O historiador socialista C. L. R. James faleceu neste dia em 1989. Sua obra mais importante, Os Jacobinos Negros, é um relato majestoso da Revolução Haitiana e ainda é a história oficial de uma luta heróica pela liberdade e dignidade.
Uma entrevista com Rachel Douglas | Tradução Guilherme Ziggy
Em uma entrevista de 1980, C.L.R. James disse que queria ser lembrado acima de tudo por suas contribuições ao marxismo. Em Making the Black Jacobins: C. L. R. James and the Drama of History, Rachel Douglas explora as muitas facetas do autor de Trinidad e oferece uma nova interpretação de sua marca única no marxismo.
O livro de Douglas traça o desenvolvimento do pensamento de James ao longo de mais de 30 anos, desde suas atividades intelectuais como pan-africanista em Londres e Paris na década de 1930 até sua militância política como um dos fundadores da tendência Johnson–Forest na década de 1940 (nascida de uma cisão com a organização trotskista estadunidense, o Partido dos Trabalhadores). Douglas também revisita o envolvimento de James com os movimentos Black Power e dos Direitos Civis na década de 1960 e dá uma atenção especial ao seu trabalho como dramaturgo. O pensamento em constante transformação de James é explorado virtuosamente através do uso magistral que Douglas fez dos arquivos – suas principais obras, manuscritos, notas, bem como entrevistas e fontes secundárias são todas enlaçadas em um rico retrato intelectual do autor.
No centro do livro de Douglas está a obra mais renomada de James, Os Jacobinos Negros. Como mostra a autora, a evolução do pensamento político e de militância de James está profundamente ligada a um processo de 6 décadas de escrita e reescrita daquela obra clássica de análise histórica marxista. Na reconstrução do livro, Douglas também destaca as conexões entre os textos de James e a história emancipatória das Índias Ocidentais e de África.
Para revelar a criação de Os Jacobinos Negros, a autora oferece uma leitura única que conecta peças de James inspiradas na Revolução Haitiana (1934 e 1967) e sucessivas edições de Os Jacobinos Negros (1938 e 1963). Em cada ponto, Douglas reconstrói cuidadosamente o diálogo que ocorre entre os textos de James e seu contexto político e social circundante.
O argumento central de Douglas é que Os Jacobinos Negros devem ser entendidos como um palimpsesto – um texto que, nas palavras do autor, consiste em um “repositório em camadas de vestígios embutidos, o que significa que as inscrições anteriores permanecem e nunca são apagadas, porque ‘estas narrativas tornam-se parte de um todo’”. No caso de James, isso significava que a história da Revolução Haitiana foi reescrita por vários meios: como artigos, histórias e, talvez, o mais impressionante, por meio de peças de teatro. Como Douglas argumenta, ao recontar a história da Revolução Haitiana por meio da representação teatral, James foi capaz de dramatizar os conflitos políticos e trazê-los para um foco mais nítido.
Em um golpe de mestre, Douglas aplica o próprio método histórico pioneiro de James ao estudo dele próprio. Como explica a autora, essa abordagem ofereceu uma crítica única à historiografia imperialista, revigorou as categorias marxistas de análise e forneceu uma interpretação convincente das lutas anticoloniais do século XX.
Para rememorar a vida de James, Viviane Magno falou com a autora de Making the Black Jacobins para recordar o legado de C.L.R. James – não apenas o autor de Os Jacobinos Negros, mas um marxista gigante do século XX.
VM
Deixe-me começar dizendo o quanto eu amei Making the Black Jacobins. De alguma forma, seu livro ajuda os leitores a entender melhor certas questões que C.R.L James deixou em aberto ou que pareciam um pouco enigmáticas.
Por exemplo, no prefácio da edição de 1938, quando James escreve: “No entanto, Toussaint não fez a revolução. Foi a revolução que fez Toussaint. E mesmo isso não é toda a verdade.” Por que você acha que não é toda a verdade?
RD
Esta frase que você citou é típica de James. Suas sentenças muitas vezes se desdobram assim. Outro exemplo é “os grandes homens fazem história, mas apenas a história que lhes é possível fazer”. Aqui James ecoa a introdução d’O 18 de Brumário de Luís Bonaparte, de Karl Marx, sobre indivíduos fazendo história, mas apenas em certas circunstâncias. O que James faz é levar a correlação do indivíduo e das circunstâncias ao seu modelo biográfico. No entanto, o autor mostra que não podemos compreender a história por meio da personalidade de um grande homem, apesar dos retratos vívidos que ele desenhou de Toussaint Louverture. As reviravoltas no prefácio de James sinalizam que Os Jacobinos Negros será principalmente um retrato da revolução através da personalidade de Louverture, mas que as circunstâncias em evolução também são cruciais para seus desenvolvimentos históricos.
Acho que você está correta em afirmar que o prefácio é importante. Ele mantém seus escritos sobre a Revolução Haitiana em aberto, como um livro sempre aberto que é sua lápide em Tunapuna. Em Notes on Dialectics, James comentou que “um livro fechado” é uma “frase vil”. A reescrita de James age repetidamente contra formas fixas, estáticas e finitas – qualidade que ele associou a categorias stalinistas negativas e de falsificação. Em vez disso, a reescrita de James volta a si mesma como um círculo, que não tem começo nem fim. Um padrão emerge: os escritos de James sobre a Revolução Haitiana podem ser considerados – seguindo seu comentário em Notes on Dialectics – como círculos continuamente ampliados.
Sobre a importância do prefácio, fui influenciada pela noção de Umberto Eco na “Obra Aberta”. De particular relevância para James foram as ideias do dramaturgo e ativista político brasileiro Augusto Boal sobre a leitura de rascunhos inacabados de peças de teatro como o oposto radical do teatro burguês pronto. Podemos aplicar essa perspectiva sobre a abertura inacabada aos escritos de James sobre a Revolução Haitiana como um todo. O trabalho de James sobre este assunto – como a própria Revolução Haitiana – nunca pode terminar complacente com uma imagem do mundo burguês completo e finalizado. Em vez disso, está sempre voltando para si mesmo e sempre em estado de devir.
VM
Ainda sobre o processo de escrita: além de ser um estudioso, James foi um militante marxista ao longo da vida. Como você acha que isso influenciou sua abordagem ao escrever a história?
RD
Apenas uma pequena fração do que C.L.R. James realmente escreveu foi publicada, e seus métodos de trabalho eram frequentemente colaborativos. James mandava digitar os documentos, anotava-os e depois os despachava para camaradas ao redor do mundo para discussões políticas e devolutivas. Note on Dialectics – que mais tarde (em 1980) ele declararia ser seu trabalho mais importante – foi originalmente elaborado em 1948 em forma de cartas entre James e seus camaradas da tendência Johnson-Forest Raya Dunayevskaya e Grace Lee [Boggs].
Este tipo de trabalho também levou Os Jacobinos Negros para se tornar um “livro-texto underground” [Marty Glaberman] no contexto do apartheid na África do Sul. Lá, o livro foi copiado clandestinamente e distribuído em partes para os leitores. Grant Farred contou como ele se deparou com a história exatamente dessa maneira quando Richard Owen Dudley – um dos líderes do Movimento de Unidade Não-Europeia (NEUM) para o qual James foi uma figura importante – deu a ele aqueles capítulos mimeografados para comentar.
Saiba mais em: https://jacobin.com.br/2021/05/como-c-l-r-james-escreveu-a-historia-definitiva-da-revolucao-haitiana/
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