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Clima: a disputa chega às cidades brasileiras

São Paulo, caso emblemático. Cresce a luta para produzir alimentos no espaço rural da metrópole, que ocupa 21% de sua área. Mas há outros planos: uma transnacional quer mina de lítio a céu aberto, bem na área de proteção de mananciais

Por: Patrícia Maíssa Ferragoni da Cruz e Ricardo de Sousa Moretti | Crédito Foto: Missao Continente.

Uma pesquisa realizada com os produtos hortigranjeiros comercializados no Ceasa do Rio Grande do Sul mostrou uma das graves contradições do nosso modelo de produção e consumo de alimentos – a distância média percorrida pelos alimentos que chegavam à mesa de uma pessoa em Porto Alegre era de quase 560 quilômetros e 42% dos produtos ali comercializados eram importados de outros estados ou países. A pesquisa divulgada por Alessandra Paim, em 2017, mostra um cenário que já era de grande preocupação na década de 1990, quando a pesquisa que chegou a esse dado foi realizada. Agora assume proporções cada vez mais graves, frente ao quadro do novo regime climático que se apresenta. É fácil imaginar a pegada ecológica de um alimento que percorre centenas de quilômetros para chegar à nossa mesa. Perspectiva de grandes secas e de problemas de insegurança alimentar associados à dificuldade de produção nos moldes tradicionais fazem com que seja fundamental diversificar as alternativas de abastecimento e de reduzir os gastos de combustíveis fósseis na produção e no transporte de alimentos.

Neste texto pretende-se apresentar e debater algumas iniciativas para estimular a produção de alimentos nas proximidades dos locais em que são consumidos. O caso da cidade de São Paulo é didático neste sentido. Ao longo do tempo, gradativamente, foi-se encolhendo e perdendo força a área rural do município, até que na última década resgata-se a importância de se manter e de se preservar a área rural do município e de se estimular a produção agroecológica, dos produtores que já estavam instalados na zona sul da capital. Um projeto neste âmbito que merece destaque é o “Ligue os Pontos”, uma iniciativa já desencadeada há alguns anos pela Prefeitura de São Paulo que objetiva o fomento da cadeia da agricultura e também a promoção do desenvolvimento sustentável das suas áreas rurais, fortalecendo, assim, os agricultores (com provimento de informação, conhecimento e habilidades com foco na melhoria do processo produtivo) e criando maior conexão da produção agrícola ao mercado. Aliada a isso, uma das leis mais simbólicas e que fortalecem essa conectividade é a regulamentação de 2015 que obriga a inclusão de alimentos orgânicos ou de base agroecológica nas escolas municipais de São Paulo. Esta norma, de muitas maneiras, incentiva a produção de alimentos de qualidade (sem veneno), fomentando a economia local e familiar do meio rural próximo à cidade. Para além disso, traz a educação ambiental e alimentar às crianças envolvidas e proporciona a cidadania.

Em paralelo, cresce o movimento pelas hortas urbanas. Produzir alimento não necessariamente deve ser uma atividade exclusiva do território rural. Quarteirões inteiros, espaços entre linhas de transmissão de energia, topo de prédios, quintais, escolas, universidades, centros culturais, praças e parques públicos estão sendo utilizados para a introdução de hortas urbanas por famílias ou coletivos. Toda a comida gerada pode ser para subsistência, consumo local ou destinada à venda por parte daqueles que se dedicam a sua produção. Segundo a plataforma Sampa+Rural, no início de 2024, estavam registradas no município de São Paulo 152 hortas urbanas e 287 hortas em equipamentos públicos, algumas com acesso controlado, outras abertas à visitação e muitas em busca de voluntários para trabalhos contínuos e mutirões. Ter horta dentro da cidade não é apenas garantia de alimentos frescos e perto, mas também garantia de maior conexão com a natureza, de maiores níveis de sociabilidade e da manutenção das áreas verdes. Ainda há a necessidade de que os agricultores urbanos sejam escutados e sejam atendidos por políticas públicas específicas, incluindo-se a existência de linhas de crédito e assistência técnica assim como há para os agricultores familiares das zonas rurais.

Ao contrário do que se imagina, mesmo uma região fortemente urbanizada, como a Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), possui extensas áreas que poderiam ser utilizadas para ampliar a produção de alimentos. Estudo realizado na Universidade Federal do ABC (UFABC), em 2023, mostrou que o território da RMSP é 47% formado por florestas, 28% por áreas urbanas e tem 21% de áreas abertas não urbanas (rurais), em sua maioria composta por chácaras ou espaços agrícolas. Existem municípios pertencentes à metrópole, como São Lourenço da Serra, que tem seu território 85% composto de florestas, 14% de áreas rurais e 1% de urbano. Estes dados mostram o potencial que até mesmo a maior metrópole do Brasil tem de produzir seus próprios alimentos e diminuir a pegada ecológica referente ao transporte e à logística da comida, como ocorre nos dias de hoje.

Preparar-se para esse novo regime climático pode incluir diversas iniciativas. Além dos cuidados básicos de saneamento, diminuição de taxas de poluição, preservação de florestas e de matas nativas, defende-se aqui que aproximar o alimento de quem o consome pode trazer benefícios para o meio ambiente e para a logística das cidades. Porém, existe um elemento central que rege e possibilita a vida das pessoas e também a produção desses alimentos: a disponibilidade de água.

Uma das grandes preocupações em programas de produção de alimentos, no novo quadro, é que precisam ser acompanhados de ações para proteção e recuperação da água. Afinal, a água é elemento chave para viabilizar a produção de alimentos. Iniciativas de captação de água de chuva ou, por exemplo, de reuso de água podem ser importantes para projetos dentro e no entorno das grandes cidades. Plantio de árvores frutíferas ligado à recuperação de Áreas de Preservação Permanente, como medida para proteger beiras de cursos de água e nascentes, associados a programas de transferência de renda para assegurar que a floresta plantada consiga avançar também são importantes.

Um dos casos mais recentes a ser acompanhado é a investigação que está sendo conduzida por uma grande multinacional de mineração, na perspectiva de explorar lítio (material requisitado para baterias de celulares e carros elétricos) numa região de floresta entre Juquitiba, São Lourenço da Serra e Ibiúna (pertencentes às metrópoles de São Paulo e de Sorocaba). O trecho que está sendo investigado está no maior trecho contínuo de Mata Atlântica do país e a região estudada pela mineradora compreende uma área de mananciais (reserva estratégica) e atende, segundo a Sabesp, 1,4 milhão de pessoas em sete municípios da RMSP. Caso venha a se concretizar a mineração, além do desmatamento, a atividade coloca em risco o abastecimento de água na metrópole, que é uma das áreas de menor disponibilidade hídrica do planeta. Em dados de 2019, a metrópole de São Paulo contava com a disponibilidade de 143 metros cúbicos por habitante por ano, dez vezes menor que a recomendada pela ONU, considerando-se o risco de ocorrer o colapso hídrico e na perspectiva de se garantir uma média de água segura por pessoa.

Este é um momento de estar especialmente atento à segurança alimentar e hídrica nos grandes aglomerados urbanos. São Paulo, pela sua baixa disponibilidade de água e grande dependência de fornecimento de alimentos, é um caso a ser examinado com extrema atenção. Fomentar os circuitos curtos de comercialização pode ser um grande passo, promovendo a produção de comida de verdade dentro ou próximo da cidade, evitando que novas fronteiras agrícolas sejam abertas, diminuindo a emissão de gases estufa e as mudanças climáticas, dando segurança e soberania alimentar e, claro, protegendo as matas, as águas e a biodiversidade do bioma deste território.

 

Veja em: https://outraspalavras.net/cidadesemtranse/clima-a-disputa-chega-as-cidades-brasileiras/

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