Governo lança programa de bolsas em busca de doutores e mestres que estão no exterior. Para SBPC, porém, verbas seriam melhores aplicadas em incentivos aos que já estão no Brasil.
Por: Bruno Lupion | Crédito Foto: Andrew Brookes/Westend61/imago images. Conhecimento Brasil selecionará até mil projetos de pesquisadores que estejam no exterior e desejam voltar para fazer pesquisa no Brasil
O governo brasileiro quer atrair de volta para o país pesquisadores que estejam no exterior. A oferta? Uma bolsa mensal maior do que a oferecida a pesquisadores já no Brasil, verbas para pesquisa e viagens a trabalho e um pacote de benefícios.
O programa, inédito no Brasil, foi anunciado no final de julho, após debates da ministra de Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos, com pesquisadores e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) sobre como aproveitar melhor a experiência desses brasileiros no exterior.
O anúncio de mais recursos para a pesquisa é bem-vindo para a comunidade científica, mas alguns avaliaram que, antes de investir na atração dos que estão no exterior, o governo deveria priorizar políticas para reter e fixar os doutores que já estão no país.
Chamado Programa de Repatriação de Talentos – Conhecimento Brasil, ele selecionará até mil projetos de pesquisadores que estejam no exterior e desejam voltar para fazer pesquisa no Brasil, e custará cerca de R$ 825 milhões em cinco anos.
O que está sendo oferecido
O CNPq pagará bolsa mensal de R$ 10 mil a mestres e de R$ 13 mil a doutores para fazer pesquisa em empresas ou, no caso dos doutores, também em universidades em institutos brasileiros. As bolsas são isentas de imposto de renda.
Os selecionados receberão auxílios para viajar e se instalar no país, contratar plano de saúde e contribuir para o INSS, por quatro anos – prorrogáveis por mais um.
Cada projeto receberá até R$ 400 mil para a compra e manutenção de equipamentos – que devem deixar um legado para os institutos de pesquisa – e até R$ 120 mil para participação em eventos ou visitas a centros de excelência no exterior.
Para efeito de comparação, a bolsa de doutorado do CNPq é hoje de R$ 3.100 e a de pós-doutorado, de R$ 5.200 – depois de um reajuste de 40% e 27%, respectivamente, no início do governo Luiz Inácio Lula da Silva.
Na Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), que hoje paga o maior valor das fundações estaduais, a bolsa de doutorado é de até R$ 6.810 e a de pós-doutorado, de até R$ 12 mil, após reajuste de 45% e de 28%, respectivamente, em junho.
Quantos pesquisadores o Brasil forma e quantos estão fora
Cerca de 20 mil novos doutores são formados no Brasil todos os anos. Em relação à população, o país fica atrás de 21 nações da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), segundo levantamento do Centro de Gestão de Estudos Estratégicos (CGEE) com dados de 2021.
Naquele ano, o Brasil concedeu 10,2 títulos de doutor por 100 mil habitantes – à frente do Chile e da Colômbia e em patamar semelhante ao de Turquia e do México. Lideram o ranking o Reino Unido (37,4 a cada 100 mil habitantes), a Dinamarca (35) e a Alemanha (33,9).
Não existem estimativas confiáveis de quantos pesquisadores brasileiros estejam no exterior. O CNPq considera que há cerca de 20 mil, considerando os que foram para o exterior com bolsa. A pesquisadora Ana Maria Carneiro, do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e especialista na diáspora científica brasileira, diz à DW que esse universo é muito variado – compreende tanto pesquisadores que deixaram o país há muito tempo e estão bem instalados no exterior como aqueles no início da experiência internacional e ainda tentando se estabelecer.
Quem o programa vai atrair?
Uma pesquisa realizada por Carneiro em 2023 com 1.200 pesquisadores brasileiros no exterior, residentes em 42 países, mostrou que vontade de voltar existe, desde que haja boas oportunidades de emprego na terra natal.
Esse foi o desejo expressado por 44% dos doutorandos, 51% dos pós-doutorandos e 40% dos professores e pesquisadores com contratos temporários no exterior. No entanto, mais de 70% dos entrevistados indicaram não ter previsão de retorno.
Ela avalia que o programa de repatriação poderá ser interessante para os pesquisadores mais jovens e com vínculos precários no exterior, como contatos temporários. “O programa oferece auxílios que não existem em outras bolsas, recursos para custeio e viagens, é um ‘enxoval’ que permite aos que estavam no exterior terem um bom início no Brasil e se inserirem em redes de pesquisa”, diz.
Já entre os que estão há mais tempo fora, com contratos estáveis e famílias estabelecidas, a proposta não deve ser suficiente para motivar um retorno ao Brasil, afirma.
Ricardo Galvão, presidente do CNPq, diz à DW que a bolsa de R$ 13 mil para doutores, acrescida dos recursos para infraestrutura de pesquisa, plano de saúde e INSS, deve ser suficiente para convencer parcela dos que hoje estão no exterior.
O valor da bolsa, afirma, equivale aproximadamente ao salário de professor associado das universidades federais em tempo integral, ou à remuneração média de um pós-doutor na Europa. Durante conversas com pesquisadores no exterior, ele diz que “ficou clara a intenção de muitos colaborarem com o Brasil, seja retornando ao país ou estabelecendo redes de colaboração com pesquisadores aqui residentes”.
Os recursos para o programa virão do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT). Em 2021, uma lei aprovada pelo Congresso Nacional proibiu que os valores desse fundo sejam contingenciados pelo governo para o cumprimento de metas fiscais.
Do Ciência sem Fronteiras ao Conhecimento Brasil
A pesquisadora Clarissa Rocha, 42 anos e hoje nos Estados Unidos, é uma das interessadas no programa de repatriação. Bióloga molecular geneticista, ela deixou o país há dez anos e apresentará um projeto para voltar ao Brasil.
Sua história relaciona-se ao ciclo de políticas públicas do país. Nascida em Fortaleza, ela fez mestrado na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), doutorado na França e voltou à UFMG para o pós-doutorado, sempre pesquisando a microbiota intestinal e sua relação com doenças inflamatórias.
Em 2014, com uma bolsa do programa Ciência sem Fronteira, foi para a Universidade da Califórnia (UC Davis). Após um ano e meio, recebeu oferta de emprego para dar continuidade à sua pesquisa lá e decidiu ficar. “Tinha dois caminhos, voltar ao Brasil e ficar desempregada ou aceitar a oferta. Não podia me dar ao luxo de voltar e ficar sem emprego, então aceitei”, diz.
Após sete anos na UC Davis, foi contratada por uma empresa de biotecnologia que desenvolve diagnósticos e terapias para doenças ginecológicas relacionadas à microbiota, onde trabalha hoje. Apesar da carreira estabelecida, ela acalenta há alguns anos a ideia de voltar para o Brasil, mas não o fez ainda por falta de oportunidade.
“Há muitos pesquisadores como eu que querem voltar, mas não podemos simplesmente largar nossas vidas profissionais sem ter pelo menos um programa de início, que vá nos ajudar a nos inserir de volta no mercado de trabalho”, afirma. “Vejo o programa como o recomeço da minha carreira científica no Brasil.” Ela apresentará um projeto para seguir fazendo sua pesquisa na UFMG, focada em novos diagnósticos e terapias para doenças inflamatórias.
Qual a motivação para voltar? Ela diz que deseja contribuir com a ciência brasileira e compartilhar suas experiências de pesquisa e profissional que obteve nos Estados Unidos com os profissionais brasileiros. E também menciona um aspecto pessoal: “estou há muito tempo longe da minha família, chega uma hora que você começa a balancear o que vale mais a pena.”
Rocha considera o valor da bolsa e os benefícios razoáveis. Ela elogia o recolhimento ao INSS – “no Brasil, muitos não veem o bolsista como um profissional, mas somos cientistas profissionais” – e considera o prazo de quatro anos adequado para dar “certa estabilidade” no retorno. “Arrisquei para vir para cá há dez anos e deu certo, agora estou arriscando de novo ao voltar.”
Mas ela frisa as incertezas sobre o que ocorrerá após o final da bolsa, caso seu projeto seja aprovado. “Acho o programa maravilhoso. Mas será que o mercado brasileiro vai depois conseguir absorver todos os cientistas que estão pretendendo voltar, ou não? Tem que ter um plano para absorver depois que a bolsa acabar, senão quem não conseguir vai voltar para o exterior de novo. Essa é uma das minhas maiores preocupações.”
Quais são as críticas ao programa
Alguns membros da comunidade científica consideraram que os recursos públicos destinados para atrair os pesquisadores de fora seriam melhores utilizados de outra forma. Francilene Garcia, vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), afirma à DW que a entidade considera prioritário criar condições para os doutores que se formam seguirem fazendo pesquisa no país, como melhores instalações de pesquisa e bolsas mais elevadas.
“A SBPC defende uma política pública que mantenha o número de doutores formados atualmente e construa iniciativas para que eles sejam retidos e fixados”, diz Garcia. Ela cita que uma parcela dos recursos destinados ao programa de repatriação seria suficiente para cobrir a defasagem das bolsas de pós-doutorado oferecidas no país.
“Não há nenhum sentimento de que atrair brasileiros do exterior seja ruim, a pesquisa feita em conjunto com o exterior em geral tem mais impacto. Mas há uma prioridade anterior, que é a fixação dos doutores que já estão aqui”, diz. Ela também aponta que o prazo de quatro anos para os projetos de pesquisa não seria um incentivo longevo.
Alguns pesquisadores também manifestaram incômodo com o fato de as bolsas oferecidas aos que chegarem do exterior serem superiores às de quem ficou no Brasil.
“As universidades federais estavam até há pouco em greve por aumento de salário, e o governo não deu o aumento pedido por restrição fiscal – mas está agora empenhando um valor razoável para tentar atrair as pessoas de fora. Percebi uma certa indisposição entre os que ficaram no país, passaram por maus bocados no governo Bolsonaro, e agora veem aqueles que estão fora receberem ofertas e condições de trabalho melhores que as deles”, diz Fábio Sá e Silva, vice-presidente da Brazilian Studies Association (Brasa), sediada nos Estados Unidos.
A Rede Apoena, que reúne pesquisadores brasileiros na Alemanha, afirmou em nota à DW que seus membros ainda têm dúvidas que precisam ser esclarecidas sobre o programa, “especialmente em relação a um plano de longo prazo para pesquisadores no Brasil”, e que faltou uma comunicação mais próxima do governo com a comunidade acadêmica. A rede realizará um webinar com o CNPq na próxima semana sobre o tema.
Parcerias com os brasileiros no exterior
A iniciativa recém-lançada tem outros dois eixos de atuação. Um pretende incentivar pesquisadores brasileiros estabelecidos no exterior a colaborarem de forma mais sistemática com institutos de pesquisa e empresas no Brasil, sem terem que se mudar de volta para o país.
Esse programa concederá até R$ 400 mil para a compra de equipamentos e manutenção da pesquisa e R$ 120 mil para viagens de trabalho por projeto, por dois anos. Há verba para contemplar 380 projetos nesse sentido, com orçamento total de R$ 230 milhões.
Para Garcia, da SBPC, o governo acertou nessa. “Temos vários pesquisadores de diversas áreas trabalhando em temas que são fronteira na ciência, como na área de biotecnologia, fundamental para a exploração da biodiversidade brasileira. Mesmo que eles decidam se fixar no exterior, contribuir com instituições de pesquisa no Brasil é um processo agregador”, afirma.
Uma terceira iniciativa, cujo edital ainda não foi lançado, destinará até R$ 500 milhões a projetos com valor mínimo de R$ 1 milhão a empresas brasileiras que contratem pesquisadores brasileiros que estejam no exterior para atuarem em projetos de inovação.
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