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Acabou a globalização: o que fazemos agora?

Por Manolo Monereo 01/03/2020 15:59

 
Em 2001, após dez anos de trabalho duro, o foi publicado o livro de John Mearsheimer, “A tragédia das grandes potências” – é bom ressaltar que isso aconteceu antes dos ataques de 11 de setembro. Foi um trabalho único, escrito por um especialista em relações internacionais, no momento triunfante do que foi chamado globalização. É interessante lembrar que, naquele momento, a globalização, sua novidade radical, era exaltada repetidamente pela academia e pela grande mídia; seu caráter irreversível e irresistível era constantemente destacado.

Era um mundo novo e diferente, onde emergia uma “hiperpotência”, os Estados Unidos, que organizava as relações internacionais sob sua hegemonia absoluta. O que é mais importante no livro de Mearsheimer é que ele foi concebido como uma justificação do realismo estrutural, precisamente contra as “novidades” às quais a globalização estava associada. Era importante mencionar o 11 de setembro, porque para o nosso autor, era algo transitório e conjuntural, o que, em muitos aspectos, se parece aos devaneios esperados após vitória sobre o “Império do mal”.

O mundo que Mearsheimer tentou nos explicar era muito diferente do que se pensava e dizia na época. Grandes potências lutando por e pelo poder; um triunfante que aproveita a vantagem obtida para enfraquecer, isolar e fragmentar a antiga União Soviética; outro emergente (a China) obrigado a desafiar a ordem existente e questionar a hegemonia da hiperpotência. No meio, um rígido controle da administração norte-americana de organizações internacionais em torno de uma ideologia (o neoliberalismo), um projeto político (a globalização) e um instrumento decisivo (a financeirização). O 11 de setembro esclareceu bastante o panorama, e colocou fim ao que alguns chamam de “a utopia de 89”; ou seja, o reino da paz universal, a tendência ao governo mundial e a predominância irrestrita dos direitos humanos; a cooperação substituiria o conflito, os dividendos da paz tornariam possível o fim da corrida armamentista e a dedicação desses recursos para resolver os grandes problemas globais. Pouco sobrou do imperialismo, foi substituído por um império de relações de poder indefinidas e indefiníveis, que aguardavam o ataque furioso da multidão. Literatura, e literatura ruim.

Mearsheimer ajudou muito (Peter Gowan entendeu isso, criticamente, desde o início) e a história rapidamente provou que ele estava certo: guerras, conflitos armados permanentes e intervenções norte-americanas diretas na Iugoslávia, Iraque, Afeganistão… Isso tudo foi chamado de “o fim da globalização feliz”. A crise de 2008-2009 mostrou até que ponto a globalização envolvia crises financeiras frequentes e cada vez mais fortes. O capitalismo venceu, desmantelou todos os mecanismos políticos e sociais que o controlavam, e não tinha mais inimigo do que ele próprio. Ele nunca foi capaz de criar outros instrumentos regulatórios, e hoje estamos aguardando uma nova crise sem que possamos conhecer suas dimensões e seus reais custos econômicos e sociais.

A globalização acabou. Não será da noite para o dia, será um processo sempre vinculado às relações de poder existentes. A recente conferência de segurança de Munique fornece muitas pistas sobre a realidade de um mundo em rápida mudança. O sentimento geral era de pessimismo e falta de perspectivas claras. A questão central, um mundo que estava se tornando menos ocidental, uma Alemanha petrificada, cada vez mais marcada por seus demônios internos e sem saber como se colocar nos novos desafios; Apareceu até a nostalgia da antiga ordem em que os Estados Unidos agiam como polícia universal e privilegiavam suas relações euro-atlânticas.

Macrón mostrou sua impaciência e se propôs (depois do Brexit) para ser o condutor de uma União Europeia como sujeito global, com autonomia estratégica e com a vocação de ser parte essencial dessa nova ordem multipolar em construção. Os Estados Unidos fazendo o que sabe, e que é muito simples, tanto que o repete sem dissimulação: lutando contra um desafio existencial para seus interesses estratégicos, chamado China. O governo dos Estado Unidos não consentirá a consolidação de uma potência hegemônica no hemisfério oriental.

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