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Sophie Scholl e a juventude como força de resistência

Os nazistas estavam seguros de ter nas mãos os jovens alemães. Porém uma parte se recusou a submeter-se à ditadura. Nascida em 9 de maio de 1921, Sophie Scholl pagou com a vida por sua coragem, mas permanece como ícone.

O ano é 1934. Um grupo de meninas presta juramento no parque Gänswiese da cidade alemã de Ulm. Sophie Scholl, de 13 anos, é uma delas: de lenço negro em volta do pescoço, ela agora pertence à Jungmädelschaft, uma organização nacional-socialista para meninas. Apenas três anos mais tarde, juntamente com o irmão Werner, de uniforme da Juventude Hitlerista, ela receberia sua confirmação na Igreja de São Paulo.

Há quem interprete esses exemplos como prova de que a jovem ativista, integrante do grupo estudantil Die Weisse Rose (A Rosa Branca) e figura simbólica da resistência ao regime de Adolf Hitler, originalmente acalentava simpatias pelo nazismo.

Werner Milstein, especialista no assunto, vê a questão de forma diferenciada: “Para Sophie Scholl, a Jungmädelschaft, e mais tarde a Bund Deutscher Mädel [Liga das Meninas Alemãs], eram muito atraentes, pois lá ela podia fazer o que quisesse: estar na natureza, subir em árvores.”

Sentada junto à fogueira, porém, ela lia Rainer Maria Rilke, e “isso já não combinava, em absoluto, com a ideologia nazista”. “Por isso, não sei quão fanática ela realmente era, sou um pouco mais cauteloso”, acrescenta o autor de Einer muss doch anfangen! (Alguém precisa começar), um multifacetado relato dos altos e baixos, revelações e segredos da jovem ativista, e o papel que ela desempenhou na época nacional-socialista.

Entre a casa paterna e o regime

Sophia Magdalena Scholl nasceu em 9 de maio de 1921 em Forchtenberg, no estado de Baden-Württemberg. Com seus quatro irmãos, cresceu num lar cristão e politicamente liberal. Gostava de estar ao ar livre, lia muito, adorava pintar. A maior parte da infância ela passou em Ulm, onde o pai trabalhava como contador.

Seus genitores têm poucas simpatias pelos nacional-socialistas, que assumiram o poder em 1933, e por isso ficam muito contrariados por seus filhos falarem com tanto entusiasmo do novo regime, até chegando a assumir posições de liderança nas organizações juvenis.

Para os adolescentes da época, a filiação significava responsabilidade própria, atenção, independência e distância em relação à casa paterna – apesar de, na prática, as jovens organizações hitleristas de exigirem disciplina férrea.

Contudo a geração jovem estava dividida: nem todos eram tão fanáticos quanto desejariam os nazistas. “Eles acreditavam ter a juventude nas mãos, havê-la infiltrado suficientemente. Por isso ficaram bem abalados quando as coisas tomaram outro rumo”, explica Milstein.

A resistência jovem parte sobretudo dos grupos religiosos ou políticos. Dissolvendo e cooptando associações como a dos escoteiros, a Juventude Operária Socialista ou os grupos jovens cristãos, os nacional-socialistas tentam domar as novas gerações.

Moedas comemorativas pelos 100 anos de nascimento de Sophie Scholl

Moedas comemorativas pelos 100 anos de nascimento de Sophie Scholl

Despertar de Sophie

No fim da década de 1930, é instituído o “Jugenddienstpflicht”, o serviço obrigatório para os jovens, que são forçados a entrar para a Juventude Hitlerista. Quem resiste, é punido com dureza, pode acabar na prisão. Um dos grupos oposicionistas mais conhecidos era o Edelweisspiraten (Piratas do Edelvais), que em diversas metrópoles alemãs se opunha ao treinamento e ao jugo da Juventude Hitlerista.

Nas universidades, a resistência não era tão grande. Pelo contrário: foram também os estudantes que, antes de 1933, haviam facilitado o caminho ao poder para os nacional-socialistas. O movimento de resistência Rosa Branca, de Munique, era uma das poucas exceções.

De garota seduzida pelos novos governantes, Sophie Scholl se transformara em irredutível combatente da resistência. Diversos acontecimentos em sua vida haviam provocado essa mudança: desde a acusação de “depravação” sexual contra o irmão três anos mais velho, Hans; as impressionantes cartas do amigo Fritz Hartnagel, contando os horrores do front da Segunda Guerra; até a prisão do pai em 1941, por “ataque traiçoeiro” ao Estado.

A imagem de mundo de Sophie estava abalada nas bases, apresentava fissuras: ela reconhecera os sinais dos tempos. Ao amigo Hartnagel, pediu mil reichsmarks para um aparelho de impressão de panfletos. Sua função dentro do grupo de resistência era comprar materiais como tinta, papel e selos.

Os primeiros quatro panfletos da Rosa Branca foram lançados entre 27 de junho e 12 de julho de 1942, não estando claro até que ponto Scholl estivera envolvida em sua redação. “Cabe dizer que Hans Scholl e seu amigo Alexander Schmorell eram muito mais importantes, eram o núcleo do grupo. Sophie chegou mais tarde, mas, enquanto mulher jovem, tinha um poder de atração especial”, observa Milstein.

“Sophie usaria máscara”

Até hoje, Sophie Scholl é um ícone da resistência contra os nacional-socialistas da Alemanha, um símbolo de exemplar coragem moral. Desde 2020, entretanto, seu nome vem sendo indevidamente instrumentalizado por uma minoria barulhenta: cada vez mais, participantes dos protestos contra as regras antipandemia traçam paralelos com o nazismo, apresentando-se como vítimas.

Numa manifestação, uma jovem que se apresentou como Jana, de Kassel, queixava-se: “Eu me sinto como Sophie Scholl, porque há meses estou aqui na resistência ativa.” Tais comparações visam sugerir que as restrições dos direitos fundamentais ditadas pela covid-19 constituiriam uma “ditadura do coronavírus”.

Para o biógrafo Milstein, tal noção é absurda: “Sophie teria se colocado do outro lado, ela era esperta demais para fazer o contrário, teria se informado intensivamente sobre o tema, até porque estudava biologia, e se envolvido com ele cientificamente. E, estou seguro, também teria usado máscara.”

E o professor de Teologia complementa: “Liberdade também significa responsabilidade, não significar fazer o que se quer. Sophie Scholl se engajou por uma outra Alemanha, em que possamos viver. O fato de ela ser agora desvirtuada para outros fins, deixa um gosto amargo.”

A morte como ato moral e político

O destino de Sophie e Hans Scholl foi selado em 18 de fevereiro de 1943. Às 10h00, chegam à Universidade de Munique com uma mala pesada, repleta de panfletos. Conseguem distribuir uns 1.700, mas aí, por acidente ou de propósito, ela derruba uma pilha de papéis do alto de uma galeria.

Os panfletos esvoaçam como pombas da paz pelo pátio interno da universidade. São 11h15, o zelador grita: “Alto, estão presos!”

Quatro dias mais tarde, os irmãos Scholl e Christoph Probst, também da Rosa Branca, são condenados à morte. A jovem de 21 anos é a primeira: corajosa, determinada, ereta, ela caminha até a guilhotina. “Nunca vi uma pessoa morrer com tanta valentia”, diria mais tarde o carrasco.

Para Sophie Scholl, também uma questão de moral e de política, de pensamento e de ação.

Veja em: https://www.dw.com/pt-br/sophie-scholl-e-a-juventude-como-for%C3%A7a-de-resist%C3%AAncia/a-57465734

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