Em entrevista, deputado pelo Psol comenta o bom desempenho do correligionário Boulos nas eleições municipais e defende uma frente de esquerda em torno de um projeto comum, deixando de lado o personalismo.
O deputado federal Marcelo Freixo (Psol) era o principal nome da esquerda para a disputa da prefeitura do Rio de Janeiro. Após duas tentativas frustradas, em 2012 e 2016, ele encabeçava as pesquisas de intenção de voto ao lado do ex-prefeito Eduardo Paes (DEM).
Causou surpresa, portanto, a sua decisão de não concorrer neste ano, anunciada em maio. A falta de união dos partidos de esquerda foi o principal motivo apresentado para a desistência. Com Psol, PT e PDT nadando em raias diferentes, o caminho ficou aberto para o atual prefeito Marcelo Crivella (Republicanos) chegar ao segundo turno.
Fora do páreo no Rio, onde o Psol indicou veto a Crivella, Freixo concentrou suas energias nas articulações para a disputa em São Paulo, onde Guilherme Boulos (Psol) representa seu partido e a esquerda no segundo turno.
O deputado federal foi pessoalmente encarregado de costurar o apoio de Ciro Gomes (PDT) à campanha. O pedetista se juntou a Lula (PT), Flávio Dino (PCdoB) e Marina Silva (Rede), que voltaram a subir juntos em um mesmo palanque – agora virtual – após sucessivas brigas internas na esquerda.
Em entrevista à DW Brasil, Freixo exalta o sucesso de comunicação da campanha de Boulos e sua vice Luiza Erundina (Psol) em São Paulo e defende a necessidade de a esquerda construir uma frente em torno de um projeto comum, no lugar do personalismo.
“Se a gente ganha São Paulo, muda tudo. Se não ganha, o Boulos sai com uma força muito grande. Mas não ele enquanto pessoa, e sim uma forma de fazer política. A esquerda precisa ‘despersonificar’ um pouco seus projetos, para conseguirmos estar mais juntos enquanto um campo de atuação. E a democracia brasileira vai precisar muito da gente”, avalia. “Há muito tempo eu digo que não estaremos juntos se o debate entre nós for de nomes.”
Na entrevista, Freixo também faz um balanço das eleições de 2020, vê uma retração do bolsonarismo e dos outsiders, avalia o cenário para a eleição da Presidência da Câmara dos Deputados em fevereiro de 2021 e fala sobre seu lugar como homem branco na abertura de espaços plurais na política.
DW: Que balanço você faz das eleições municipais até aqui?
Marcelo Freixo: Com o golpe e a vitória de [Jair] Bolsonaro, algo saiu do lugar. Esta eleição municipal marca um processo de retorno do pêndulo ao lugar da política. Houve uma bomba de destruição em massa jogada sobre a política brasileira, que foi a Lava Jato. Isso desmontou uma noção de política sem a construção de alternativas. Como o poder estava na mão da esquerda na época, ela é a grande derrotada em um primeiro momento. Só que a Lava Jato é destrutiva para todas as instituições e manifestações políticas. Não à toa, quem emerge como alternativa da Lava Jato é o subterrâneo, o Bolsonaro, que vem com uma estética subterrânea, uma linguagem subterrânea, a lógica da violência, reafirmando não ser da política.
Em 2020, vemos esse pêndulo voltar para o debate da política, das cidades, processo que tem como grande derrotada a direita bolsonarista. Não dá para generalizar pela direita, porque em cidades médias há a vitória de setores liberais importantes, como DEM e PP. Ou seja, os partidos que compõem o Centrão e a direita clássica, como o PSDB, saem vitoriosos em processos importantes. Quem perde são os candidatos bolsonaristas, que são amplamente derrotados ou vão para o segundo turno em dificuldade. Quem o Bolsonaro apoiou sai com muita dificuldade. E quem vence é o debate da política. As figuras outsiders começam a perder muito espaço.
E os partidos de esquerda?
Tentam colocar uma narrativa de que o Bolsonaro perdeu “assim como o PT”. É muita forçação de barra, porque, comparado a 2016, o PT recuperou muitos espaços. É evidente que o partido não tem mais a hegemonia que tinha há algum tempo. Mas não sai derrotado e recupera espaços relevantes perdidos em 2016 e 2018. O PT está no segundo turno em 18 cidades importantes. É diferente da última eleição municipal, logo após o golpe contra a Dilma. Recife é um capítulo à parte, mas Porto Alegre, São Paulo, Vitória e Belém são cidades onde uma frente de esquerda começa a ser criada, um debate mais amplo da esquerda.
Este pode ser um caldo de cultura muito importante para 2022, que vai dialogar com o tabuleiro de 2020. Ao mesmo tempo, Bolsonaro mostra um desgaste eleitoral muito rápido. Para quem se elegeu em 2018, é um sinal de fragilidade política, e pode ser que ele chegue a 2022 mais fraco do que a gente poderia imaginar agora.
Qual tem sido o seu papel na articulação da frente de esquerda que se formou nesse segundo turno?
Trabalhei muito para eleger vereadores no Rio, no primeiro turno, e ajudei em outras cidades. No segundo turno, fiquei com a tarefa de trazer o Ciro para a campanha do Boulos, e conseguimos. Já estavam Lula e Flávio Dino, e vieram Ciro e Marina, que também estão juntos em Porto Alegre (RS) e Belém (PA). É claro que não se pode criar uma ilusão e achar que está tudo resolvido no meio da esquerda. Mas ficou claro que é possível estarmos juntos. Se nós tivermos um projeto, podemos estar juntos. Há muito tempo eu digo que não estaremos juntos se o debate entre nós for de nomes. Aí não vamos escapar do debate hegemonista.
Qual é o projeto? O que estamos defendendo e o que queremos alcançar juntos? Se a gente tiver maturidade para esse debate, temos condições de estar juntos. São aprendizados específicos para cada um de nós. O nome do Ciro é muito forte, assim como o do Dino. O que o Boulos está fazendo em São Paulo é de uma força muito grande. A eleição está muito disputada lá. Se a gente ganha São Paulo, muda tudo. Se não ganha, o Boulos sai com uma força muito grande. Mas não ele enquanto pessoa, e sim uma forma de fazer política. A esquerda precisa “despersonificar” um pouco seus projetos, para conseguirmos estar mais juntos enquanto um campo de atuação. E a democracia brasileira vai precisar muito da gente.
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