Cientista político diz que benefício concedido a milhões de brasileiros ajuda a explicar aprovação recorde de Bolsonaro. Mas alerta que será impossível mantê-lo sem comprometer economia. “Ele está refém disso”, afirma.
Um levantamento divulgado pelo Datafolha na última quinta-feira (13/08) apontou que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) atingiu a melhor avaliação desde o início do seu mandato. Para 37% dos brasileiros, o governo é ótimo ou bom – na pesquisa anterior, divulgado no fim de junho, o índice de aprovação era de 32%. Foi registrada também queda na rejeição: foi de 44% para 34% a porcentagem de cidadãos que consideravam a gestão ruim ou péssima.
Para Cesar Zucco, PhD em Ciência Política pela Universidade da Califórnia em Los Angeles e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), os números se devem, em muito, ao auxílio emergencial estipulado para o período da pandemia do coronavírus, pois nunca se distribuiu dinheiro a tantas pessoas quanto agora. Para o pesquisador, entretanto, “pensar que Bolsonaro é um gênio que descobriu a fórmula para ganhar a eleição está errado”.
Em entrevista para a DW Brasil, Zucco também comenta sobre um eventual segundo turno em 2022 disputado entre Bolsonaro e o ex-ministro Sergio Moro, opina sobre a manutenção do discurso antipetista por parte do presidente e julga perigosa a opção de Bolsonaro de romper com antigos apoiadores, como os governadores João Doria (SP) e Wilson Witzel (RJ), pois alianças são necessárias quando se busca uma reeleição. Por fim, Zucco afirma: “Bolsonaro está se preparando, muito provavelmente, para ejetar Paulo Guedes”.
O que explica essa aprovação do presidente no auge da pandemia da Covid-19 no Brasil?
A explicação mais simples, que não é necessariamente completa e única, é que a aprovação do presidente está fortemente associada à variação no bem-estar econômico das pessoas. Isso não é surpresa, tampouco inédito, vem acontecendo em vários países do mundo e afetando eleitores de todos os tipos, que tendem a responder às variações em suas condições econômicas. Estamos tendo a maior transferência direta de renda da história. O valor mensal do auxílio emergencial é maior do que o valor anual do Bolsa Família e atinge um número muito maior de pessoas, que foram protegidas dos impactos econômicos da pandemia. Tivemos redução das desigualdades sociais, saída da linha da pobreza, além de um aumento de renda.
Porém, a resposta das pessoas não é, necessariamente, um movimento consciente. Sentindo-se melhor, elas tendem a avaliar melhor o presidente. E não são só as pessoas que se beneficiam diretamente, mas as que também foram afetadas de forma indireta, como lojistas. Não é surpreendente essa melhora. Tivemos um aumento grande no número de mortes, mas pesquisas mostram que pessoas tendem a ficar anestesiadas em situações de catástrofes. Bolsonaro até perdeu um pouco de apoio entre os mais ricos, porque foi esse pessoal que mais sentiu a crise econômica. Mas em relação a quem está protegido, de fato, pelo benefício, faz sentido que essas pessoas avaliem positivamente o presidente.
Há algumas similaridades aparentes entre a situação de Lula, que por muito tempo se considerou o “pai” do Bolsa Família, e a de Bolsonaro? Isso sugere que esse seja o modelo que o atual presidente espera emular?
O Lula, quando implantou os programas sociais anteriores, fez com que, ao longo dos anos, as pessoas o recebessem até muito perto das eleições. Assim identificamos um efeito eleitoral, mas que, no caso do Bolsa Família, não foi gigantesco a ponto de definir uma eleição. O governo que distribui dinheiro tem a cotação mais forte entre as pessoas que recebem a quantia, isso é uma coisa regular.
Lula alcançou 85% de aprovação no final do segundo mandato e um pouco menos no final do primeiro, mas não foi só por causa do Bolsa Família. Desde 2004 foi registrado um crescimento muito forte econômico geral. E, em particular, foi um crescimento que chamamos de “pró-pobre”: aumento de salário mínimo, mais emprego, mais crédito… Uma série de fatores que iam além do Bolsa Família. Se fosse apenas o auxílio, Lula provavelmente não teria sido reeleito. Os eleitores que votam guiados pela questão econômica não são eleitores particularmente fiéis. Se a situação econômica piorar, elas tendem a votar contra, sem saber necessariamente o porquê.
No caso do Bolsonaro, temos agora um benefício [auxílio emergencial] que é enorme, que aumenta a popularidade do presidente, mas que não tem como ser mantido. Se o objetivo do Bolsonaro é imitar o Lula, ele está enrascado. Em 2004, Lula pegou o começo do superciclo de commodities, que não dependia dele. Todos os presidentes estrangeiros que governaram no período em que o Lula governou foram os presidentes mais populares dos seus países na história, especialmente na América Latina. Você poderia fazer quase qualquer coisa que seria popular. Em um cenário desses, criar um programa como o Bolsa Família e distribuir dinheiro para as pessoas era possível, sem arriscar a responsabilidade fiscal e sem precisar tirar de nenhum outro lugar. O Bolsa Família era muito menor que o auxílio emergencial.
Hoje, o Brasil não tem dinheiro, o mundo não está favorável para nenhum país, os preços das commodities estão baixos. Lula, hoje, não poderia ter feito o Bolsa Família como fez na sua época. Pensar que o Bolsonaro é um gênio que descobriu a fórmula para ganhar a eleição está errado. Só se ele imprimir dinheiro – e se ele fizer isso, já sabe no que vai dar. Não tem como o auxílio ser mantido. De repente, ele criará um outro Bolsa Família e chamará de Renda Brasil. Pode ser, só que isso, em um nível próximo ao que era o Bolsa Família na época do Lula, não ganha uma eleição por si. Se o Brasil estiver com altíssima informalidade, alto desemprego, pode chamar o benefício do que quiser, mas não será suficiente para ganhar uma eleição. As condições de hoje não são favoráveis e arrisco dizer que Bolsonaro não é o presidente mais competente do mundo.
Saiba mais em: https://www.dw.com/pt-br/aux%C3%ADlio-emergencial-n%C3%A3o-%C3%A9-suficiente-para-ganhar-elei%C3%A7%C3%A3o/a-54594738
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