Seis anos após o assassinato no Rio, algumas perguntas ainda não foram respondidas. Entenda em que pé estão as apurações e o que falta ser revelado.
Crédito Foto: Fabio Vieira/Fotorua/Zumapress/picture aliance. Assassinada em março de 2018, Marielle tornou-se símbolo da luta contra a violência política e pela representação feminina em espaços de poder
Seis anos depois, ainda não se sabe quem mandou matar a vereadora Marielle Franco e o motorista Anderson Gomes, nem qual foi a real motivação do mais escandaloso crime político da história recente brasileira, ocorrido em 14 de março de 2018.
Em fevereiro de 2023, a Polícia Federal assumiu as investigações sobre o caso, e uma operação em julho daquele ano trouxe novos elementos, mas algumas perguntas ainda não foram respondidas. Entenda em que pé estão as apurações e o que falta ser revelado.
Quem são os suspeitos presos?
- O ex-policial militar Élcio Queiroz, preso desde 12 de março de 2019, que firmou acordo de delação premiada em julho de 2023 e confessou que dirigiu o carro usado no crime.
- O ex-policial militar Ronnie Lessa, preso no mesmo dia que Queiroz e apontado por ele como autor dos disparos. Ele também fez um acordo de delação premiada no final de 2023, que ainda depende de homologação do Superior Tribunal de Justiça (STJ) – sinal de que possa ter mencionado alguém com foro privilegiado.
- O ex-bombeiro Maxwell Simões Corrêa, conhecido como Suel, acusado por Queiroz e preso em julho de 2023, é suspeito de ter cedido um carro para a quadrilha, vigiado a vereadora desde agosto de 2017 e participado de uma ação frustrada para matá-la. Uma vez consumado o crime, ele teria agido para ocultar provas e atrapalhar as investigações. Corrêa já tem uma condenação por tentar obstruir as investigações do caso.
- Edilson Barbosa dos Santos, o Orelha, é o dono do ferro-velho que teria feito o desmanche do veículo usado no crime, um GM Cobalt. Ele foi preso no último dia 28 de fevereiro, em Duque de Caxias.
Queiroz, Lessa e Corrêa são réus pelo crime de homicídio contra Marielle e Anderson. Santos é acusado de atrapalhar as investigações.
Outros suspeitos no radar das autoridades são o casal João Paulo Vianna Soares, o Gato do Mato, e Alessandra da Silva Farizote, que teriam descartado a arma usada no crime; e dois homens que teriam vazado informações sobre as investigações a Lessa para ajudá-lo – o PM Maurício da Conceição dos Santos Júnior, o Mauricinho; e Jomar Duarte Bittencourt Júnior, Jomarzinho, filho de um delegado federal.
Em sua delação, Queiroz apontou o possível envolvimento de mais uma figura: Bernardo Bello, já investigado como um dos líderes do jogo do bicho no Rio e procurado pela Polícia Civil do Rio. O grupo liderado pelo bicheiro, segundo Queiroz, teria fornecido o celular usado por Ronnie Lessa e o carro utilizado no crime.
Quais suspeitos foram mortos no decorrer das investigações?
- O ex-PM Edmilson Oliveira da Silva, conhecido como Macalé, foi apontado por Queiroz como tendo recrutado Lessa, mas acabou assassinado em novembro de 2021. Suspeito de envolvimento em atividades criminosas no Rio de Janeiro, Macalé teria, ao lado de Lessa e Corrêa, vigiado Marielle e participado de uma tentativa frustrada de assassiná-la em 2017.
- O miliciano Adriano da Nóbrega, morto em fevereiro de 2020 na Bahia, durante ação policial que chegou a ser apontada por parentes como “queima de arquivo”. Ex-capitão do Batalhão de Operações Especiais da PM do Rio, Nóbrega foi assessor do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) quando o político ainda era deputado estadual. A mãe dele e uma ex-mulher também foram funcionárias do gabinete de Flávio. Nóbrega comandava o Escritório do Crime, organização suspeita de envolvimento no assassinato de Marielle – meses depois, uma investigação da Polícia Civil do Rio liderada pelo delegado Daniel Rosa descartou o envolvimento do Escritório do Crime no caso.
Quem foi o mandante e qual foi a motivação do crime?
Uma das linhas de investigação da Polícia Federal é que Marielle teria sido morta por defender a ocupação de terras por pessoas pobres na zona oeste do Rio, em um processo que seria acompanhado pelo Instituto de Terras e Cartografia do Estado do Rio e pela Defensoria Pública do Rio. Essa atuação de Marielle em questões fundiárias poderia ter ameaçado negócios de milicianos relacionados a construções irregulares na região.
Em sua delação, Queiroz afirmou que Domingos Brazão, conselheiro do Tribunal de Contas do Rio, teria envolvimento no crime. Como a delação de Lessa foi encaminhada para o STJ, há uma possibilidade de que ele tenha também mencionado o nome de Brazão.
Antes de ser conselheiro do Tribunal de Contas, Brazão foi deputado estadual pelo MDB e foi citado no relatório final da CPI das Milícias como um dos políticos “autorizados” pelas organizações criminosas a fazer campanha política em Rio das Pedras, na zona oeste do Rio. A CPI da Milícias foi presidida pelo então deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL), de quem Marielle foi assessora parlamentar.
Em 2019, a Procuradoria-Geral da República afirmou em denúncia ao STJ que Brazão “arquitetou o crime de homicídio” contra Marielle e “esquematizou a difusão de notícia falsa sobre os responsáveis pelo homicídio”.
Brazão nega qualquer envolvimento no crime. Em janeiro, ele afirmou ao jornal O Globo: “Depois das famílias de Marielle e Anderson, posso garantir que os maiores interessados na elucidação do caso somos eu e minha família. Tenho fé que, se houver mesmo essa delação [de Lessa], que, graças a Deus, isso termine logo.”
Por que a PF entrou no caso?
O delegado que acompanhou o caso no primeiro ano de investigação, Giniton Lages, foi afastado logo após a prisão de Lessa e Queiroz, em 2019. O inquérito da Polícia Civil seguiu trocando de mãos, passando por outros três delegados até chegar a Alexandre Herdy. No Ministério Público, promotoras abandonaram o caso queixando-se de “interferências externas”.
Apesar disso, até a eleição e posse de Luiz Inácio Lula da Silva na Presidência, a família de Marielle se opôs à federalização das investigações devido à proximidade de filhos do ex-presidente Jair Bolsonaro com suspeitos do crime.
Com a entrada da PF no caso, o novo governo – do qual participa Anielle Franco, irmã de Marielle e ministra da Igualdade Racial – buscou demonstrar compromisso com a elucidação do crime.
Em 2023, uma “investigação da investigação” do caso Marielle feita pela PF indicou que haveria uma estrutura de autoproteção das polícias, Ministério Público e do Judiciário no Rio.
Em janeiro, o diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, disse que a investigação daria uma “resposta final” sobre o assassinato de Marielle e Anderson no primeiro trimestre deste ano.
Veja em: https://www.dw.com/pt-br/o-que-se-sabe-e-o-que-falta-saber-sobre-a-morte-de-marielle/a-66338061
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