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As mineradoras que mais ameaçam (e devem) no país

Cidades próximas a barragens vivem insegurança sob risco de novos acidentes, enquanto empresas devem R$ 8,6 bi só de débitos irregulares sobre impostos à União. Conheça os empresários, herdeiros, políticos e grupos estrangeiros por trás

Por Caio de Freitas Paes| Infográficos: Bruno Fonseca e Larissa Fernandes

O tempo passa, mas a agonia de mais de 5 mil moradores nos arredores de Sarzedo (MG) permanece como legado do rompimento da barragem da Vale na vizinha Brumadinho. Duas semanas depois do ocorrido, a comunidade em torno do bairro Brasília agrupou-se para cobrar segurança em relação à barragem de outra mineradora, a Itaminas S/A, a 6 km do palco da tragédia. À época, não havia nem sirenes para avisá-los caso ela entrasse em colapso, segundo moradores ouvidos pela Agência Pública. “Primeiro veio o baque, a tristeza, mas depois saímos batendo de porta em porta, chamando o pessoal pra conversar sobre o que a Itaminas faz conosco”, diz Maria José Ramos Soares. Conhecida como dona Lia, ela e a comunidade vivem ressabiadas com a B4, uma das três barragens da empresa diante de suas casas, a 50 km de Belo Horizonte.

As barragens foram construídas pelo mesmo método daquela rompida em Brumadinho, na mina Córrego do Feijão, tido como mais barato e inseguro. A B4 da Itaminas, de quase 100 metros de altura, amedronta: no pior cenário, estima-se que seus 3,5 milhões de metros cúbicos de rejeitos varrerão diversos bairros rumo ao rio Paraopeba, matando-o pela segunda vez. Muitos moradores não podem fugir pelas rotas criadas pela empresa, com subidas íngremes. “Eu vivo a 8 minutos de uma tragédia”, diz dona Lia.

Outra moradora, Maria Verônica Firmo dos Santos, reforça o temor e denuncia: “Foi em 2015 que gente de confiança nossa, que trabalhava lá [na mineradora], registrou deslizamentos em uma das barragens”. “Mas só em 2019 que descobrimos que a secretaria de Meio Ambiente [de MG] não sabia, como também não sabia que a empresa fez remendos na barragem!”, afirma. Procurada pela reportagem, a secretaria não confirmou nem negou a denúncia.

O caso da barragem B4 não é o único impasse da Itaminas com o governo e a população. Ela deve mais de R$ 500 milhões para Minas Gerais, por calotes no Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Trata-se de uma das maiores caloteiras do setor mineral no país, segundo o Ministério da Economia.

Ao todo, mineradoras deviam pelo menos R$ 56,4 bilhões para a União, estados e municípios até agosto de 2020 – incluindo calotes e dívidas em pagamento, consideradas regulares. Somente os débitos irregulares somam R$ 8,6 bilhões, ou seja, pouco menos de um quinto do total. Os dados foram obtidos via Lei de Acesso à Informação (LAI).

A Pública concentrou-se nos calotes e encontrou de tudo um pouco por trás deles. Há acidentes com trabalhadores, débitos com a Previdência, multas por transporte irregular de substâncias tóxicas, não pagamento de salários e direitos trabalhistas, além de sonegação fiscal, todos de mineradoras junto ao Ministério da Economia.

“As dívidas nunca aparecem na narrativa do setor, que divulga amplamente suas receitas, mas não suas despesas e problemas”, diz Bruno Milanez, professor da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e coordenador do grupo Política, Economia, Mineração, Ambiente e Sociedade. Para ele, o modelo da mineração no país retém os ganhos para as empresas enquanto deixa o ônus para a sociedade.

Mineradora tentou saldar R$ 500 mi em dívidas com obras de arte

A Itaminas conquistou renome graças às suas reservas minerais no Quadrilátero Ferrífero, exploradas há quase 60 anos. Seus responsáveis são pessoas influentes como Júlio Arnoldo Laender, um dos prefeitos biônicos de Belo Horizonte no tempo da ditadura militar, e Bernardo de Mello Paz, criador e dono do Museu Inhotim. As peças alocadas no museu quase sanaram as dívidas da empresa no início de 2020.

Em março, o presidente da Itaminas, Bernardo Paz, e o governo de Romeu Zema (Novo) combinaram que Inhotim cederia 20 de suas obras ao estado, quitando sua dívida de R$ 500 milhões. A Pública procurou a Advocacia-Geral de Minas Gerais (AGE) para conhecer os detalhes das negociações, mas descobriu que o órgão não participou das tratativas. A informação foi dada pela própria AGE, que alega que os termos do acordo foram firmados em 2018.

Fato é que a juíza Bárbara Bomfim, da 1ª Vara de Feitos Tributários, barrou o acordo em 8 de outubro de 2020. Na sentença, Bomfim registra a “necessidade premente de receitas tributárias para fazer frente à calamidade de saúde pública atualmente vivida”, referindo-se à pandemia. Diz também: “É evidente que a solução adotada pela Administração Fazendária [de Minas Gerais] é contrária ao interesse público”.

À Pública, a Advocacia-Geral disse que o pagamento de dívidas por meio de obras de arte está previsto nas leis estaduais e que cabe à justiça de Minas Gerais “decidir a respeito” do acertado entre governo e Itaminas. Já Bernardo Paz disse que “confia na legalidade do acordo” e “aguarda a posição definitiva do Poder Judiciário”.

Não é o primeiro problema do dono de Inhotim e Itaminas com a Justiça. Em 2017, ele foi condenado pelo uso de uma empresa de fachada para movimentar quase US$ 100 milhões longe do fisco. Segundo o Ministério Público Federal (MPF), o valor incluía repasses à mineradora, e o empresário foi sentenciado a mais de nove anos de prisão por lavagem de dinheiro, sonegação fiscal e previdenciária.

Bernardo Paz alegou que as provas eram insuficientes e foi inocentado, em segunda instância, um mês antes de acertar-se de vez com o governo mineiro. A Procuradoria Regional da República, atual responsável pelo caso, disse que não recorrerá “por entender que, no mérito, a decisão estava tecnicamente correta”.

A Itaminas segue ao largo das polêmicas. Parada por meses em 2019, sua mineração retomou as atividades no primeiro trimestre de 2020. As atividades ganharam fôlego com 120 mil toneladas de minério compradas de uma subsidiária da Vale, até então inutilizadas em um canteiro vizinho ao palco da tragédia em Brumadinho.

A operação foi criticada por moradores, já que o transporte do minério espalhou poeira tóxica em suas casas e nas ruas do bairro. “Aqui, a força do dinheiro fala alto. Eles colocaram advogados pra trabalhar sem parar, e na virada do ano [de 2019] já voltaram com tudo”, diz dona Lia Soares. A Secretaria Estadual de Meio Ambiente rebate ao dizer que “as vistorias e fiscalizações realizadas não demonstraram evidências dos fatos apontados” e que “todas as autorizações para a operação e retomada dos trabalhos estão devidamente acompanhadas pelo Poder Judiciário”.

É importante ressaltar que a Itaminas tem também multas por crimes ambientais, como mostram dados do Ibama compilados pelo observatório De Olho nos Ruralistas. Uma de suas siderúrgicas, em Sete Lagoas (MG), foi punida em quase R$ 6 milhões por desmatamentos ilegais em 2008 e 2014. Uma das multas, de mais de R$ 1 milhão, já prescreveu, e o resto não foi quitado. Mas o valor dessas punições não entra nas contas do Ministério da Economia, porque sua cobrança é uma responsabilidade da Procuradoria-Geral Federal (PGF).

À Pública, a PGF informou que existem ao menos outros R$ 9,2 bilhões de multas do Ibama não pagas, sem explicar quanto se refere às mineradoras.

As mineradoras de ferro como a Itaminas sobressaem nas dívidas do setor. Segundo o Ministério da Economia, a cada R$ 100 devidos, tanto em situação regular quanto irregular, R$ 83 provêm de mineradoras de ferro.

Tanto no setor quanto no ranking geral, a Vale lidera disparada, afinal é responsável por mais de R$ 40 bilhões em dívidas. O valor inclui infrações judiciais por conta dos desastres em Mariana e Brumadinho, por exemplo, e grande parte dos débitos está regular ou foi suspenso por decisões da Justiça.

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