Uma tomada de poder antidemocrática por políticos de extrema direita no Peru foi derrotada pela mobilização popular nas ruas. A crise política peruana tem raízes profundas em um modelo fracassado de governança tecnocrática e neoliberal que transformou o Estado em um joguete de interesses privados.
Por Peter Leys
Na noite de sábado, 14 de novembro, dois jovens perderam a vida nas maiores manifestações que o Peru presenciou em vinte anos. Em todo o país, centenas de milhares de pessoas saíram às ruas para protestar contra a destituição do presidente Martín Vizcarra e a tomada do poder por um grupo corrupto de parlamentares.
Esses políticos tentaram apresentar a remoção de Vizcarra como uma transferência legal de poder, mas os manifestantes nas ruas de forma mais realista viram isso como um golpe. Isso não significava que um líder militar carismático chegasse ao poder, mas sim um grupo de operadores políticos promovendo abertamente os interesses financeiros privados. O sistema político peruano chegou a um impasse e as ruas retomaram o poder, forçando o presidente interino Manuel Merino a se afastar após menos de uma semana no cargo.
No vizinho Chile, a oposição ao governo de direita de Sebastián Piñera e à antiga constituição neoliberal do país vem ganhando força ao longo do tempo, levando a um referendo bem-sucedido que agora dá início ao processo de reescrita da Constituição.
O Peru, por outro lado, experimentou uma rápida queda na turbulência política. A renúncia de um presidente interino assim que ele chegou ao poder foi um grande choque, deixando o país com um vácuo político. O que une Peru e Chile é o repúdio popular a um regime político em implosão.
Raízes da crise
Para muitos observadores, o Peru nos últimos anos parecia ser uma história de sucesso neoliberal na América Latina. Após um longo período de violência política, crise econômica e governo autoritário, as duas últimas décadas foram caracterizadas por transferências democráticas de poder e crescimento econômico baseado na extração de recursos naturais.
A transição para a democracia em 2000 trouxe eleições transparentes, separação de poderes e um amplo processo de descentralização. O Peru não passou por um ciclo de mobilização popular e políticas populistas de esquerda do tipo visto no Equador ou na Bolívia.
A eleição de um nacionalista autoproclamado, Ollanta Humala, como presidente em 2011, deu esperanças a quem queria aumentar o papel do Estado peruano na economia do país. No entanto, uma vez que Humala foi instalado no poder, ele diminuiu suas promessas de campanha e evitou políticas econômicas que pudessem antagonizar o poderoso lobby empresarial, a CONFIEP (Confederação Nacional das Instituições de Negócios Privados).
Para entender a destituição do presidente Vizcarra, é preciso considerar a desaceleração de uma economia baseada nas exportações de minerais, o aumento de escândalos de corrupção e um conflito político entre o Executivo e o Legislativo do Peru.
A queda do preço dos minerais no mercado mundial e a consequente perda de receitas em divisas puseram fim ao “milagre” econômico peruano. Como resultado, os aluguéis que costumavam gotejar pelo estado e pela sociedade do Peru diminuíram drasticamente.
Enquanto isso, houve um impacto na política peruana da investigação do Lava Jato (lava-jato) do Brasil, que investigou a construtora brasileira Odebrecht e os enormes subornos que seus funcionários admitiram pagar em outros países.
As consequências do escândalo acabaram alcançando os mais altos escalões da classe política do Peru, engolfando todos os quatro presidentes do país nos anos entre 2001 e 2018: um suicidou-se para evitar a entrega à polícia, um foi colocado em prisão preventiva, um está sob prisão preventiva prisão e outro ainda está lutando contra a extradição dos Estados Unidos.
Em 2016, houve um segundo turno presidencial entre dois candidatos: Keiko Fujimori (filha do autoritário ex-presidente Alberto Fujimori, que ocupou o cargo de 1990 a 2000) e Pedro Pablo Kuczynski, um liberal idoso. Kuczynski venceu o segundo turno por uma margem estreita: 50,1 por cento a 49,9 por cento – apenas quarenta mil votos em mais de dezoito milhões de votos.
Saiba mais em: https://www.jacobinmag.com/2020/12/peru-neoliberalism-protest-congress-coup-corruption
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