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Três transições para uma Virada Socioambiental

Evitar a “volta ao normal” exigirá trocar energias fósseis pelas renováveis; passar da economia linear, que crê na infinitude, pela circular; e, culturalmente, superar o consumismo e a competição predatória, por uma dignidade frugal

Por Vincenzo Balzani, na Settimana News, traduzido por Luisa Rabolini, no IHU Online

Em uma famosa fotografia da NASA, tirada pela sonda espacial Cassini quando estava a 1,5 bilhão de quilômetros da Terra, nosso planeta aparece como um ponto azul pálido na escuridão cósmica. É muito interessante, e também instrutivo, olhar as fotos da Terra tiradas de muito longe, porque percebemos qual é a nossa condição: somos passageiros de uma nave que viaja no infinito do Universo. É uma nave muito especial que nunca poderá pousar em nenhum lugar, nunca poderá atracar em nenhum porto para reabastecer ou descarregar resíduos.

E se algo não funcionar ou quebrar, temos que arrumar tudo sozinhos, sem nem mesmo poder descer. Acho que se deveria mostrar esta foto em que a Terra aparece como um pontinho e comentar este conceito da Terra como uma Nave Espacial em todas as escolas e, mais ainda, nos cursos universitários que direcionam para a carreira política.

De volta à normalidade?

Um vírus se espalhou recentemente em nosso planeta, o SARS-CoV-2, que causou uma crise sanitária da qual estamos saindo com muita dificuldade. À medida que a crise vai passando, aumenta o desejo de um “retorno à normalidade”, isto é, à situação anterior ao desenvolvimento da pandemia.

Muitos esquecem que a chamada normalidade era caracterizada por duas outras crises: a crise ecológica e a crise social. Duas crises certamente não menos graves do que a crise sanitária provocada pelo vírus, que causou cerca de 190.000 mortes na Europa e 35.000 na Itália. Números que impressionaram a opinião pública, pelo menos aquela parte da opinião pública que não sabe que a poluição causa cerca de 650.000 mortes na Europa todos os anos, portanto 3 vezes mais do que aquelas causadas pelo vírus. Na Itália, as vítimas da pandemia, cerca de 35 mil, foram menos da metade daquelas, cerca de 80 mil, causadas a cada ano pela poluição.

A pandemia certamente está causando também muitos danos sociais, mas devemos nos lembrar que antes dela, ou seja, na situação de normalidade a que muitos dizem querer voltar, na Itália havia 5 milhões de pessoas em pobreza absoluta e outros 9 milhões em pobreza relativa, e que o 1% mais rico possuía tanto quanto os 70% mais pobres.

Não faz sentido, então, voltar à chamada normalidade, também porque está cientificamente provado que são justamente as duas crises ecológicas e sociais que provocam e propagam as pandemias. Segundo os cientistas, de fato, o vírus passou de animais silvestres para o ser humano devido aos nossos erros na relação com a Natureza: degradação do meio ambiente, mudanças climáticas, antropização exagerada do solo, perda de biodiversidade, derrubada de florestas, uso desproporcional dos recursos, consumo crescente de produtos de origem animal, incluindo produtos silvestres pelos mais pobres.

Os vírus são de alguma forma “refugiados” da destruição ambiental causada pela ocupação progressiva do homem em todos os ambientes naturais. Eles estavam bem nas florestas e nos corpos de alguns animais silvestres, nós os obrigamos a sair de seus habitats e eles aproveitaram a ocasião para se multiplicar em nossos corpos. Lembro que em um seu recente livro, um grande cientista, Edward Wilson, propõe provocativamente deixar metade da Terra para a natureza se quisermos viver bem neste planeta.

As três transições necessárias

Tudo isso nos diz que devemos aproveitar a saída da pandemia como uma oportunidade para tentar remediar as crises ecológica e social, ou seja, corrigir nosso modelo de desenvolvimento e para nos direcionar ao imprescindível objetivo da sustentabilidade, ecológica e social. De fato, como escreveu o Papa Francisco na encíclica Laudato Sí’:

Não existem duas crises separadas, uma ambiental e outra social, mas uma única e complexa crise socioambiental que deve ser enfrentada com uma visão unitária dos problemas ecológicos e econômicos.

Para sair da crise ecológica e social, precisamos realizar três passos concretos para frente, em direção ao futuro. Como nos lembram Greta e os outros jovens do Fridays for Future, é um dever que temos para com os nossos jovens. Os três passos que precisamos realizar são três transições para corrigir nosso modelo de desenvolvimento: a transição energética dos combustíveis fósseis para as energias renováveis, a transição econômica da economia linear para a economia circular e, finalmente, a transição cultural do consumismo para a sobriedade.

A transição energética

Os combustíveis fósseis são muito cômodos de usar, mas há mais de 30 anos percebemos que seu uso causa dois problemas graves: a poluição, já mencionada, e as mudanças climáticas.

Hoje no mundo consumimos, a cada segundo que passa, e os segundos passam rápido, 250 toneladas de carvão, 1000 barris de petróleo e 105.000 metros cúbicos de gás metano produzindo, sempre a cada segundo, 1000 toneladas de dióxido de carbono, CO2. Esse gás, liberado na atmosfera, envolve o globo como um manto que permite que os raios do sol atinjam o solo, mas depois impede que o calor escape. O acúmulo de dióxido de carbono ao redor da Terra, portanto, provoca um efeito estufa que produz a mudança climática.

Em dezembro de 2015, após 25 anos de discussões, 196 países reunidos sob a égide da ONU firmaram um acordo, conhecido como Acordo de Paris, com o qual se reconhece na mudança climática o perigo mais grave para a humanidade. Como se sabe, a mudança climática provoca o derretimento do gelo, a elevação do nível do mar, o avanço da seca em muitas regiões do mundo, eventos climáticos violentos e, se não a determos, causará danos irreversíveis ao planeta.

Sob a égide da ONU, também há algum tempo se formou um painel de cientistas, o famoso IPCC, que estuda a tendência das mudanças climáticas e sugere aos políticos o que deve ser feito para detê-las. Na encíclica Laudato Sí’, escrita com a consultoria de cientistas muito competentes, o Papa Francisco afirma vigorosamente que

Os combustíveis fósseis devem ser substituídos sem demora, mas que a política e a indústria respondem lentamente, longe de estarem à altura dos desafios.

Abandonar o uso de combustíveis fósseis, dos quais obtemos grande parte (cerca de 80%) da energia que utilizamos, pode parecer um problema sem solução; a solução, ao contrário, existe: consiste em desenvolver e utilizar energias renováveis fornecidas pelo sol, pelo vento e pela chuva em vez de combustíveis fósseis. Essas energias não produzem CO2 nem poluição; além disso, fornecem diretamente energia elétrica, uma forma de energia muito mais eficiente do que o calor gerado pelos combustíveis fósseis.

Os cientistas demonstraram que não apenas essa transição pode ser feita, mas que, além de eliminar a poluição e conter as mudanças climáticas, é muito vantajosa por outros motivos. Estimativas aceitas de muitos economistas, incluindo o ganhador do Nobel J. Stiglitz, avaliam que as energias renováveis, com o mesmo capital investido, criam três vezes mais empregos do que as fontes fósseis, motivo pelo qual os investimentos nas energias renováveis também são os mais eficazes para o relançamento da economia.

Uma equipe da Universidade de Stanford fez uma pesquisa detalhada sobre os benefícios que a transição trará a vários países. No caso da Itália, o estudo afirma que a energia necessária pode ser obtida essencialmente de origem eólica, fotovoltaica e hidrelétrica, com um pequeno contributo geotérmico. Também estimou que não mais de 0,26% do território será ocupado para a construção das estruturas necessárias, que se criarão 138 mil empregos para a construção das usinas e outros 140 mil para a operação.

Saiba mais em: https://outraspalavras.net/outrasmidias/tres-transicoes-para-uma-virada-socioambiental/

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