Como os bancos centrais inundam de dinheiro o cassino financeiro global. A moeda do mundo, criada do nada, em favor do 0,1%. O papel dos EUA. A ascensão subversiva da China. Uma estudiosa do “novo” capitalismo conta tudo
Por Ann Pettifor | Tradução de Simone Paz
Greenback, greenback, dollar bill
Just a little piece of paper, coated with chlorophyll
—Ray Charles
“Nota de dólar, nota de dólar verde
Apenas um pedacinho de papel, revestido com clorofila ”)
Conhecemos a história porque Henry Paulson, que já foi executivo-chefe da Goldman Sachs e, também, secretário do Tesouro dos EUA durante a última crise, está reunindo os capitalistas do mundo para defender a globalização contra o reshoring, o protecionismo e os controles de imigração. Paulson entende isso como uma guerra de ideias. Nas colunas do Financial Times, defendeu que “a iminente batalha colocará as forças de abertura — enraizadas nos princípios de mercado — contra as de fechamento, em quatro dimensões: comércio, fluxos de capital, inovação e instituições globais”
Essa “batalha iminente” já se inclina a favor da classe dos credores do mundo — com o apoio dos bancos centrais e, em particular, o dos EUA, o Federal Reserve, que emprega sua arma mais potente: o dólar americano, aquele “pedacinho de papel revestido com clorofila”. Suas ações deixam claro que pode não haver um comitê internacional para salvar as pessoas de uma pandemia global, mas existe um comitê internacional criando uma “grande rede de segurança” para salvar as finanças privadas, por causa da pandemia. Os dirigentes dos bancos centrais engajaram-se em uma ação decisiva, expansiva e coordenada internacionalmente para salvar o capitalismo rentista, enquanto os governos de presidentes como Trump, Bolsonaro, Modi e Johnson divertem-se, lidando da pior maneira com a crise da covid-19.
A ascensão do nacionalismo e do protecionismo, que levou esses líderes autoritários ao poder, juntamente com ações extraordinárias dos bancos centrais em apoio aos cassinos financeiros de Wall Street e da City [centro financeiro de Londres], são reações e consequências de “externalidades negativas” típicas da globalização: conectividade e integração. A pandemia não deixa de ser também uma consequência dos riscos sistêmicos à saúde, inerentes à conectividade e à integração do projeto de globalização.
Onde ficam os progressistas nesse debate de ideias que envolve globalização e políticas monetárias? A julgar pelo tom e nível do debate público ocidental, a esquerda se mantém à margem da arena de batalha entre os pró-globalização e os contrários a ela. Tanto a campanha eleitoral liderada por Jeremy Corbyn, quanto a candidatura presidencial de Bernie Sanders nos Estados Unidos, ofereceram uma análise sólida, além de uma profunda compaixão e solidariedade às vítimas da globalização e do colapso climático. Mas suas campanhas costumavam focar, com frequência, em questões domésticas — tais como sistemas de saúde, moradia acessível, a nacionalização das ferrovias, a atenção para os pobres e sem-teto — e ignoraram tanto a infraestrutura financeira globalizada (que torna praticamente impossível a reforma desses setores), como o establishment político que lutará até a morte para defender o sistema.
Essa ignorância sobre os elementos nocivos do sistema monetário internacional e seus impactos no Sul Global abafa o debate e inibe possibilidades radicais. Afinal de contas, não é possível transformar um sistema e redesenhar sua arquitetura financeira internacional, enquanto esse sistema não for compreendido, discutido e debatido
Em outras palavras, para decidir nosso rumo, precisamos entender como chegamos até aqui.
Saiba mais em: https://outraspalavras.net/mercadovsdemocracia/eis-o-sistema-que-e-preciso-destruir/
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