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Dowbor: o fim do capitalismo e o que virá depois

Por que as antigas lógicas de dominação estão se tornando ineficazes. Como o sistema recicla-se, para explorar e oprimir por outros meios. Que brechas abriram-se para lutar por sociedades de compartilhamento, igualdade e colaboração.

Por Ladislau Dowbor

VI. A PERDA DO CONTROLE:UMA SOCIEDADE EM BUSCA DE NOVOS RUMOS

A realidade é que tudo se acelerou de maneira dramática. O tempo social funciona em ritmos diferentes para as tecnologias, que avançam de uma maneira que nos atropela; para a cultura, que evolui de maneira muito mais lenta; e para as leis, que mudam apenas quando as transformações acumuladas estão literalmente implodindo o arcabouço legal herdado. As peças se desajustam. O Senado estadunidense convoca um Mark Zuckerberg para entender o que está acontecendo. O criador do sistema responde que não tinha ideia das implicações e pede desculpas. Bilhões de pessoas atolam num sistema cujas dinâmicas mais amplas ninguém previu, entrando como cegas num jogo arriscado. Estamos sempre atrasados relativamente aos avanços das tecnologias, tentando encontrar a posterioriregras do jogo adequadas para uma realidade que sempre se adianta. O que fazer com a uberização, ou com a invasão eletrônica da privacidade, ou com a armadilha da dívida?

Diretamente ligada às transformações tecnológicas, que desorganizam a governança da sociedade pela disritmia na mudança das diversas instâncias sociais, está a questão da globalização, termo que usamos como abreviatura de uma dramática complexidade na reorganização da base territorial da governança. Que espaço de decisão tem um governo no plano nacional quando o sistema financeiro é global? Adultos bem formados dão pulos de alegria em Wall Street, gritando “greed is good”, e se mostram surpresos quando milhões de usuários de crédito perdem as suas casas e quando bancos como Lehman Brothers fecham. A desproporção entre o volume de recursos que manejam e a sua ignorância dos impactos é impressionante. Filmes como Trabalho Interno(de 2010, dirigido por Charles Ferguson), O capital(de 2013, dirigido por Costa-Gavras), entre outros, mostram de maneira dramática ou divertida a irresponsabilidade e as dimensões caóticas do sistema. Para 850 milhões de pessoas que passam fome, para 6 milhões de crianças que dela morrem todo ano, não há nada de divertido neste caos irresponsável.

Temos tecnologias e sistemas produtivos do século XXI convivendo com cultura, instituições e leis feitas para o século passado. Temos governos nacionais para uma economia em grande parte globalizada. Em outros termos, dilema que teria interessado Karl Marx, temos uma superestrutura criada para regular a sociedade burguesa da era industrial coabitando com uma base econômica que já migrou para esfera digital. As pessoas se dão conta de que é vital para a sobrevivência de um governo e da sua política econômica a opinião formalmente declarada de três empresas privadas de avaliação de risco – Fitch, Moody’s e Standard & Poor’s – , dispensando-se a opinião da cidadania? A quem pertencem essas empresas, denunciadas pela The Economistcomo oligopólio irresponsável e que definem o destino dos nossos governos?

Os desajustes são sistêmicos. A erosão planetária de governança – basta contar os governos surrealistas, a começar pelo de Trump – tem impactos catastróficos. Só os alienados não percebem que estamos destruindo o planeta, a própria base da nossa sobrevivência, e que o fazemos para o proveito do já clássico 1% de mais ricos, que apresentam a particularidade de serem improdutivos, quando não danosos. No Brasil, depois de aprovarmos um mínimo de regras de bom senso na Constituição de 1988, passamos a enfrentar uma revolta por parte de uma oligarquia que considera que os seus já indecentes privilégios não estão suficientemente contemplados. Em vez de mexer nos privilégios, mexemos na Constituição. Também se diz que os interesses dos ricos não cabem nas urnas. Entre os interesses e a democracia, para a oligarquia dos mais ricos, não há hesitação, ainda que terminem também prejudicados quando a crise se generaliza, com conflitos e recessões. A racionalidade ocupa espaços limitados no nosso cérebro quando se trata de política.

Joseph Stiglitz hoje faz figura de subversivo quando escreve um tratado do óbvio, de que temos de mudar as regras do jogo: é forte o seu Rewriting the Rules of the American Economy, que já vimos aqui, em que clama por uma prosperidade compartilhada para que o sistema volte a funcionar; o Roosevelt Institute amplia a análise com NewRulesforthe21stCentury. O PlanoB4.0, de Lester R. Brown, escancara a tragédia ambiental que criamos no planeta, clamando por um plano B justamente porque o plano A com o qual vivemos, o vale-tudo chamado de “livre-mercado” ou de “neoliberalismo”, é desastroso. Já não se contam as iniciativas como The Next System Project, nos Estados Unidos, New Economics Foundation, no Reino Unido, Alternatives Économiques, na França, e tantas outras pelo mundo. Propostas como as de Bernie Sanders, apelando para salários mais decentes e uma sociedade mais democrática, aparecem hoje como constituindo simples bom senso para tantas pessoas que entendem minimamente de política econômica. E os objetivos do desenvolvimento sustentável, os ODS, marcam claramente as reorientações que são indispensáveis ao nosso equilíbrio, mas com toda a fragilidade dos acordos baseados em muita boa vontade e poucos recursos.

É bem-vinda essa busca que hoje nos traz um manancial de novas análises. A verdade é que o que chamamos de mercado, no sentido tradicional, de muitas empresas buscando satisfazer os clientes, sujeitando-se a mecanismos de concorrência, tornou-se marginal. Assumiram os gigantes corporativos e os mecanismos de oligopólio que encontramos nas plataformas planetárias, nos tradersde commodities, na grande mídia, nos bancos, nos fundos de pensão, nos planos de saúde, nos crediários, nas seguradoras, nas telecomunicações, na indústria farmacêutica, no mundo dos agrotóxicos e em tantos outros segmentos hoje financeirizados, que não são controlados nem pelo consumidor (concorrência de mercado), nem por governos (sistemas de regulação). Continuam a se chamar de “mercados”, mas se trata claramente de um empréstimo de legitimidade, de um engodo. E os responsáveis se chamam de CEOs empresariais, quando fazem política de manhã a noite.

Saiba mais em: https://outraspalavras.net/crise-civilizatoria/dowbor-o-fim-do-capitalismo-e-o-que-vira-depois/

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