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Perdemos um pioneiro da utopia agroecológica

João Benko, que partiu aos 74 anos, foi criador da fazenda Jerivá e deixa legado de amor pela Terra. “Cientista camponês” demonstrou que é possível produzir alimentos com saúde, respeito à natureza e valorização de conhecimentos tradicionais

Por James Bamford / Por Ivo Poletto

Sei que muitos cultivadores de alimentos agroecológicos partiram antes da hora, mas hoje quero destacar um deles: João Benko, que nos deixou ontem, em Goiânia, depois de um longo tempo de internação por pneumonia bacteriana. Pela sua história de amor à Terra, ao Cerrado de modo especial, e pela paixão com que buscou abrir caminhos para produzir alimentos sem produtos químicos e venenos, não tenho dúvida que ele se torna, no mundo dos Encantados e Encantadas, um padroeiro da agroecologia.

João, sua esposa Divina e os filhos assumiram a frase da fazenda para a sua mesa como atração verdadeira para a diversidade de produtos disponibilizados nos restaurantes Jerivá. Ouvi algumas pessoas colocando a afirmação em dúvida, com certeza vacinados contra as normais mentiras do marketing, mas quem teve oportunidade de conhecer a fazenda referida constatou a verdade da afirmação. Melhor ainda, o gosto dos alimentos revela sua origem e qualidade.

Em diversas oportunidades, nos muitos encontros que tivemos, sonhamos em contar em livro a rica história escondida nos produtos jerivá, os que vêm diretamente da roça e os que vêm da cozinha. Não conseguimos tempo para tornar real o sonho, e agora será mais difícil, porque muitos dos segredos se foram com João. No artigo de hoje vai um pouco do muito que deve ser contado.

De uma comunidade de jovens

O casal João e Divina veio da cidade de Uberlândia, Minas Gerais. Faziam parte de uma comunidade de jovens que desejavam fazer uma experiência de vida comunitária integral. Experiência abortada, como muitas outras, porque os que na época se identificavam e se valiam da ditadura militar levantaram suspeitas de que se tratava de uma célula perigosa de comunistas. Na crise e antes dela, a comunidade contou com o apoio humano e espiritual de Frei Mateus Rocha, e por isso, como ele estava iniciando uma fase nova de sua vida, morando e convivendo com camponeses numa pequena propriedade perto de Abadiânia, em Goiás, o casal aceitou o seu convite de viver com ele e participar da aventura de gerarem a renda necessária para sua vida através do trabalho camponês.

Antes de seguir, uma palavra sobre Frei Mateus. Mineiro, sua renúncia a um segundo período de superior da Congregação dos Dominicanos foi aceita pelo conselho para que pudesse assumir, com diversos educadores e educadoras de primeira linha, liderados por Darci Ribeiro, a construção da UnB com seu projeto de ser referência para a reforma universitária, proposta pelo movimento estudantil e apoiada por muitos educadores. De jeito simples, como bom mineiro do interior, Mateus, na verdade, dialogava como educador e como dominicano com as pessoas de referência reunidas para abrir novos caminhos de formação universitária a partir de sua capacidade e liderança. Pouco antes de ser perpetrado o golpe militar de 1964, como Darci Ribeiro assumiu o Ministério da Educação, Mateus o substituiu na reitoria da nascente UnB, e, uma vez destituído pela ditadura, permaneceu em Brasília para apoiar os que lutaram pela continuidade do projeto da universidade, e de modo especial para estar perto e apoiar os perseguidos pela ditadura.

Quando achou não ser mais tão necessário ficar em Brasília, propôs, e a Congregação aceitou, que fosse morar e viver entre camponeses de Abadiânia – e foi para ser parte de sua comunidade com os camponeses que ele convidou João e Divina.

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