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A privataria elétrica ameaça o Amapá e o Brasil

Como um país em que se gera energia a partir de fontes gratuitas passou a cobrar as tarifas elétricas mais caras do mundo? Por que, ainda assim, o sistema tornou-se frágil, instável e sujeito a grandes apagões? Análise de uma privatização infame

Por Regina Farias e Fátima Gondim

Esse artigo busca desvendar aspectos inerentes à operação do setor elétrico brasileiro para entender as raízes do que ora acontece no Amapá.

Para tanto, entrelaça os seguintes aspectos: a privatização iniciada em 1995; os apagões já vivenciados; e o impacto sobre a produção de energia no que diz respeito a segurança no abastecimento e o preço pago pelos consumidores.

Procuraremos responder à pergunta: se a privatização prometia maior competição e eficiência no setor, por que nossa tarifa é uma das mais caras do mundo e ainda estamos sujeitos a esse tipo de desabastecimento de energia?

A privatização do setor elétrico brasileiro é o pano de fundo para entender todos os aspectos acima elencados.

Criaram-se tantos artifícios para adaptar um sistema que opera em cooperação, com características de monopólio natural, para um que opera no chamado mercado livre, que a coordenação, fiscalização e responsabilização se perderam no emaranhado de entes públicos e privados.

Vejamos como se dá essa fragmentação. A diretriz geral é dada pelo Ministério de Minas e Energia (MME). O Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), ente privado, “despacha” centralizadamente as usinas de geração. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), uma autarquia pública, faz a regulação. A Câmara de Comercialização de Energia (CCEE), mais um ente privado, faz a comercialização da energia. A Empresa de Pesquisa Energética (EPE), empresa pública, subsidia o planejamento do setor com suas pesquisas.

Para entender por que o sistema tem que operar em cooperação é preciso dizer que nossa matriz elétrica é majoritariamente hídrica (65%) e, para melhor aproveitar nosso imenso potencial, foi criado um ente que centraliza os “despachos”, no caso, o ONS. É o ONS que decide quais usinas vão gerar, pois esses “despachos” dependem da capacidade dos reservatórios de cada usina, da disponibilidade das redes de transmissão e da complementariedade das usinas eólicas e solar, dentre outros fatores. Isso tudo no mundo físico.

Ocorre que esses atributos físicos do sistema são analisados em conjunto com outras variáveis que alimentam um modelo matemático-computacional de otimização da operação do sistema. Por exemplo, variáveis aleatórias como a vazão de rios e variáveis associadas ao custo do déficit de energia elétrica. O dado final fornecido pela modelagem é o Custo Marginal de Operação (CMO). Com base no CMO, o ONS decide quais usinas serão acionadas.

Apenas para identificar uma dessas variáveis que por ano a fio não foi bem calibrada: a vazão do rio São Francisco. O modelo utilizado pelo ONS se valia de uma vazão maior que a realidade, em consequência, havia uma distorção no CMO. Se a variável se dissocia do mundo real, podemos estar avaliando mal a cooperação e com isso elevando os custos.

Feitas essas considerações acerca da estrutura do setor elétrico, passamos agora aos antecedentes do que ora se discute, o apagão do Amapá.

No túnel do tempo: 1995 a 2020 – antecedentes de apagões

No decorrer das privatizações dos anos 1990 do século passado, muitas empresas distribuidoras de energia deixaram de ser privatizadas por falta de comprador. É o caso do Amapá (Companhia de Eletricidade do Amapá – CEA). Além desse estado que ora vive nas trevas, os investidores refugaram as companhias de eletricidade do Acre, Rondônia, Roraima, Piauí e Alagoas. Todas deficitárias, com enorme contingente de baixa renda. As grandes distribuidoras todas foram privatizadas: Eletropaulo, Light, Coelce e etc…

Por falta de pretendentes, essas empresas foram incorporadas à estatal Eletrobras, que há anos suporta o prejuízo dessas estatais, rejeitadas pelo mercado. A Cepisa (PI) e Ceal (AL) foram privatizadas em 2018. As demais permanecem no seio da Eletrobras. Estamos falando de distribuição de energia.

Contudo, o processo produtivo de energia inclui a geração, a transmissão em alta tensão e a distribuição de energia até as residências e indústrias por meio de baixa tensão.

Quanto à geração, a maioria do setor é privado, mas a Eletrobras ainda possui grandes usinas hidrelétrica a exemplo de Sobradinho e, mais, gerencia a venda da energia de Itaipu, uma das maiores hidrelétricas do mundo. Já a transmissão de energia, essa é quase toda privatizada, exceto algumas linhas da Eletrobras.

Em março de 1999, um raio provocou um apagão que se iniciou em Bauru-SP e atingiu 50 milhões de pessoas em dez estados brasileiros das regiões SulSudeste e Centro-Oeste, além do Distrito Federal. Depois, entre junho de 2001 e fevereiro de 2002, vivemos o maior racionamento da história. O racionamento se deu por falta de oferta de energia.

As privatizações e a confiabilidade do sistema foram sendo testadas ao longo dos anos. Em 2009, foram 50 minutos sem energia em 18 estados afetados pelo apagão e a causa foi, de novo, um fenômeno climático.

É sempre bom lembrar que estamos falando de um setor essencial para o desenvolvimento econômico e social de qualquer nação. Sem energia não há, minimamente, bem-estar da sociedade. Implica viver sem água, sem refrigeração de alimentos, sem computador, sem celular. Como disse um morador de Macapá à revista Carta Capital em matéria de 20/11: “Aqui nunca fomos respeitados, mas agora estamos falando de perda de dignidade. Passar fome, sabe?”

Saiba mais em: https://outraspalavras.net/crise-brasileira/a-privataria-eletrica-ameaca-o-amapa-e-o-brasil/

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