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Racismo na Escola: não basta remediar

Ataques em SP e DF mostram: educadores não podem manter-se passivos, limitando-se a amparar as vítimas. Uma educação antirracista e com foco nos direitos humanos é crucial. Atividades, currículo, grêmios e conselhos devem dialogar com questões fundantes do Brasil

Por: Valéria Pilão | Arte: Jornal da USP sobre imagem do kit ‘A Cor da Cultura’

Historicamente a sociedade brasileira é racista, lgbtqifóbica e capacitista. Infelizmente, não há novidade nesta afirmação tampouco nas recorrentes reportagens divulgadas nas últimas semanas de abril e início de maio, relatando ocorrência de ações racistas entre os estudantes nas escolas de educação básica no Distrito Federal e em São Paulo.

Se fizermos uso dos instrumentos conceituais e das categorias analíticas desenvolvidas no âmbito da Sociologia da educação articuladas ao pensamento social brasileiro, é possível compreender que o ambiente escolar e os indivíduos que lá estão (re)produzem as desigualdades socialmente estabelecidas de um país com passado escravocrata, patriarcal e colonial e que se forjou capitalista de forma dependente.

A superação das contradições decorrentes deste processo de formação e dos abismos sociais construídos só serão efetivamente enfrentadas com a criação e desenvolvimento de um projeto societal coletivo que comporte a diversidade não mais como eufemismo para desigualdade. No entanto, em tempos de negacionismo científico e ascensão de manifestações fascistóides, é urgente o desvelamento da realidade brasileira e a escola é um dos espaços para que esse (re)conhecer ocorra.

Por isso, as instituições de ensino por meio de seu corpo diretivo e docente devem ser convocadas a assumirem o papel que lhes cabe na formação de seu quadro discente por meio de uma abordagem científica e consistente, desnaturalizando os lugares que foram sendo destinados aos sujeitos sociais dadas as contradições e desigualdades de classe, raça e gênero.

Ao mesmo tempo, essas instituições amparadas na legislação brasileira, nos princípios fundamentais dos direitos humanos e nos colegiados estabelecidos internamente devem se pronunciar, apurar de maneira célere, mas, jamais imprudente, os fatos ocorridos de forma que a resposta dada pela escola também sirva como referência na formação dos jovens estudantes. As vítimas de racismo, de lgbtqifobia e de capacitismo devem ser respeitadas e amparadas num momento em que suas subjetividades foram publicamente agredidas; a responsabilização de todos os envolvidos é de fundamental importância para que socialmente indivíduos e instituições se comprometam com a transformação social.

E para tal, faz-se relevante o conhecimento, o debate e a efetiva implementação dos estatutos e leis vigentes no país tais como: a Lei n. 11.645/2008 que “estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática ‘História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena’”, a Lei n. 12.288/2010 que “institui o Estatuto da Igualdade Racial”, a Lei n. 14.811/2024 que, dentre outras coisas, “institui medidas de proteção à criança e ao adolescente contra a violência nos estabelecimentos educacionais ou similares”. Ainda, também deve ser de conhecimento amplo nos espaços escolares os documentos internacionais nos quais somos signatários e que versam direta e indiretamente sobre a educação e os compromissos em direitos humanos, dentre eles, cita-se, principalmente, os objetivos do desenvolvimento sustentável (ODS) para serem alcançados até 2030, a Convenção para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher – CEDAW, instituída em 1979 bem como o Comite CEDAW.

Assim, se os fatos noticiados recentemente, infelizmente, não são novos no âmbito escolar brasileiro, cabe às instituições de ensino organizar conselhos formados e preparados para lidar com questões fundantes do Brasil, regimento escolar claro e assertivo, corpo docente e gestores conhecedores dos princípios fundamentais dos direitos humanos. Também podem (devem), junto aos discentes, compor grupos de discussões e atividades (os grêmios estudantis seria uma das possibilidades) com cunho formador no qual os discentes sejam parte do processo e sujeitos socialmente reconhecidos.

São os sujeitos – individuais e coletivos – os responsáveis pelo tensionamento rumo a uma transformação substancial das relações sociais e, por isso, é importante que os espaços escolares cumpram a sua função social formativa, almejando que para além da interpretação da história também se possa alterar o seu curso.

 

Veja em: https://outraspalavras.net/desigualdades-mundo/racismoa-escola-nao-basta-remediar/

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