Entrevista

Pesquisador do Poema fala sobre Programa Trópico em Movimento

Entrevista realizada no dia 25/10/2015

Com o objetivo de fomentar a pesquisa e a extensão para a construção de uma sociedade sustentável que valorize os recursos naturais de cada localidade da Região Amazônica, será apresentado, nesta terça-feira, 27,  às 9h, na Sala dos Conselhos da Reitoria da Universidade Federal do Pará, o Programa Interdisciplinar Trópico em Movimento – “Rumo à criação de uma moderna civilização da biomassa na Amazônia”. O projeto é ligado à Reitoria da Universidade e é um legado do Programa Pobreza e Meio Ambiente na Amazônia, o Poema.

O evento de apresentação abordará as atividades do novo programa interdisciplinar, que contará com a participação de pesquisadores e professores de diferentes institutos da UFPA e vai priorizar o estabelecimento de relações de cooperação com entidades do Trópico Úmido da América Latina, da África e da Ásia. O professor Thomas A. Mitschein é o coordenador do Programa Interdisciplinar Trópico em Movimento, da Universidade Federal do Pará , e a seguir concede uma entrevista exclusiva sobre o projeto ao Portal da UFPA:

Amazônia é a única opção viável para o Brasil neste século XXI – Thomas Mitschein é uma espécie de caboclo “germano-paraense”.  Nascido em Bielefeld, na Alemanha, está no Pará desde 1981, onde tem se dedicado a projetos e estudos na área do desenvolvimento sustentável. Seu trabalho tem foco nas comunidades amazônicas e na capacidade da região (incluindo seus vizinhos sul-americanos) de alcançar um patamar no planeta muito diferente da submissão econômica e da degradação socioambiental que a Amazônia vive atualmente.  Nesta entrevista, ele analisa a lógica de uma economia globalizada, movida pelo capital financeiro, que transforma até alimentos básicos em jogadas especulativas e aposta no poder de barganha da maior floresta tropical do planeta. Acredita que o Brasil, ‘gigante pela própria natureza’, pode avançar, se cruzar o caminho do seu futuro com a valorização da extraordinária bio e sociodiversidade da Amazônia, seguramente, a melhor opção para o País neste século XXI.

Como você avalia as perspectivas de desenvolvimento da Amazônia neste século XXI? 
A região continua sendo refém de um modelo desenvolvimentista que os seus idealizadores chamavam de desequilibrado e corrigido. Desequilibrado porque favorecia setores como a mineração, a extração madeireira, a pecuária ou a pesca empresarial e lavouras selecionadas, dos quais se esperavam vantagens comparativas no âmbito do mercado mundial. E corrigido porque previa intervenções por parte do Estado para mitigar os desequilíbrios que a implementação do mencionado modelo trazia necessariamente em seu bojo. Contudo o que a ação corretiva da mão pública pressupõe é dispor de poder de fogo em termos financeiros. No entanto, diante de fatores como o pagamento dos encargos da dívida externa, baixas taxas de crescimento econômico e, certamente, o avanço da hegemonia das crendices do fundamentalismo de mercado, este poder de fogo acabou minguando expressivamente, fazendo com que os desequilíbrios sociais, econômicos e espaciais que a ocupação da região proporcionou tenham se potencializado dramaticamente. Desequilíbrios que se manifestam hoje numa preocupante concentração fundiária, no inchaço desenfreado das zonas urbanas e em variáveis, mas constantes, taxas de desmatamento que acabaram transformando a Amazônia no maior emissor de carbono de todo o Brasil. E esta realidade continua em vigor. Na região inteira!

Não obstante o fato de que, na década passada, o governo federal tenha se esforçado em substituir a mercantilização da política por um capitalismo organizado que procura se afirmar com a função estruturante da mão pública, mas obviamente não foge da lógica reprodutiva de um sistema econômico global que, ao obrigar todos os seus protagonistas a rezar a missa da competitividade sistêmica, faz com que, no âmbito do espaço nacional, estejam se perpetuando as polarizações sociais e econômicas dentro das diferentes unidades territoriais.

Vale mencionar, neste contexto, um exemplo do próprio Pará. Um município recém-criado, como Canaã dos Carajás, no sudeste do Estado, que, devido à extração do minério de cobre dos seus subsolos, tem se tornado uma ilha de crescimento no arquipélago da economia do Pará, contabiliza um PIB anual que ultrapassa o respectivo valor de uma mesorregião inteira, como o Marajó.  Uma mesorregião, que, diga-se de passagem, abriga 460.000 habitantes.

O cenário que você está traçando é altamente nocivo. É possível avançar dentro dele?
Parto do princípio de que, dentro deste cenário, não haverá perspectiva positiva nenhuma, já que a sua lógica reprodutiva condena a política a andar a reboque de uma economia globalizada, que, movida pela preponderância do capital financeiro, tem transformado até os mercados para alimentos básicos em objetos de suas jogadas especulativas. Contudo estou convencido de que o Brasil, ‘gigante pela própria natureza’, pode desafiá-lo na medida em que resolve identificar o seu próprio futuro, com a valorização de sua extraordinária bio e sociodiversidade, fomentando uma política de desenvolvimento que entende a reinvenção da Amazônia como a melhor opção para o País se reorganizar neste século XXI. Trata-se de uma proposta de Roberto Mangabeira Unger, que focaliza tanto a Amazônia já desmatada como a Amazônia onde a mata ainda está em pé. No que diz respeito à primeira, Unger recomenda incentivar a viabilização de um modelo econômico que privilegie a criação de uma base sinérgica entre a indústria de ponta pós-fordista e os empreendimentos menores e tecnologicamente mais atrasados nos mais diversos campos produtivos. E quanto à segunda, ele destaca a necessidade imperiosa de institucionalizar regimes de tributação que fazem com que a floresta em pé valha mais do que a floresta derrubada, incentivando iniciativas que dizem respeito à organização da “prestação dos serviços ambientais” e em investimentos maciços no aproveitamento tecnológico da biodiversidade.

Nestes termos, a argumentação de Mangabeira Unger vem ao encontro do paradigma do ecodesenvolvimento na acepção de Ignacy Sachs, que defende o uso múltiplo da biomassa terrestre e aquática para a produção de alimentos, rações para animais, adubos verdes, bioenergias, materiais de construção e insumos para diversos setores industriais e, ainda, aborda os ecossistemas  intactos, como um renovável tesouro de insumos naturais para as mais diferentes   áreas da reprodução humana. Ou seja, insiste na criação de uma moderna civilização da biomassa que se opõe à maldição da transposição mimética da civilização europeia para as terras tropicais.

Parece interessante, mas você acredita mesmo que esse modelo se aproxima da realidade política e econômica do Brasil? 
Certamente, é preciso reconhecer que ela ainda anda separada por distâncias literalmente amazônicas dos principais atores da política brasileira. Por outro lado, há de levar em conta que uma iniciativa ambiciosa de recuperação das áreas alteradas da Amazônia em moldes minimamente sustentáveis se choca de frente com uma política econômica que, não obstante sua retórica antineoliberal, reserva a setores tão essenciais para o futuro do País, como educação, saúde, saneamento, ciência e tecnologia, gestão ambiental, agricultura, organização agrária e indústria menos do que 10% do Orçamento Geral da União, mas destina quase 45% ao pagamento de juros, amortizações e refinanciamentos da dívida pública do País.

No entanto, por mais que esta enorme transferência de recursos públicos para o setor privado esteja se revelando hoje como um dos principais nós górdios da política brasileira, se os representantes desta última demonstram pouca vontade para desatá-lo, é porque preferem evitar conflitos com os bancos nacionais, estrangeiros e investidores internacionais que, junto com as seguradoras, detêm 62% do estoque da divida pública brasileira. Trata-se, sem dúvida, de uma postura entendível no âmbito de um sistema econômico global que, mesmo depois da caída do Muro de Wallstreet em 2008, continua sujeito aos humores dos mercados financeiros que, pelo seu próprio tamanho e seu baixo nível de regulação, conseguem atrelar no mundo inteiro a política às suas expectativas de rentabilidade. Mas não deixa de mostrar uma predisposição perigosamente omissa, uma vez que acaba empurrando com a barriga as dramáticas mazelas sociais e ambientais que, das mais diversas formas, estão castigando o Brasil inteiro. E o que é pior: astá negligenciando radicalmente o excepcional poder de barganha que, em princípio, a maior floresta tropical do planeta e os seus extraordinários serviços ambientais podem proporcionar para o Brasil numa sociedade planetária que está cada vez mais ameaçada pela acelerada destruição das bases naturais de sua própria sobrevivência.

O Brasil, então, deve aproveitar esse poder de barganha ambiental e impor uma nova estratégia de renegociação de sua dívida pública? Ou seja, abandonando modalidades de pagamento que deixam governos municipal, estadual e federal sempre de pires na mão?

Exatamente! O que o País precisa com urgência é um programa sólido e convincente que, no dizer de Mangabeira Unger, faz do soerguimento da Amazônia prioridade brasileira na primeira parte do século XXI.

Um programa, como cabe acrescentar, que transmite com clareza para a sociedade nacional que a transformação das áreas já desmatadas da região – uma gigantesca massa territorial de quase 800.000 km2 – num espaço de inovação técnico econômica em torno da elevação sistemática da produtividade primária da biomassa dos campos, da floresta e das águas, proporcionará ao País a oportunidade de iniciar a revisão de um modelo de acumulação que desperdiça de forma estrondosa as potencialidades endógenas de desenvolvimento dos múltiplos espaços locais em todas as regiões do território nacional. E, ainda, precisa integrar os seus vizinhos de fala espanhola como parceiros nesta empreitada, formando com eles um bloco de cooperação sul-americana que esteja determinado para se afirmar na geopolítica e na geoeconomia internacionais através da criação de instituições financeiras autônomas, instrumentos próprios de controle dos recursos naturais, meios de comunicação independentes, um inteligente sistema de segurança militar e, também, pela consolidação e ampliação das capacidades técnico-científicas dos seus membros associados.

Atualmente, você coordena com o seu colega Miguel Ramos, do Instituto de Ciências Biológicas da UFPA, o Trópico em Movimento.Qual será  a prioridade das atividades deste recém-criado Programa Interdisciplinar?

Queremos contribuir para a criação de um denso e operativo mutirão interinstitucional no campo da educação pública que aposte no aproveitamento sistemático da biomassa terrestre e aquática dos múltiplos espaços locais e microrregionais do continente amazônico. Um mutirão que, por sua vez, esteja determinado a transformar as escolas de ensino fundamental e médio em agências de (eco)desenvolvimento que, no âmbito de disciplinas como História, Geografia, Biologia, Química ou Sociologia, devem focalizar as modalidades da ocupação histórica e contemporânea da Amazônia, os ciclos reprodutivos dos seus ecossistemas, bem como opções sustentáveis do seu uso. Também pretendemos fomentar ligações sólidas entre as escolas de nível médio com cursos técnicos e tecnológicos, encarregados de formar profissionais que aprendam a aproveitar todas as complementaridades entre os campos, as pastagens, as florestas e as águas. Paralelamente, queremos incentivar as universidades amazônicas em torno do desafio de tropicalizar a ciência e a tecnologia em benefício da sociedade regional.

Encaramos esta iniciativa, que envolverá a oferta de cursos tecnológicos em diversas mesorregionais do Pará, como uma trincheira fundamental na luta por uma civilização original da biomassa nos trópicos, em sua qualidade de alternativa para o cenário da destruição socioambiental que continua castigando a esmagadora maioria das filhas e dos filhos da Amazônia.

Texto e foto: Divulgação

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