A propaganda da direita insiste em dizer que o socialismo é inimigo da liberdade individual. Na verdade é o contrário: a tarefa da sociedade socialista é a de garantir que todas as necessidades básicas sejam atendidas — providenciadas gratuitamente — para que as pessoas possam fazer exatamente o que querem e quando querem.
Por David Harvey / Tradução Isabela Gesser
Otópico sobre liberdade foi levantado enquanto eu estava dando algumas palestras no Peru. Os estudantes de lá estavam muito interessados na seguinte questão: “o socialismo demanda certa renúncia da liberdade individual?”
A direita tem se apropriado do conceito de liberdade como algo próprio, utilizando-o como arma na repressão da luta de classes contra os socialistas. “A submissão daquilo que é individual para controle do Estado, impostos pelo socialismo ou comunismo, é algo a ser evitado”, eles diziam, a qualquer custo.
Minha resposta foi no sentido de que não devemos desistir da concepção de liberdade individual por ser parte do que é, de fato, o projeto socialista de emancipação. A conquista de libertação e liberdade é uma ambição central desses projetos emancipatórios. No entanto, demanda-se a construção coletiva da sociedade para que haja essas conquistas, de modo que cada pessoa tenha oportunidades e possibilidades adequadas de vida, e por fim, que cada um possa realizar com suas devidas potencialidades.
Marx e a liberdade
Marx tinha algumas coisas bem interessantes a dizer sobre esse assunto. Uma dessas é: “o reino da liberdade só começa, de fato, quando o domínio da necessidade é deixado para trás.” A liberdade é insignificante se você não tem o que comer, se o acesso a um sistema de saúde adequado lhe é negado ou se negam coisas como o direito à moradia, ao transporte, à educação, e coisas do tipo. O papel do socialismo é de garantir essas necessidades básicas para que as pessoas sejam livres em poder fazer exatamente o que querem.
O ponto final da transição socialista é um mundo cujas capacidades e poderes individuais sejam inteiramente libertos do querer, das necessidades, e de outras restrições político-sociais. Ao invés de permitir que a direita monopolize a noção de liberdade individual, precisamos resgatar a ideia de liberdade através do socialismo.
No entanto, Marx já apontava que a liberdade é uma faca de dois gumes. Os trabalhadores em uma sociedade capitalista, segundo ele, são livres em um duplo-sentido. Eles podem oferecer sua força de trabalho livremente dentro do mercado a quem quer que seja, assim como podem oferecer quaisquer condições de contrato, sendo livres também para negociar.
Mas, ao mesmo tempo, estão presos, pois foram “libertos” de qualquer forma de controle e de acesso aos meios de produção. Portanto, para que possa viver, o trabalhador entrega a sua força de trabalho ao capitalista, constituindo uma divisória em sua liberdade.
Para Marx, essa é uma contradição central da liberdade sob o capitalismo. No capítulo “O Dia de Trabalho” em O Capital, ele coloca da seguinte forma: o capitalista é livre para dizer ao trabalhador: ‘’eu quero emprega-lo pagando o menos possível e para realizar, precisamente, em maior quantidade de horas, o trabalho que eu especificar. É isso que eu exijo ao contrata-lo.’’ E o capitalista é livre para fazer isso em uma sociedade mercantil pois, como sabemos, a sociedade mercantil é sobre demandar isso ou aquilo.
Por outro lado, o trabalhador também é livre para dizer, ‘’Você não tem o direito de me fazer trabalhar 14 horas por dia e nem o de fazer o que bem entender com a minha força de trabalho, especialmente quando isso encurta ou põe em risco o meu tempo de vida, minha saúde e meu bem-estar. Só estou apto a realizar um dia de trabalho justo se for com um pagamento diário justo’’.
Dada a natureza da sociedade mercantil, tanto o capitalista quanto o trabalhador estão certos em termos daquilo que exigem. Então, diz Marx, ambos estão igualmente certos perante as leis de trocas que predominam no mercado. Entre direitos iguais, e então ele diz, a força é que decide. Entre o capital e o trabalho, a luta de classes é quem decide essa questão. O resultado está no poder de relação entre capital e trabalho, no qual em algum ponto pode se tornar coercivo e violento.
Saiba mais em;https://jacobin.com.br/2020/10/os-socialistas-sao-os-verdadeiros-lutadores-da-liberdade/
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