Como São Sebastião, no litoral norte de São Paulo, trabalha para se transformar em um local resiliente a eventos extremos após as chuvas que devastaram a cidade em 2023.
Mesmo assim, o Brasil ainda patina na prevenção. Entre 2010 e 2023, o país investiu cerca de R$ 15 bilhões em ações de resposta e recuperação e apenas cerca de R$ 7 bilhões em prevenção, de acordo com Talita Gantus de Oliveira, pesquisadora do Instituto de Geociências da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
“A gente age responsivamente, nunca está preparado. O modus operandi quando os desastres despontam é esse, é como se fossem políticas sazonais, as ações acontecem quando começa a chover”, diz Oliveira, que estudou planejamento territorial urbano para gestão de riscos e resiliência a desastres no Brasil em seu doutorado.
A própria Política Nacional de Proteção e Defesa Civil surgiu em 2012, após as chuvas que deixaram 900 mortos na região serrana do Rio de Janeiro em 2011. Um estudo realizado pelo Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) entre 2021 e 2022 mostrou que 59% das defesas civis municipais são compostas por uma ou duas pessoas, e 72% dos municípios sequer tinham orçamento para a Defesa Civil.
“Outro ponto é que a grande maioria das pessoas que ocupam cargos de defesa civil não são servidores públicos, então a cada eleição municipal há trocas e entram pessoas que não sabem do assunto. Elas precisam ser capacitadas do zero”, afirma Victor Marchezini, sociólogo do Cemaden.
No Brasil, segundo Marchezini, também faltam articulações entre os municípios, o que compromete a ação em episódios que envolvem mais de um local, como ocorreu neste ano no Rio Grande do Sul.
Diante de episódios recentes como esse, o Brasil tenta estimular a criação de Planos Municipais de Redução de Risco (PMRR). Até 2026, o Governo Federal pretende financiar 200 PMRR, para mapear os riscos geológicos e hidrológicos em áreas periféricas. Neste mês, o primeiro plano foi finalizado, para a cidade de Paulista, em Pernambuco.
Para Oliveira, essa iniciativa significa avanços, mas o Brasil também precisará enfrentar outros desafios, como criar políticas públicas contínuas, garantir financiamento aos municípios, fazer cumprir os planos, investir em planejamento urbano e moradia de qualidade, além de combater a especulação imobiliária em áreas de desastre.
“Resiliência é uma ‘buzzword’ que foi sendo incorporada ao mercado como prática de gentrificação. Mas a resiliência tem a ver com a capacidade de mobilização comunitária”, ressalta.
Marchezini está coordenando um projeto, o Cope/Fapesp (Capacidades Organizacionais de Preparação para Eventos Extremos) que irá mapear a partir de 2025 a capacidade das cidades em lidar com eventos extremos e fará formações piloto em algumas localidades.
“Não há como termos agentes da Defesa Civil suficientes para lidar com milhares de pessoas, então precisamos de políticas públicas suficientes para envolver as pessoas e prepará-las”, diz.
O exemplo de São Sebastião
É justamente a mobilização comunitária o motor de iniciativas ambientais e sociais com foco na resiliência em São Sebastião. O município tem a vantagem de ser um balneário que atrai turismo das classes com mais poder aquisitivo, o que permitiu na época da tragédia captação de recursos e articulação que viabilizaram o Restaura Litoral.
O projeto é uma iniciativa que envolve a ONG local Instituto Conservação Costeira (ICC), o governo, por meio da Fundação Florestal, o Ministério Público Federal (MPF) e a iniciativa privada.
Parte dos recursos para o projeto veio da Concessionária Tamoios, como compensação pelo impacto da construção da Rodovia Nova Tamoios. Isso permitiu contratar a Atlântica Consultoria Ambiental, que fez o diagnóstico das áreas devastadas e montou um plano de cinco etapas para recuperação, e a Ambipar, que adaptou a tecnologia com drones para lançar as sementes.
São usadas biocápsulas que seriam descartadas pela indústria farmacêutica e adubo orgânico derivado de resíduos de Estações de Tratamento de Efluentes (ETE).
“Diante da peculiaridade de São Sebastião, que são áreas de difícil acesso com grande declividade, tivemos que fazer adaptações nos drones, para que eles conseguissem dispersar sementes rápido, grandes e pequenas”, explica Gabriel Estevam, diretor corporativo da Ambipar.
Estão sendo lançadas espécies como guapuruvu, embaúba, crindiúva, quaresmeira e outras. “Há resultados já visíveis, com áreas de escorregamento [deslizamento] em que a vegetação já está com mais de um metro”, acrescenta André Motta, da Atlântica Consultoria Ambiental.
Publicado originalmente em: https://www.dw.com/pt-br/o-desafio-de-curar-as-cicatrizes-de-uma-trag%C3%A9dia-ambiental/a-70473712
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