivos de caráter pessoal, a liderança entre as causas é da fragilização ou ruptura de vínculos familiares, que foi mencionada por 47,3%.

O relatório lembra que é comum uma pessoa em dificuldades econômicas procurar morada na casa de parentes ou mesmo amigos. Quando esses vínculos são fragilizados, particularmente os vínculos familiares, a pessoa perde uma importante rede de proteção social. “Note-se, a esse respeito, que os efeitos da pandemia foram bastante negativos para os vínculos sociais em geral. Para a população mais pobre nas periferias, que muitas vezes mora em lugares pequenos, sem muito espaço de privacidade, o confinamento foi ainda mais perverso”, observa o relatório.

Por fim, os problemas de saúde – particularmente, mas não somente, os relacionados com a saúde mental – foram mencionados por 32,5%. Dentro da saúde mental, um elemento que tem que ser mencionado, segundo o relatório, é a questão do uso abusivo de álcool e outras drogas, que 30,4% disseram ser uma causa para morar na rua.

Quem são as pessoas em situação de rua?

Os dados mostram que a maioria da população em situação de rua (68%) se declara negra, sendo 51% pardos e 18% pretos. Os autodeclarados brancos são 31,1%. O CadÚnico aponta ainda que 0,5% da população em situação de rua se declara amarela e 0,2%, indígena.

Na população brasileira como um todo os negros somam 55,9% do total, sendo 45% pardos e 11% pretos, e os brancos somam 43%, segundo o IBGE.

O número médio de anos de escolaridade entre os negros em situação de rua (6,7 anos) é menor que entre os brancos (7,4 anos). As mulheres são 11,6% da população adulta em situação de rua.

A maioria dos brasileiros em situação de rua não mora na cidade em que nasceu: são 60% de migrantes. Porém, a maioria permanece na unidade federativa em que nasceu: 70% não deixaram o seu estado natal ou o Distrito Federal.

Além da população nacional, há 10.586 estrangeiros morando nas ruas do Brasil, perfazendo 4,7% do total. Entre eles, 42% são oriundos de países vizinhos, sendo 30% da Venezuela. Os países onde se fala português, por sua vez, são a origem de um terço dos estrangeiros em situação de rua, sendo a grande maioria (32%) proveniente de Angola.

A Ásia responde por 15% da população em situação de rua estrangeira, incluindo 1.396 afegãos; outros países africanos, por 6%, incluindo 149 marroquinos; outros países latino-americanos e caribenhos, por 4%, incluindo 169 haitianos.

Quanto tempo elas costumam ficar nessa situação?

Os números do Cadastro Único mostram que um terço das pessoas em situação de rua estava nessa situação a menos de seis meses, e que quase a metade (47,9%) estava a no máximo um ano na rua.

Já 51.092 pessoas, ou 22,5% dos cadastrados, disseram estar em situação de rua há mais de cinco anos.

O Ipea afirma que há uma relação entre o tempo na rua e o motivo. Quanto maior o tempo de permanência na rua, maior a probabilidade de problemas com familiares e companheiros serem um dos principais motivos que levaram a pessoa à situação de rua. O mesmo ocorre, e de forma ainda mais intensa, com os motivos de saúde (particularmente o uso abusivo de álcool e outras drogas). As razões econômicas, por sua vez, tais como o desemprego, estão associadas a situações de rua de duração mais curta.

Há uma política do governo para a população em situação de rua?

Sim, os números sobre essa população foram apresentados no mesmo dia em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva lançou um plano para enfrentar o problema, com a promessa de investimentos de quase R$ 1 bilhão.

Lula afirmou que o Estado brasileiro tem responsabilidade pelo crescimento da população de rua no país. “Se essa situação existe, é culpa do Estado. E a política lançada aqui vem para mudar a vida dessas pessoas”, disse, ao lado do padre Júlio Lancellotti, religioso e ativista que trabalha há décadas com moradores de rua da cidade de São Paulo.

 

Veja em: https://www.dw.com/pt-br/por-que-o-n%C3%BAmero-de-moradores-de-rua-no-brasil-aumentou-10-vezes/a-67700181

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