Por José Luís Fiori / Créditos da foto: (Reprodução/Youtube)
For more than 70 years, China and Taiwan have avoided coming to blows. The two entities have been separated since 1949, when the Chinese Civil War, which had begun in 1927, ended with the Communist’s victory and the Nationalist’s retreat to Taiwan[…]. In recent months, however, there have been disturbing signals that Beijing is reconsidering its peaceful approach and contemplating armed unification.
Mastro, O.S., “The Taiwan Temptation”, July/August 2021, P:1 E 2, in foreignaffairs.com
A retirada das tropas americanas do Afeganistão deixa atrás de si um vácuo de poder e uma zona de grande turbulência no centro da Ásia, nas “costas” da China. Deixa por fazer também uma “negociação de paz” e “divisão de poder” em Cabul que produzirá efeitos em cadeia, por um longo tempo, em boa parte da Ásia e do Oriente Médio. Uma negociação de paz que não contará com a participação direta dos EUA, principal responsável e maior derrotado na Guerra do Afeganistão, que envolverá de uma forma ou outra países que não participaram diretamente do conflito, mas que serão afetados por seus desdobramentos nos próximos anos, como é o caso de Paquistão, Índia, China e da própria Rússia, que tem presença militar importante no Quirguistão e no Tajiquistão. Deve-se também incluir Irã e Turquia, que atuam como uma cadeia de transmissão geopolítica na direção do Oriente Médio, de onde os EUA também estão se retirando, ou pelo menos reduzindo sua presença militar.
Mesmo assim, e apesar da complexidade desse quebra-cabeças no centro da Ásia, a nova ordem mundial “sino-americana” deverá nascer de fato do outro lado da China, a partir de uma disputa que já dura 70 anos, em torno à ilha e ao controle do Estreito de Taiwan, onde se tem se assistido, nos últimos meses, a uma escalada de ameaças e “exercícios de guerra” cada vez mais frequentes e perigosos, envolvendo as Forças Armadas chinesas e americanas, junto com seus principais no sul e sudeste asiático. Agora, na recente comemoração dos 100 anos do PCC, o governo chinês tornou púbico um plano estratégico de assalto e ocupação militar de Taiwan, já contabilizando a resposta previsível dos EUA. Apesar de que todos saibam que neste caso a surpresa do primeiro ataque é um elemento fundamental, e que portanto a divulgação deste plano é apenas mais um passo na escalada psicológica do clima de guerra na região. Por outro lado, os EUA já mudaram sua “grande estratégia” e estão deslocando seu foco do Atlântico, da Europa do Leste e da Rússia, na direção do Pacífico e da Ásia, hoje epicentro dinâmico da expansão do poder e da riqueza mundiais, e do crescimento competitivo dos arsenais militares do mundo. O mais provável é que substituam progressivamente seu “espantalho russo” pelo seu novo grande inimigo chinês.
Mas atenção, porque essa mudança americana não foi provocada pela explosão econômica da China, e sim pela decisão chinesa de construir um poder naval autônomo – decisão que só foi efetivada de fato a partir da primeira década do século XXI. Um poder naval chinês que seja capaz de desbloquear a livre circulação de seus fluxos comerciais e energéticos através dos estreitos de Taiwan e de Malaca, e de permitir a projeção internacional do seu pode marítimo. Um projeto que se acelerou definitivamente depois da posse do presidente Xi Jinping, em 2013, e do seu anúncio de que a China se propõe a ser um poder militar global até meados do século XXI. Decisões que redefiniram imediatamente a importância estratégica das duas grandes “linhas de ilhas” que bloqueiam a saída marítima chinesa como se fossem uma “Grande Muralha” invertida. Bem no centro da primeira dessas duas cadeias de ilhas está Taiwan, uma espécie de porta-aviões inimigo situado a apenas 130 quilômetros da costa chinesa.
Em 1954, o secretário de Estado norte-americano John Foster Dulles afirmou que a ilha de Taiwan não passava de um “punhado de rochas”[1]. Ao mesmo tempo, foi o próprio Dulles que ameaçou a China com um ataque atômico, caso tentasse retomar à força esse “penhasco” onde se refugiou, em 1949, o general nacionalista Chiang Kay-shek, junto com o que restou de suas tropas derrotadas pela revolução comunista liderada por Mao Tse-tung. Apesar do aparente paradoxo, Dulles tinha razão, porque a ilha de Taiwan era apenas um punhado de rochas que os próprios americanos transformaram num território estratégico para barrar a expansão do poder chinês. A mesma ambiguidade existiu pelo lado do império chinês, que só deu alguma importância a Taiwan muito tarde, após sua conquista pelos holandeses, em 1624, e pelos espanhóis, em 1626, e depois de a ilha virar refúgio dos últimos soldados da Dinastia Ming derrotados pela Dinastia Qing, que conquistou a ilha em 1683. Esta só a transformou oficialmente em província do Império em 1885, dez anos antes de entregá-la ao Japão como tributo por sua derrota na guerra de 1895, contra os japoneses; estes a converteram numa colônia que só foi devolvida à China em 1945, depois da rendição japonesa na Segunda Guerra Mundial. E assim mesmo, quatro anos depois, a ilha voltou a ser o refúgio do general Chiang Kay-shek.
Em 1949, Taiwan tinha apenas sete milhões de habitantes e só sobreviveu como “província rebelde” graças à proteção militar dos EUA. Na prática, Taiwan se transformou num “Estado vassalo” dos EUA, com a pretensão irrealizável de “reconquistar” e “reunificar” a China. O mesmo objetivo invertido do governo chinês, uma vez que nenhum dos dois jamais aceitou a ideia americana de criação de “duas Chinas”. E foi aqui que começou a história contemporânea desse “penhasco”, que adquiriu importância estratégica cada vez maior com o passar das décadas, confirmando a tese de que é a luta pelo poder que define a importância da geografia. Começando em 1954, logo depois do fim da Guerra da Coreia, quando a China tentou retomar as ilhas de Quemoy e Matsu, no “caminho” de Taiwan, mas foi repelida pelos porta-aviões norte-americanos. Logo em seguida, foi assinado o “Acordo de Defesa Mútua”, que transformou Taiwan também num “protetorado militar”, uma vez mais defendido pelas forças norte-americanas em 1958, quando as tropas chinesas voltaram a ser repelidas das duas pequenas ilhas, e quando a URSS ameaçou pela primeira vez utilizar armas atômicas caso os EUA atacassem o território chinês.
Saiba mais em: https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Poder-e-ContraPoder/O-dilema-de-Taiwan-no-berco-da-nova-ordem-mundial-/55/51245
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