Por: Julia Braun | Crédito Foto: Getty Images. Lula foi recebido com uma cerimônia oficial de boas-vindas em Paris
Após reunião privada com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva em Paris nesta quinta-feira (5/6), o francês Emmanuel Macron rejeitou mais uma vez a aprovação do texto do acordo entre União Europeia e Mercosul da maneira como está atualmente.
Em declaração à imprensa no Palácio do Eliseu, sede do governo da França, Macron colocou entraves à aprovação do pacto, apesar das manifestações entusiasmadas de Lula e os pedidos do líder brasileiro para que o colega “abrisse o coração”.
O tema é o grande calcanhar de Aquiles da relação entre os dois presidentes, que se reúnem em Paris para a primeira visita de Estado do líder brasileiro ao território francês em seu terceiro mandato.
“Este acordo, nesse momento estratégico, é bom para muitos setores grandes, mas comporta um risco para os agricultores europeus”, disse Macron, em resposta aos questionamentos da imprensa sobre a possibilidade de aprovação do texto.
A objeção de produtores agrícolas ao pacto é um dos principais obstáculos no momento. O setor alega que a entrada em vigor do tratado colocaria em risco milhares de empregos ao abrir as portas do mercado francês a produtos agrícolas produzidos sem os mesmos padrões de qualidade ambiental e sanitários exigidos dos fazendeiros franceses.
Lula, por sua vez, insistiu nas vantagens do pacto e afirmou que está disposto a dialogar com os agricultores franceses para destravar as negociações.
“É importante que os agricultores franceses saibam que nossa agricultura seria complementar”, disse, de frente para o líder francês. “O que não pode é um bloqueio.”
“Se você quiser, leva um grupo de agricultores para o Brasil ou eu trago um grupo aqui, vamos sentar numa mesa qualquer aí e conversar, eu tenho certeza que a gente faz o acordo.”
O presidente brasileiro afirmou ainda estar seguro de que as trativas se desenvolverão até o final da presidência brasileira do Mercosul, que se inicia em julho e tem duração de seis meses.
“Quero lhe comunicar que não deixarei a presidência do Mercosul sem concluir o acordo com a União Europeia. Portanto, meu caro, abra o seu coração para a possibilidade de fazer esse acordo com o nosso querido Mercosul”, disse Lula ao colega francês.

“Pode ter no mundo alguém preocupado com o meio ambiente igual meu governo, mas não tem melhor”, afirmou.
“Queria pedir ao Macron uma coisa muito séria. Não permita que nenhum país europeu coloque dúvida sobre a defesa que o Brasil faz para diminuir o desmatamento no Brasil.”
Também citou produtos importados da França pelo Brasil que também são produzidos em solo brasileiro – e nem por isso inviabilizam o acordo com a União Europeia.
“Embora o Brasil esteja se transformando em um país produtor de vinho, estamos facilitando a exportação de vinhos franceses. Embora o Brasil seja produtor de queijos, não queremos competir com os franceses. Enquanto estejamos produzindo boas champanhes, a gente não quer proibir a champanhe francesa”, declarou.
O calcanhar de Aquiles da relação
A relação entre Lula e Macron tem sido marcada por demonstrações de amizade em frente às câmeras, trocas de elogios e alinhamentos em temas como meio ambiente e governança internacional. No entanto, o acordo União Europeia-Mercosul tem sido um ponto de tensão e discordância.
O pacto foi assinado no final do ano passado, mas ainda precisa ser ratificado pelo Parlamento Europeu e os Legislativos de cada país de ambos os blocos.
Quando a finalização das negociações foi anunciada durante encontro do Mercosul em Montevidéu em dezembro de 2024, o governo da França já havia se manifestado de forma contrária e classificado a versão aprovada do acordo como “inaceitável”.
E a objeção francesa é considerada o grande entrava para que as trativas avancem, segundo especialistas.

Na véspera da visita de Estado do presidente brasileiro à França, parlamentares franceses reuniram diversos setores agrícolas na Assembleia Nacional para reafirmar sua oposição ao acordo.
Jean-François Guihard, presidente da Associação Interprofissional da Pecuária e da Carne (Interbev), pediu que Macron fosse “extremamente firme” com Lula “para dizer que esse acordo não é possível “.
Em suas declarações na manhã desta quinta, o presidente francês defendeu a inclusão de “cláusulas de salvaguarda e cláusulas-espelho” para garantir que os produtos importados atendam aos mesmos padrões ambientais e sanitários exigidos na UE.
Lula e Macron se reuniram no Palácio do Eliseu para uma reunião ampliada, com a participação de ministros e outros membros dos dois governos. Foram assinados diversos acordos de temas variados, como segurança pública, educação, ciência e tecnologia.
Após a coletiva de imprensa, o grupo participou de um almoço, depois do qual o presidente brasileiro seguiu para uma homenagem na Academia Francesa, equivalente à Academia Brasileira de Letras.
A agenda de Lula em Paris também inclui uma reunião com a prefeita de Paris, Anne Hidalgo, e um encontro com a comunidade brasileira.
O presidente ainda participará da Conferência das Nações Unidas sobre os Oceanos, em Nice, e visitará a Interpol em Lyon. A Interpol é atualmente comandada pelo brasileiro Valdecy Urquiza, delegado da Polícia Federal.
‘Genocídio premeditado’
Além da discussão sobre o acordo entre UE e Mercosul, Lula também tratou de outras temas da relação entre Brasil e França em sua declaração no Palácio do Eliseu.
“É importante, presidente Macron, que o povo francês saiba que a maior fronteira da França com qualquer outro país não se dá na Europa, se dá com a América do Sul e com o Brasil. A França deveria ter orgulho de dizer que a maior fronteira dela é no território amazônico”, disse Lula, em referência à divisa entre o Brasil e a Guiana Francesa.
Questionado sobre a atual situação do conflito em Gaza, o presidente brasileiro fez declarações enfáticas e criticou as ações do governo de Israel, ainda que sem citar nominalmente o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu.
“Não é possível a gente aceitar uma guerra que não existe. É um genocídio premeditado de um governante de extrema direita que está fazendo uma guerra, inclusive, contra os interesses do seu próprio povo. Porque a Israel, ao povo judeu, também não interessa essa guerra”, disse Lula.
“É triste saber que o mundo se cala diante de um genocídio em que a grande vítima não é soldado que está em guerra, mas mulheres e crianças. Sinceramente, o dia em que eu perder a capacidade de me indignar, eu não mereço ser dirigente do meu país.”
Publicado originalmente em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/c0r1242nrqpo