Diante das eleições, o partido Die Linke enfrenta um difícil cenário: compor com social-democratas e verdes para tentar influenciá-los com seu programa social-ecológico anticapitalista ou se manter na oposição para reorganizar o partido – e continuar enfrentando a crise imigratória, climática e a ascensão extrema direita nas ruas.
Por Mario Candeias| Créditos da foto: aliança via Getty Images
Embora tenha tido considerável sucesso tanto na construção e na organização do partido, no fortalecimento e nas importantes parcerias com movimentos sociais (Fridays for Future, movimento de moradia, Black Lives Matter, manifestações contra leis relativas à polícia), bem como em poucos exemplares governos de esquerda, o partido da esquerda alemã, Die Linke, está estagnado nas pesquisas eleitorais com 7% (cerca de dois pontos percentuais a menos que nas últimas eleições). Uma olhada nos motivos desse desempenho não tem como objetivo nos distrair do empenho na campanha eleitoral, mas destacar sua importância.
Nada está decidido ainda e as coisas estão em movimento. Porém, mesmo antes da pandemia, o Die Linkeencontrava-se com dificuldade de conseguir visibilidade diante uma polarização tripla entre o “centro” neoliberal no governo, a direita radical e os verdes como seu contrapeso liberal-ecológico. Assim, o Die Linke tem lutado para encontrar seu papel nesta constelação e o “valor útil político” ainda não está claro para muitos.
A consequência disso foi que o partido tem despertado pouca atenção da mídia ou tem sido mesmo silenciado (deliberadamente). A pandemia agravou esta situação, não só porque crises deste tipo sempre favorecem o poder executivo, como também muitas práticas da esquerda foram impedidas (greves, manifestações, organização de bairro, visitas de porta em porta ou simplesmente reuniões dos diversos grupos).
Uma dificuldade particular também foi o posicionamento claro sobre a gestão da crise na pandemia: Die Linke se viu obrigado a apoiar medidas fortes contra a disseminação do vírus enquanto a oposição foi ocupada pelo partido de direita Alternative für Deutschland (AfD) e o movimento dos chamados Querdenker (“Pensadores laterais” – uma mistura de pessoas esotéricas, antroposóficas e também radicais de direita que se formou para opor-se às medidas de prevenção da disseminação da Covid-19).
Uma posição intermediária solidária e responsável, que colocou no centro as consequências sociais, mas ao mesmo tempo equilibrou direitos de liberdade pessoal e direitos de saúde, foi mais uma vez marginalizada no discurso (midiático) ou difamada como “indecisa”. Nessa questão, o partido neoliberal Freie Demokratische Partei (FDP) conseguiu se aproveitar do momento e subir nas pesquisas para 12%, se distanciando levemente do AfD, mas criticando as medidas de prevenção de forma permanente e irresponsável.
Dilemas à esquerda
Como consequência, o Die Linkeestá cada vez mais organizado e conectado com os setores proemientes dos movimentos e da sociedade civil, mas não alcança suficientemente as outras parcelas da população (inclusive uma parte de sua própria base de eleitores). A nova prática da “política conectiva de classes” não chegou a ser organizada suficientemente para produzir frutos. O formato antigo como um “movimento agregador antineoliberal” do período da Agenda 2010 já se esgotou há muito tempo diante novas linhas de conflito social. Neste sentido, o partido representa cada vez mais os grupos de eleitores mais engajados, e cada vez menos os passivos – um efeito contra o qual a orientação da política de classe, na verdade, deveria se opor, mas não teve tempo.
Neste contexto, a derrota do projeto que limitava o valor dos aluguéis em Berlim foi extremamente prejudicial. Essa iniciativa foi derrubada pelo conservador Segundo Senado do Tribunal Constitucional Federal. O capital imobiliário e seus representantes, na política e nas mídias, já haviam sido derrotados na batalha da opinião pública, estavam muito distantes de obter maioria no parlamento de Berlim. Mas no capitalismo o Estado se organiza de tal maneira que permite à burguesia manter linhas de defesa amplamente ramificadas: uma luta de classes jurídica para derrubar qualquer passo transformador apoiado pela esquerda, mesmo que seja uma lei com apoio popular – independente de opiniões jurídicas contrárias em favor da legitimidade do limite dos alugueis.
O argumento foi meramente formal: Berlim não teria a competência de regular esta questão porque a legislação federal já prevê um controle – inútil – dos valores de aluguel. O objetivo era derrubar o “rebelde” governo de Berlim. As consequências foram graves não apenas para os inquilinos da cidade e de outros lugares, mas também para Die Linke, porque este era seu projeto mais popular dos últimos anos, que lhe conferia visibilidade e credibilidade.
A derrota desencadeou, por um lado, um espírito de revolta entre ativistas e grande parte da população, fortalecendo tanto a ideia de um limite do valor dos alugueis em escala nacional, quanto a iniciativa de um referendo sobre a expropriação de grandes empresas imobiliárias. Mas, ao mesmo tempo, produziu grande decepção e tristeza. Se nem um governo eleito e leis implementadas são capazes de alterar as coisas, porque um Tribunal Constitucional conservador pode questionar sua competência (em contraponto a várias vozes jurídicas e relatórios oficiais), produzindo um fatalismo conhecido: “A esquerda é bem intencionada, mas no final não consegue mudar nada”.
Além disso, houve conflitos internos e disputas de poder latentes que foram reforçados pela mídia com satisfação: “políticas identitárias e de classe não são contraditórias em termos. Mas, para garantir sua própria influência, este suposto conflito é sempre amplificado”, como diz Daniel Reitzig na revista Jacobin alemã. A linha de conflitos de falsas dicotomias não pode ser exposta aqui, mas a consequência é que potenciais eleitores e ativistas de esquerda se afastem do Die Linke. Uns porque não aguentam ataques verbais em relação a posições antirracistas, feministas, queer e ecológicas; outros porque acreditam na constante crítica de que o partido se afasta dos interesses dos “trabalhadores e desfavorecidos”. O partido tem perdido filiados por conta disso – não em números significativos, mas a frustração é suficiente para impedir a ampliação de seus apoiadores.
Como lidar como a questão ecológica é outro conflito interno do partido. Para a maioria, a questão social e a ecológica não são separáveis, e isso demarca a diferença com os verdes. Porém, para uma minoria que é poderosa devido à influência de algumas personalidades com presença midiática, o partido estaria só correndo atrás dos verdes com seu programa radicalmente ecológico e se distraindo dos essenciais temas sociais. Isso também tem como consequência que Die Linke seja percebido mais uma vez como indeciso. É bom dizer que até aos olhos de associações ambientais relevantes, trata-se “do único partido” (segundo Fridays for Future) que se compromete a limitar o aumento da temperatura global em 1,5 graus. Apesar disso, a credibilidade é desgastada quando algumas lideranças e tendências internas questionam e contrariam esse objetivo repetidamente nas mídias – quando conseguem visibilidade. E o fazem mesmo com os eleitores da Die Linke destacando a questão ecológica como fundamental, logo depois da questão social, segundo as pesquisas.
Talvez o partido não consiga atrair números relevantes de simpatizantes dos verdes para seu lado, mas pode perder para eles uma parceira importante do eleitorado, como os últimos pleitos têm mostrado. Este é apenas mais um exemplo sobre como as contradições sociais não são mediadas de uma maneira que sejam resolvidas de forma progressiva (as palavras-chave são “mudança sistêmica social-ecológica”, “Green New Deal de esquerda”), ao contrário, acabam reproduzidas de maneira equivocada, provocando divisão na própria base.
Com uma multiplicidade de vozes e mensagens confusas, o partido criou incertezas nos eleitores e ativistas e perdeu, assim, no mínimo duas possíveis oportunidades históricas: primeiro, com o movimento de refugiados em 2015, e, depois, no começo do Fridays for Future em 2018 e o agravamento da crise climática. O Die Linketinha os programas certos, mas não conseguiu representá-los de forma confiável por causa das fortes disputas internas sobre seu rumo.
Questões regionais
Além disso, aspectos regionais específicos também têm jogado um papel importante: a força do PDS – antecedente do Die Linke– no leste do país era a grande quantidade de membros (mesmo que envelhecidos e muitas vezes passivos) e uma base eleitoral com alta identificação com o partido, composta por ex-funcionários estatais da Alemanha Oriental. Com o eventual desaparecimento dessa geração caminha nos próximos dez anos, há uma perda de base nesta região. Ou o partido mobiliza um novo grupo de eleitores e filiados, ou acaba se tornando um projeto de geração, agonizando no leste.
Se somam ainda os próprios erros (em Brandemburgo, o partido governava até recentemente e aprovou novas leis de segurança, políticas fiscais falidas e negligenciou a possibilidade de criar uma saída para a indústria local de carvão) e um estilo de política que prioriza pequenas reformas, melhoras da governança ou, quando está na oposição, na política dos pequenos passos, principalmente em âmbito parlamentar e que não aposta no “espírito da distinção”, como dizia Antonio Gramsci, para ter um diferencial marcante e um perfil visível e nítido em comparação com outros partidos. Mesmo assim, os mais jovens voltaram a entrar no partido nos últimos anos, inclusive no leste. Novos filiados podem não compensar a perda pelas gerações mais velhas, mas na média nacional são predominantemente jovens e dispostos a se engajar – contra a direita e um desenvolvimento percebido como ameaçador e a favor de uma política de esquerda de base, com o povo. Aqui, o partido tem uma chance real de fazer contraponto ao AfD. Pelo menos na Turíngia já conseguiu isso.
Em resumo, o resultado é uma mistura de problemas demográficos, organizacionais, políticos e de conflitos internos não resolvidos dentro de uma constelação política geral que, por si só, torna difícil que o Die Linkeganhe visibilidade como uma força política importante. E mesmo se tivesse essa atenção da opinião pública, sabemos que enfrenta adversários superpoderosos. Neste contexto, não é pouco se o partido consegue se sustentar nas eleições com uma nova liderança e participar novamente do governo estadual em Berlim.
Saiba mais em: https://jacobin.com.br/2021/09/os-dilemas-da-esquerda-radical-na-alemanha/
Comente aqui