Clipping

‘Bambu elétrico’: cientistas brasileiros transformam planta em substituta para fios e canos

Felipe Souza – @felipe_dessDa BBC News Brasil em São Paulo

Uma casa construída sem fios, encanamentos ou cabos. E que todos esses materiais fossem substituídos por uma única instalação: painés de bambu.

Cientistas brasileiros desenvolveram conectores de bambu capazes de conduzir eletricidade e líquidos por meio dos microcanais da espessura de um fio de cabelo localizados na estrutura da planta. A ideia é que no futuro conjuntos desses canais sejam agrupados e aplicados na construção civil para construir paredes.

Além de baratear o imóvel, usar o bambu como matéria-prima pode tornar o processo mais simples e sustentável.

Com verba destinada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), os autores do estudo patentearam a ideia em agosto de 2019. Eles ainda publicaram um artigo sobre o assunto no Journal Material Chemistry A, da Royal Society of Chemistry, no Reino Unido.

Hoje, eles já pensam no próximo passo e estão debruçados em experimentos, na tentativa de descobrir como transmitir dados por esses microcanais naturais.

A ideia de analisar as estruturas do bambu surgiu quando o pesquisador Omar Pandoli, do departamento de química da PUC Rio, fazia um pós doutorado na China há dez anos. Na época, ele conheceu o professor pioneiro em usar a planta como elemento de reforço leve e sustentável ao concreto na construção civil — no lugar do aço.

Omar Pandoli ao lado de bambus
Image captionPesquisador começou a estudar os microcanais dos bambus há 10 anos durante pós doutorado na China

Na época, o professor pediu para que Omar tentasse preencher os microcanais internos do bambu com algum material em escala nanométrica. A intenção era aumentar a durabilidade e torná-lo mais resistente a ataques de micróbios e à própria decomposição natural.

“Ele queria preencher o bambu com algo que reforçasse a estrutura sem perder as características originais. Na época, tentei preencher com prata, que era a coisa mais barata”, afirmou.

Durante os estudos, ele percebeu que o bambu, ao contrário de outras plantas estudadas, possui microcanais dispostos em linhas naturalmente isoladas. Isso possibilita que sejam transportados materiais diferentes lado a lado sem que eles entrem em contato entre si. Uma vareta de bambu seria capaz de conduzir corrente elétrica e água sem que eles tenham contato. Algo complexo e caro, ele explica, caso fosse produzido industrialmente.

Aos poucos, ele passou a fazer testes químicos nesses microcanais por onde originalmente passa a água que alimenta a planta. Nesse momento, ele identificou que a estrutura desses vasos naturais reage bem a outros elementos, inclusive com boa aderência. O estudo rendeu três artigos científicos, dois publicados em 2019 e um em 2020.

Mas, para aproveitar ao máximo a estrutura do canal, ele precisava fazer estudos em uma escala ainda menor.

Eletricidade sem fio

Em 2018, Omar saiu do Rio para dar uma palestra em Campinas (interior de São Paulo), no Laboratório Nacional de Nanotecnologia. Ele falou a outros cientistas sobre seu estudo e a intenção de explorar os microcanais do bambu e suas reações orgânicas.

Da platéia, Murilo Santiago, pesquisador do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), levantou o braço e questionou. “Você já pensou em colocar materiais condutores nesses canais?”. A intenção dele era saber se a estrutura seria capaz de transportar energia elétrica de uma extremidade à outra, sem a necessidade de fios.

Microfuros em bambu
Image captionCientistas conseguiram pintar paredes de canais que possuem espessura de um fio de cabelo e ainda deixar espaço para passagem de líquidos e energia elétrica

Omar respondeu que não, mas que poderiam fazer uma parceria para testar. Os grupos uniram forças e contou com o trabalho de três estagiários para fazer todos os testes necessários para comprovar a eficácia do sistema.

Em conjunto, os cientistas conseguiram pintar as paredes dos canais do bambu de maneira individual com uma tinta condutora de eletricidade e ainda deixaram espaço para que o microcanal permanecesse oco.

No estudo, eles provaram ser possível fazer os canais do bambu formarem um circuito elétrico e fornecer energia capaz de acender um led (como no teste da imagem abaixo) ou qualquer outro dispositivo que precise de corrente elétrica.

Uma das barreiras encontradas pelos cientistas para construir futuramente painéis sem fio capazes de conduzir eletricidade, dados e até líquidos são os nós que existem nos bambus.

Teste mostra bambu conectando energia
Image captionCientistas provaram ser possível fazer os canais do bambu formarem um circuito elétrico e fornecer energia sem fios

Cada planta pode ter até dez nós que interrompem os canais. Os cientistas agora estão trabalhando para encontrar uma maneira de ligar um bambu ao outro mantendo o fluxo dos canais. Eles disseram já ter identificado possíveis caminhos.

Os pesquisadores também conseguiram desenvolver uma maneira de esquentar e manter aquecido o líquido dentro do condutor. Com isso, é possível programá-lo para que a água entre fria de um lado e saia quente do outro ou até permaneça quente no sistema, funcionando como um aquecedor. Esse sistema também poderia ser aplicado a um chuveiro, por exemplo.

Segundo os cientistas, em casos como esses, canais poderão ser agrupados para suportar uma vazão maior. Também é possível instalar um sensor eletroquímico no canal para avaliar a qualidade da água em tempo real numa piscina ou filtro, por exemplo.

“Nós criamos uma plataforma. Tudo o que você demandar, pode ser miniaturizado. Será possível fazer uma capinha de celular condutora, objetos de decoração, iluminação e todo o tipo de circuito miniaturizado”, afirmou o cientista Omar Pandoli.

Saiba mais em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-51536831

Comente aqui