Alimentar ou aumentar influência? Enquanto seca devastadora leva milhões à fome, Zimbábue recebe grãos e fertilizantes russos. Ainda que doações sejam bem-vindas, observadores não creem em ajuda puramente humanitária.
Por: Privilege Musvanhiri | Créditos da foto: Mikhail Metzel/AP/picture aliance. O presidente do Zimbábue, Emmerson Dambudzo Mnangagwa, e da Rússia, Vladimir Putin, durante a cúpula Rússia-África, em São Petersburgo
Em resposta a uma seca devastadora que assola o Zimbábue, a Rússia doou 25 mil toneladas métricas de trigo e 23 mil toneladas de fertilizantes ao país localizado no sul do continente africano.
A maioria das safras plantadas durante a temporada agrícola de 2023/2024 fracassou devido ao fenômeno El Niño, deixando mais de 3 milhões de pessoas em risco de insegurança alimentar.
Enny Nyashanu, de 79 anos, uma das vítimas das colheitas fracassadas, disse à DW que a situação é terrível: “Eu tinha grandes expectativas em relação a essa safra. Tinha certeza de que sobreviveríamos com a nossa colheita. Mas não há esperança nem lugar para onde correr. O país inteiro está assim.”
Em todo o Zimbábue, especialmente no distrito de Buhera, na província de Manicaland, as plantações secaram e morreram. “Não há nada nos campos. Estamos desesperados por chuvas. Perdemos a esperança de colher qualquer coisa”, disse um morador num centro de distribuição de alimentos.
O Programa Alimentar Mundial (PAM) da Organização das Nações Unidas tem se esforçado para acompanhar a demanda por assistência alimentar. “O financiamento tem sido e continuará sendo um desafio”, afirma Sherita Manyika, do PAM Zimbábue.
O programa da ONU é financiado inteiramente por doações voluntárias, e Manyika diz haver um enorme déficit financeiro.
Pela recuperação?
A doação da Rússia, parte de uma promessa de 200 mil toneladas de grãos feita pelo Kremlin aos países africanos durante a cúpula Rússia-África de 2023, poderia ser encarada, portanto, como um socorro oportuno para os zimbabueanos.
O Zimbábue é uma das seis nações africanas, junto com Burkina Faso, Mali, Eritreia, República Centro-Africana e Somália, que recebem grãos da Rússia.
Emmerson Mnangagwa, presidente do país, demonstrou apreço pela doação, estendendo os cumprimentos ao presidente russo, Vladimir Putin.
“Em nome do povo e do governo do Zimbábue, expresso minha profunda gratidão ao meu querido irmão, o presidente da Federação Russa”, comentou Mnangagwa durante a cerimônia oficial de entrega.
Para muitos zimbabueanos, a esperança é de que essa ajuda possa ser de longo prazo, a fim de garantir sua sobrevivência: “Esperamos que essas doações de alimentos continuem para que nossas famílias sobrevivam. Não temos outros meios de obter alimentos”, disse à DW uma mulher no centro de distribuição de alimentos.
Motivos questionados
Embora a doação de grãos seja um alívio bem-vindo para o Zimbábue, alguns especialistas questionam os motivos por trás da ação russa no continente africano.
Alex Vines, diretor do Programa para a África da Chatham House, um think tank com sede em Londres, afirmou à DW que a doação da Rússia pode ter mais a ver com estratégia política do que com humanitarismo.
“Isso não é reforçar a diplomacia russa na África. [A Rússia] está recompensando os seus melhores aliados ou os países com os quais quer aumentar seu envolvimento”, alega.
Vines disse que outros países africanos – inclusive alguns ainda mais necessitados – não foram colocados no acordo de grãos, “portanto, trata-se de uma afirmação política em vez de humanitária”.
Além disso, o relacionamento tenso do Zimbábue com as potências ocidentais o torna um parceiro atraente para a Rússia mostrar sua influência.
“O Zimbábue é um país que tem um relacionamento ruim com o Ocidente. É uma afirmação política para mostrar que eles têm outros parceiros. E a Rússia é um deles”, diz Vines.
Ao fornecer recursos essenciais, a Rússia estaria se posicionando como um aliado seguro, preenchendo um vazio deixado pelas tensas relações com países ocidentais.
Guerra na Ucrânia “sobrecarrega”
À medida que os repasses de ajuda prosseguem, surgem questões sobre as implicações de longo prazo do envolvimento da Rússia com a África, especialmente sob a liderança ininterrupta de Putin.
Apesar da perspectiva de mais acordos de grãos e laços ainda mais fortes, Vines afirma que a capacidade da Rússia de se envolver de forma sustentável na África pode ser limitada devido a seus compromissos contínuos em outros lugares, especialmente a invasão da Ucrânia.
“Embora a estratégia russa seja envolver o continente africano, a realidade é que a Rússia está sobrecarregada”, argumenta Vines.
Com recursos desviados para outras prioridades, incluindo esforços militares, a capacidade da Rússia de manter sua força na África pode enfrentar desafios.
Para o governo do Zimbábue, o foco está em garantir aos cidadãos que ninguém passará fome.
“O número de pessoas com insegurança alimentar e a distribuição de grãos começaram em todas as áreas das oito províncias rurais do país. O registro de beneficiários e a distribuição de grãos continuarão sem interrupção durante o período de seca provocado pelo El Niño”, disse o ministro da Informação do Zimbábue, Jenfan Muswere.
Futuro das relações Rússia-África
Enquanto Putin assegurava seu quinto mandato como presidente da Rússia, permanecia incerto se mais acordos de grãos e relações mais fortes entre Moscou e a África estavam no horizonte.
Alex Vines reitera que os recursos da Rússia estão se esgotando devido à guerra na Ucrânia.
“Vemos um declínio significativo na ajuda à defesa dos países africanos, devido ao redirecionamento de equipamentos militares para os esforços de guerra em que a Rússia está envolvida”, diz.
A implicação, segundo Vines, é de que isso pode abrir portas para que outros países, como a China, aumentem sua influência na África.
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