Estudo aponta que 23% das florestas em terras públicas que aguardam destinação para uso específico, como unidade de conservação ou terra indígena, foram declaradas ilegalmente como propriedades privadas.
A Amazônia tem 23% de suas terras públicas não designadas, ou o equivalente a dois estados do Rio de Janeiro, registradas ilegalmente como propriedades privadas no Cadastro Ambiental Rural (CAR), indicando a dimensão da grilagem, conforme um estudo publicado nesta semana na revista científica Land Use Policy.
O levantamento foi feito por pesquisadores do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) e do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA) da Universidade Federal do Pará (UFPA). A professora titular do NAEA Claudia Azevedo-Ramos ressalva que não é possível afirmar que 100% dessa área é grilada, já que pode haver comunidades com direito à posse, mas estima que esse seja um número mínimo.
Segundo os autores, como o CAR é um instrumento de autodeclaração – no qual os proprietários informam os limites de suas terras, assim como áreas de cultivo e de conservação, por exemplo –, ele tem sido usado para registrar terras públicas como propriedades privadas.
Em teoria, o cadastro deveria ser validado por meio de fiscalização de órgãos estaduais, mas, segundo Azevedo-Ramos, o percentual de propriedades validadas é muito baixo.
“O que acontece é que hoje você tem essa área gigante dentro de florestas não destinadas, as pessoas entram, fazem registros no CAR, com a pretensão de um dia ser titulada no nome daquele propenso proprietário, e muitas vezes ele vende antes mesmo de ter o título”, afirma a pesquisadora.
O modus operandi é antigo e conhecido: o grileiro entra em uma terra pública, desmata, inicia alguma atividade que indique que está produzindo – em geral a pecuária – e especula no tempo para ver se consegue obter um valor melhor pela terra.
“Acontece que essa forma de grilar é custosa, então dificilmente você pode imaginar que um pequeno produtor vai invadir a terra, desmatar e ficar esperando, até porque desmatar é custoso”, diz Azevedo-Ramos. “Normalmente há muitos interesses maiores envolvidos, que usam laranjas para poder aglutinar o maior número de terras possíveis.”
Não destinação abre espaço para grilagem e desmatamento
As terras não designadas, tanto da União quanto de estados, são áreas que aguardam destinação para um uso específico, como unidade de conservação, quilombola ou terra indígena, conforme determina a Lei de Gestão de Florestas Públicas, de 2006.
Apesar disso, os pesquisadores afirmam que, ainda no governo Michel Temer, em 2018, começou o desmantelamento da força-tarefa que designava essas áreas florestais.
Ao todo, há 49,8 milhões de hectares de florestas sob responsabilidade estadual e federal ainda não alocados a nenhuma categoria de uso, sendo que 11,6 milhões de hectares foram declarados, ilegalmente, como de uso privado.
Para os pesquisadores, até que a destinação seja feita, há confusão entre as esferas estadual e federal sobre quais agências são responsáveis por proteger as áreas, abrindo espaço para o desmatamento ilegal.
Nas terras públicas não designadas da Amazônia, os pesquisadores identificaram 2,6 milhões de hectares de floresta derrubados entre 1997 e 2018, o equivalente ao território do Sergipe. Ao todo, 80% dessa área desmatada tem registro no CAR, “demonstrando a intenção de uso privado de uma área pública”, diz o Ipam.
Nos últimos anos, a grilagem de florestas ainda não destinadas aumentou. Em 2019, foi a categoria fundiária em que mais se derrubou floresta na Amazônia, segundo do sistema de alertas de desmatamento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). De acordo com o Ipam, a tendência se mantém em 2020.
O Ministério do Meio Ambiente foi procurado pela DW Brasil, mas não se manifestou até a publicação do texto.
Saiba mais em: https://www.dw.com/pt-br/a-dimens%C3%A3o-da-grilagem-em-florestas-p%C3%BAblicas-na-amaz%C3%B4nia/a-53932221
Comente aqui