Conversamos com o lendário cineasta Adam Curtis sobre política, poder, música e seu novo documentário Can’t Get You Out of My Head.
Uma entrevista com Adam Curtis / Tradução Guilherme Cianfarani
Acarreira do cineasta britânico Adam Curtis parece uma série de anomalias bem no coração da BBC. Seus filmes se diferenciam totalmente da produção do canal. O primeiro episódio da sua série The Trap (2007), que cobre a ascensão da teoria dos jogos no início da paranóia da Guerra Fria, começa com um título arrepiante (“os seres humanos sempre vão trair você”), e foi ao ar no canal BBC 2 logo após a enorme cobertura de Crufts – um concurso internacional de cães.
No entanto, hoje em dia os filmes de Curtis estão todos democraticamente disponíveis online e são muito populares entre os jovens. Eles são primordialmente documentários, mas sua abordagem está mais próxima da poesia ou da videoarte do que da narrativa tradicional da televisão. Curtis também cautelosamente evita rótulos políticos pré existentes, às vezes fazendo críticas marxistas revolucionárias à instabilidade capitalista, às vezes se manifestando como um técnico-utópico libertário. Uma linha consistente, porém, em suas trilhas sonoras emocionais e seu estilo visual barroco é o seu romantismo inabalável. Ele quer gerar um sentimento no espectador – não simplesmente explicar o mundo.
A nova série de Curtis, Can’t Get You Out of My Head, é um épico genuíno, uma série em seis partes dividida em oito horas que mapeia o fluxo e o refluxo da sociedade à medida que se move do coletivismo para o individualismo. Seu acesso irrestrito ao arquivo da BBC equipa cada episódio com uma espécie de olho que tudo vê, que o diretor usa para localizar e explicar o poder conforme ele muda de mãos, desenraizando o mundo.
Tudo começa com uma citação do antropólogo David Graeber em caixa alta com a fonte Helvética em negrito, marca registrada de Curtis – A VERDADE ESCONDIDA DO MUNDO É QUE É ALGO QUE FAZEMOS E PODEMOS FACILMENTE FAZER DIFERENTEMENTE. À medida que evolui, a série tenta entender por que essa verdade última está realmente oculta e não é totalmente óbvia. Ao longo de cada episódio (o último dura cerca de 120 minutos), Curtis explora essa questão emocionalmente com histórias de indivíduos que tentam transformar o mundo moderno – da esposa de Mao Zedong, Jiang Qing, ao dissidente russo Eduard Limonov e a Afeni Shakur, mãe do rapper Tupac e ex-Pantera Negra.
De seu apartamento na zona oeste de Londres com seus gatos ao redor, Curtis sentou-se comigo no Zoom para discutir sua nova série, a esquerda populista, teorias da conspiração e seu amor pela música.
ME
Você escolheu “Uma história emocional do mundo moderno” como o subtítulo para esta nova série. Por que “emocional”?
AC
Queria explicar porque nos sentimos tão ansiosos quanto ao futuro. Sabemos que não estamos satisfeitos pelo que temos hoje, mas ninguém quer encontrar uma alternativa. Eu queria explicar essa paralisia a partir do surgimento do individualismo, que deixou as pessoas ansiosas e sozinhas enquanto prometia libertá-las.
Na era do indivíduo, nossos sentimentos são colocados no centro do palco, e fomos ensinados que o que sentíamos por dentro era a coisa mais importante e, de fato, o consumismo respondeu a isso. Então, eu queria mapear uma história “emocional” porque estava interessado na ideia de que a forma como você se sente é relevante para o sistema do qual você faz parte – o que é uma ideia esquecida, na verdade.
ME
Sua série anterior seguiu as estruturas convencionais de narrativas até certo ponto; parece mais uma colagem onde as histórias são tecidas juntas de uma maneira não linear. Por que você escolheu fazer isso?
AC
Em parte porque estou impaciente e quero tentar coisas diferentes. Mas principalmente porque eu queria fazer algo que parecesse mais um romance de formação, com várias partes – como costumavam escrever no século XIX.
ME
Um dos personagens em que você se concentra é Abu Zubaydah, cujo cérebro foi reduzido a imagens aleatórias pela tortura da CIA. Esta série parece um pouco contada por meio do cérebro de Abu Zubaydah.
AC
Bem, no final do filme eu tinha uma linha narrativa em que disse: “Todos nós nos tornamos como o cérebro de Abu Zubaydah”, mas removi porque achei que estava forçando demais, deveria deixar as pessoas resolverem as coisas por si mesmas. E eu estava certo – você resolveu. A questão sobre Zubaydah, entretanto, não é a tortura, mas que ele teve um fragmento de bala alojado em seu cérebro em 1991, e isso causou esse efeito onde nenhuma de suas experiências fazia mais sentido. Eu argumento que todos nós nos tornamos assim.
ME
A série parece desconcertante e caótica intencionalmente , mas a história também é desconcertante e caótica. Existe um conflito entre fazer um filme narrativo coerente e permanecer fiel a uma descrição caótica da história?
AC
Eu queria fazer as duas coisas. Eu queria descrever como é viver ao longo da história na era do individualismo, onde você está sozinho tentando entender tudo isso.
ME
Você traça esta era do indivíduo que surgiu depois da Segunda Guerra Mundial e supostamente libertou a sociedade, mas agora diz que ela vive sua decadência, que não é mais divertido ser um indivíduo. O gênio pode ser colocado de volta na garrafa?
AC
Não – você não pode colocá-lo de volta. As pessoas tinham muito medo dos grandes esforços coletivos do século XX para mudar o mundo, que muitas vezes levavam ao terror. A era do indivíduo surgiu da democracia de massa como uma reação a isso. Mas para onde realmente é levado – tanto no Reino Unido, nos Estados Unidos e em lugares como a Rússia e a China – é para indivíduos sem poder, todos querendo algo diferente, sem nenhuma ideia de como consegui-lo. Acho que algo mais vai surgir em breve, um novo tipo de política que permite que você seja um indivíduo expressivo, mas também parte de algo que é maior do que você. Se pudéssemos retomar o controle da internet das mãos do capital de risco, seria um ótimo começo.
ME
Você fala bastante sobre a transferência da política para o universo da cultura, onde o radicalismo simplesmente fica lá fazendo muito barulho.
AC
Bem, eu sou profundamente cético sobre o radicalismo na arte. Quando você teve a ascensão de Thatcher e Reagan na década de 1980, a esquerda e os liberais se retiraram para a cultura, pensando que poderiam mudar as coisas a partir daí. Mas as coisas não mudaram. Eu acredito que o papel da arte é expressar seu tempo lindamente. E de uma forma irônica, como isso está acontecendo agora é pela linda expressão da paralisia de nossa era. A cultura é um cobertor de conforto ao qual os radicais se agarram para que possam se esconder do terrível fato de que não têm nenhuma resposta.
ME
A Covid-19 ajudou a desenraizar o poder?
AC
O que a Covid-19 mostrou de forma bastante brutal é que quanto mais perto você está do poder, menos provável é que você morra. Essa constatação é chocante e vai ser muito profunda, assim como a crise financeira em 2008 foi muito profunda.
Saiba mais em: https://jacobin.com.br/2021/03/adam-curtis-conversa-com-a-jacobin-sobre-poder-politica-e-seu-novo-filme/
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