Esperado avanço da ultradireita no Parlamento Europeu deverá ter impactos no Brasil em temas como direitos migratórios, regulação de redes sociais, leis ambientais e protecionismo econômico.
Por: Sofia Fernandes | Crédito Foto: U. J. Alexander/IMAGO. Plenário do Parlamento Europeu, onde 720 eurodeputados, de 27 países, decidem sobre as leis supranacionais do bloco econômico.
Se nas últimas eleições ao Parlamento Europeu, em 2019, a novidade foi um avanço dos partidos menos tradicionais – incluindo os Verdes, ligados às questões ambientais —, neste ano a expectativa é de que a ultradireita se consolide e amplie o número de representantes no órgão legislativo. As eleições, que começaram na quinta-feira e terminam neste domingo (09/06), mobilizam cerca de 350 milhões de eleitores em 27 países ao redor de questões como imigração em massa, guerra na Ucrânia e aumento do custo de vida.
Sondagens apontam para um fortalecimento de partidos como o Alternativa para a Alemanha (AfD), que não tem sido tolerado nem mesmo pela bancada de extrema direita do parlamento. A legenda foi excluída do grupo pela postura de alguns membros de relativizar o histórico de uma antiga organização nazista, a SS – uma organização paramilitar do regime nazista (1933-1945) que teve papel central no aparato policial do 3° Reich e na execução do Holocausto.
O partido alemão também esteve no centro de polêmicas como um plano secreto com extremistas para deportação de imigrantes e o envolvimento de candidatos da legenda em escândalos de espionagem russa e chinesa.
As pesquisas também anunciam uma vitória do partido da primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, do partido de Marine Le Pen, na França, e do primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán. Siglas de ultradireita também devem ter bom desempenho nas urnas na Polônia, Holanda, Bélgica e Áustria, com potencial de ocuparem um quarto das 720 cadeiras do parlamento.
De acordo com Sérgio Costa, sociólogo da Universidade Livre de Berlim, o crescimento da ultradireita não deve mudar completamente a composição de forças do parlamento. As decisões mais importantes devem continuar nas mãos de dois grandes blocos que hoje são majoritários: o Grupo do Partido Popular Europeu e a Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas. É esperada ainda a recondução de Ursula von der Leyen, de centro-direita, para a presidência da Comissão Europeia.
No entanto, o fato de um partido como a AfD ser legitimado pelo voto popular nas eleições europeias acende um alerta. “Ainda que não tenha uma mudança radical na política, essas eleições podem ter um impacto importante por esse mecanismo de legitimação de forças que antes eram vistas com mais resistência e ceticismo”, destaca Costa.
Tendência a protecionismo econômico
A União Europeia é o segundo parceiro comercial do Brasil, atrás da China. O país exporta sobretudo produtos agrícolas, sendo um dos principais celeiros para a região.
O aumento da representação dos partidos de direita no Parlamento Europeu implicará em uma maior pressão por medidas protecionistas no campo, como maiores taxas de importação de produtos de fora da Europa e um entrave adicional a acordos de livre comércio, como o que está em construção entre União Europeia e Mercosul, pontua Costa.
Protestos recentes de produtores rurais em países como França e Alemanha, que bloquearam estradas e portos contra questões como regulamentação ambiental e concorrência com produtos importados, mostram o barulho que esse setor, boa parte ligado a partidos de extrema direita, pode fazer.
Acordo Verde Europeu pode estar ameaçado?
Com a “onda verde” que levou mais representantes de partidos ligados a causas ambientais ao parlamento, consolidou-se como prioridade na última legislatura um conjunto de políticas, chamado de Acordo Verde Europeu, que visa modernizar a economia europeia com vistas para os impactos climáticos.
Dentro desse pacote, a Lei Antidesmatamento, que passa a valer a partir de 30 de dezembro deste ano, é uma das que têm maior impacto no Brasil. Ela proíbe a importação de produtos oriundos de áreas de florestas tropicais desmatadas, ou que violem leis de direitos humanos, trabalhistas, fundiários e de comunidades indígenas.
“Partidos mais à direita têm uma maior resistência às políticas de combate à crise climática, então pode haver uma redução do nível de ambição desses planos”, destaca Mariana Rezende, consultora em empresas e direitos humanos com atuação na Alemanha.
Ela explica que há pressão de alguns setores, tanto na Europa como em países fornecedores de commodities, para adiar a implementação da lei, alegando dificuldade de investimento e preparo, além de perda de competitividade. Isso porque as empresas fornecedoras precisam tomar medidas não só para garantir o cumprimento da norma, mas a sua rastreabilidade.
“Com um parlamento mais à direita, a gente tem ficado de olho em uma possível agudização dessa disputa retórica entre a pauta das mudanças climáticas e o crescimento econômico, como se uma coisa excluísse a outra”, sublinha Rezende.
Direitos digitais e regulações
A legislação europeia é referência nas discussões sobre direitos digitais e regulação das redes sociais em todo o mundo. No Brasil, ela pautou a discussão em torno do projeto de lei que trata do assunto, o chamado PL das Fake News. Após engavetar o texto, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, anunciou a formação de um grupo de trabalho que irá retomar o tema.
O Digital Service Act (DSA), legislação europeia que apresenta regras para as gigantes da tecnologia, como Meta e Google, determina medidas contra a promoção de discurso de ódio e desinformação nas suas plataformas online.
O DSA passou a vigorar em agosto de 2023 e tem uma abordagem inovadora sobre regulação de plataformas digitais. Ao invés de tratar apenas da responsabilidade civil, fala também da responsabilidade dessas empresas pelo seu modelo de negócios de forma mais ampla.
Na prática, não basta as big techs apenas removerem ou deixar de remover conteúdo nocivo – é preciso ter uma responsabilidade mais ativa, ser transparente, respeitar obrigações e decisões judiciais, reconhecer os riscos em potencial dentro do seu sistema e ter mecanismos para mitigar esses riscos quando necessário.
Movimentos de direita são, na maioria dos casos, avessos a um ambiente digital regulado, e há uma tendência desses grupos de deslocar esse debate para um campo de valores, como família e liberdade, destaca Bruna Santos, gerente de campanhas global da organização Digital Action. “O momento é de reafirmar uma agenda de direitos fundamentais mínima”, destaca.
Fortalecimento de ideias antimigratórias
O avanço da ultradireita na Europa pode ainda ter o efeito de impor mais restrições para imigrações. Os brasileiros podem ser afetados por um clima mais xenófobo quando têm planos para migrar para a Europa, por exemplo, mas também ideias antimigratórias podem se fortalecer no Brasil.
O professor Sérgio Costa lembra que o preconceito contra imigrantes, sobretudo do Haiti e da Venezuela, cresceu na esteira das eleições de 2018, que elegeram Jair Bolsonaro presidente.
“O caso mais evidente, dada a presença muito forte de brasileiros, é em Portugal, onde o partido Chega faz diretamente referência à migração brasileira, obviamente desejando restrições. Isso reflete também no tratamento que brasileiros têm no dia a dia por lá”, destaca Costa.
Veja em: https://www.dw.com/pt-br/por-que-as-elei%C3%A7%C3%B5es-europeias-interessam-ao-brasil/a-69303376
Comente aqui