Dados mostram que o desequilíbrio de gênero na ciência de ponta é um problema mundial.
Menos de 30% dos cientistas do mundo são do sexo feminino. Enquanto discriminação e falta de perspectiva leva brasileiras a buscar reconhecimento no exterior, iniciativas vêm tentando incentivar pesquisadoras no Brasil.”Nos trabalhos de campo, homens – não meus pares – boicotaram minhas atividades, me colocando em perigo físico até. Já fui desrespeitada e humilhada por fiscais federais e assediada por soldados do Exército. E sabe quando o assédio não acontecia? Quando tinha um homem para ‘me proteger’. É difícil fazer trabalho à noite no mato, de boa, sendo mulher”, conta a brasileira Renata Moretti, hoje pesquisadora na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos. “Já tive de inventar algumas vezes que estava com marido ou namorado no campo, ou inventar e falar alto um nome de homem.”
Moretti, que é herpetóloga (zoóloga que estuda répteis e anfíbios), diz que foi somente no exterior que passou a se sentir respeitada como cientista mulher. “Eu achava isso normal. Aqui em Harvard a ficha caiu”, afirma. “E me assustei quando vi o quanto no Brasil eu era desacreditada. Aqui não precisei ver outras mulheres para me espelhar. Eu passei a ser uma pessoa como todo mundo.”
Dados mostram que o desequilíbrio de gênero na ciência de ponta é um problema mundial. De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), apenas 28,8% dos pesquisadores acadêmicos do mundo são mulheres. Entre os 919 laureados com um Prêmio Nobel ao longo da história, a discrepância é ainda maior: são somente 54 mulheres reconhecidas.
Para a bióloga e ecóloga brasileira Laís Maia, pesquisadora na Universidade de Canterbury, na Nova Zelândia, a própria “literatura científica mostra que existe muita discriminação de gênero dentro do mundo acadêmico”.
“Isso fica visível ao longo da progressão da carreira. Durante a graduação, eu tinha mais colegas do sexo feminino em classe, mas a maioria dos nossos professores eram homens”, exemplifica ela, que fez o curso superior na Universidade Federal de Lavras, em Minas Gerais. “Eu ficava sem entender como um curso com tantas estudantes do sexo feminino tinha tão poucas professoras mulheres.”
“Com o tempo, fui percebendo que existem diversas pressões que levam a uma menor presença de cientistas mulheres, não apenas no Brasil, mas ao redor do mundo. Discriminação e preconceito com a gravidez é uma delas”, comenta. “Nunca me esqueço da história de uma colega de graduação que estava grávida e foi discriminada por um professor dizendo que aquela situação, a gravidez, não ‘combinava’ com o espaço acadêmico.”
Um estudo publicado pela revista Nature em outubro de 2016 mostrou como, na prática, a discriminação de gênero ocorre. Os pesquisadores analisaram 1.224 cartas de referência, de 54 países diferentes, utilizadas por pesquisadores em processos seletivos no meio acadêmico. Na comparação, concluiu-se que as direcionadas a mulheres traziam informações menos assertivas do que aquelas para homens. Enquanto um cientista costumava ser apresentado como “um bom profissional”, uma cientista, na maior parte das vezes, era classificada como “ela tem potencial para ser uma boa profissional”.
“Também há a diferença de salários”, aponta Maia. “Um estudo recente [publicado em janeiro pelo periódico Plos One] mostrou que, ao longo da vida, uma cientista mulher na Nova Zelândia recebe 400 mil dólares neozelandeses a menos do que seus colegas do sexo masculino [o equivalente a quase de 1,2 milhão de reais].”
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