Eleitores chilenos elegem Aliança Progressista para reescrever constituição da era Pinochet
Por Kenny Karpov | Traduzido por César Locatelli
“O Chile será o túmulo do neoliberalismo!”
Em um acontecimento que foi celebrado por defensores da democracia em todo o mundo, os eleitores chilenos elegeram neste fim de semana uma lista progressista de delegados para a assembleia constituinte encarregada de reescrever a constituição de direita do país, imposta há mais de 40 anos, durante a ditadura militar do general Augusto Pinochet, e que continua a reproduzir a desigualdade por mais de três décadas desde o fim de seu governo.
A Progressive International tuitou na segunda-feira (17) que os chilenos deram um grande passo à frente na busca de “enterrar a constituição de Pinochet e escrever um novo futuro para o Chile” – um futuro que inclui acesso garantido a bens públicos como água, educação, saúde, pensões e outras necessidades.
“O Chile será o túmulo do neoliberalismo!” o grupo acrescentou – uma designação particularmente significativa, dado que o país é frequentemente referido como o laboratório do neoliberalismo, onde a privatização de tudo foi testada pela primeira vez em uma população não disposta a aceitá-la.
Depois que um golpe apoiado pelos EUA derrubou o presidente socialista democraticamente eleito do Chile, Salvador Allende, em 11 de setembro de 1973, o regime de Pinochet implementou uma onda de políticas pró-mercado sob circunstâncias antidemocráticas a mando de economistas formados na Universidade de Chicago. Isso levou a grandes desigualdades e tornou a reforma igualitária extremamente difícil, mesmo no período pós-ditadura que começou em 1990.
Houve inúmeras tentativas nos últimos 30 anos de controlar o fundamentalismo de mercado no Chile, mas como o neoliberalismo estava tão profundamente incorporado na Constituição do país em 1980, o reinado da política de Pinochet sobreviveu ao ditador militar.
Durante um referendo histórico em outubro passado, que representou o ápice de uma revolta de décadas contra o modelo neoliberal, os chilenos votaram em uma avalanche de quatro para um para reescrever a constituição da era da ditadura. Notadamente, os eleitores escolheram que a nova constituição fosse escrita por uma assembleia popularmente eleita de constituintes, em vez de uma assembleia mista de políticos e cidadãos.
Na época, a cientista política Melany Cruz disse que o apoio popular esmagador para uma nova constituição era uma “chance de enterrar o legado de Pinochet… e reconstruir o país em uma base verdadeiramente democrática”. Ainda assim, a pergunta permaneceu: quem estaria no comando do processo? Quais dos mais de 1.300 candidatos seriam selecionados para esta tarefa monumental?
Durante a eleição do último fim de semana – originalmente marcada para abril, mas adiada devido ao aumento das infecções por coronavírus – os chilenos finalmente tiveram a chance de responder de forma definitiva a essa pergunta.
Irací Hassler, prefeita eleito do centro de Santiago, fala por meio de um megafone durante uma celebração em Santiago, Chile, em 17 de maio de 2021. (Felipe Figueroa/SOPA Images/LightRocket via Getty Images)
Dos 155 cidadãos eleitos para a assembleia constituinte, apenas 38, que é menos de um quarto, vieram da coalizão de direita conhecida como Vamos por Chile, informou o jornal El Ciudadano.
O jornal chileno observou que candidatos da coalizão de centro-esquerda, conhecida como Lista del Apruebo, conquistaram 25 assentos. Enquanto isso, 27 candidatos da coalizão de esquerda, Apruebo Dignidad, foram vitoriosos. Além disso, 48 assentos foram escolhidos por candidatos “independentes” que El Ciudadano descreveu como “principalmente ligados a movimentos sociais no Chile”.
Além disso, 17 assentos na convenção constitucional foram reservados para a representação dos povos indígenas.
Ao dar um nocaute na direita do país, os eleitores garantiram que a grande maioria dos 155 delegados responsáveis pela criação de um novo quadro político na assembleia constituinte trará à mesa perspectivas progressistas ao invés da ortodoxia neoliberal, aumentando a probabilidade de que uma constituição genuinamente emancipatória seja criada.
“Hoje o povo pessoas, os mais pobres, os sem-teto, as mulheres, o povo Mapuche venceram!!!” Karol Cariola, ex-líder estudantil na luta pelo ensino superior público gratuito e de alta qualidade e atual representante do Congresso do Partido Comunista do Chile, disse na segunda-feira nas redes sociais. “Estamos quebrando o cadeado, que dava o direito de vetar transformações.”
Greg Grandin, um historiador mundialmente renomado da América Latina, tuitou: “Allende está sorrindo.” Aludindo ao neoliberalismo, Grandin acrescentou que “começou no Chile. Vai acabar no Chile.”
O economista marxista Richard Wolff, autor de Democracia no Trabalho, entre outros livros, também entrou na conversa com uma mensagem de congratulação que destacou o papel fundamental desempenhado pelas mulheres na transformação contínua do Chile.
Em um primeiro momento histórico mundial, que as feministas entendem que poderá estabelecer um novo padrão global para uma maior igualdade na política, o Congresso ordenou a paridade de gênero na convenção constitucional, o que significa que um número igual de mulheres e homens teve que ser eleito. De acordo com a Reuters, 77 das 699 mulheres que concorreram a assentos na assembleia constituinte foram vitoriosas, em comparação com 78 dos 674 candidatos do sexo masculino.
As candidatas mulheres foram tão bem, observou a Reuters, que a exigência de paridade resultou em ajustes que tinham de ser feitos em favor de mais homens: “Um total de cinco assentos foram entregues a candidatas mulheres que obtiveram menos votos que os homens em certos distritos para garantir uma divisão de gênero de 50 a 50, enquanto sete assentos foram entregues a homens que tiveram votação inferios.” Como a imprensa observou, alguns “lamentaram o fato de que o teto tenha sido colocado em candidatas femininas vitoriosas”.
O jornal The Guardian informou que “embora a constituição atual do Chile garanta igualdade ou não discriminação com base no sexo, ela não garante os direitos das mulheres à igualdade no casamento e estipula a proteção da ‘vida para nascer’— uma cláusula que prejudicou o acesso ao aborto legal e seguro no país”.
Embora os defensores dos direitos das mulheres “reconheçam que nem todas as mulheres na assembleia compartilharão valores feministas”, elas esperam que a composição da assembleia constituinte resulte em um quadro que consagre direitos iguais para as mulheres, bem como para grupos marginalizados que foram “excluídos dos espaços políticos, incluindo comunidades indígenas do país, grupos LGBT e pessoas não-conformes de gênero”, acrescentou o jornal.
Embora não haja garantias de que foram eleitos para a assembleia constituinte, pelo menos 5% dos candidatos dos partidos foram obrigados a serem pessoas com deficiência, observou a NACLA, oferecendo mais evidências da luta do Chile para construir uma democracia mais inclusiva e representativa.
Saiba mais em: https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Pelo-Mundo/-Allende-esta-sorrindo-/6/50617
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