O cenário do Pantanal é descrito como desolador. Para aqueles que acompanham de perto a atual situação do bioma, a sensação é de profunda tristeza. Enquanto o fogo avança de forma nunca vista nas últimas décadas, animais mortos e árvores destruídas se tornam situações cada vez mais comuns.
As chamas já atingiram 2,3 milhões de hectares do bioma, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). O número representa mais de 15% de toda a extensão do Pantanal. A área queimada corresponde, por exemplo, a quase três vezes a região metropolitana de São Paulo, que abriga 39 municípios, ou 15 vezes a área da capital paulista.
De janeiro ao início de setembro, foram registrados 12,1 mil focos de calor no Pantanal, segundo o Inpe. É o maior número no período desde 1998, quando o instituto iniciou um monitoramento que se tornou referência para acompanhar as queimadas no país.
Em meio ao avanço do fogo, os animais lutam para sobreviver, enquanto a vegetação é devastada. Pessoas que moram na região enfrentam problemas de saúde em meio à fumaça intensa, que piora problemas respiratórios diante do duro cenário da pandemia do coronavírus.
Imagens feitas por fotógrafos e voluntários, entre agosto e os primeiros dias de setembro, ilustram a tragédia enfrentada pelo Pantanal. Ao longo desta reportagem, 25 fotografias cedidas à BBC News Brasil mostram a atual situação do bioma.
O fotógrafo José Medeiros classifica a atual paisagem do Pantanal como um “cenário de guerra”. Ele relata que avistou diversos animais, como jacarés e cobras, carbonizados. “Dei o título de ‘O grito’ a uma foto de um jacaré morto com a boca aberta. Parece um grito de socorro. As pessoas não estão entendendo o que está acontecendo ali. É uma situação muito séria”, diz Medeiros.
A jornalista e fotógrafa Bruna Obadowski define a situação do Pantanal como assustadora. “É um cenário apocalíptico. Quando você se aproxima (do bioma), a fumaça toma proporção inexplicável. O cheiro de queimada é muito forte. É uma coisa frustrante”, relata à BBC News Brasil. “É desolador ver o Pantanal agonizar daquela maneira”, lamenta o fotógrafo Ahmad Jarrah.
O fogo no Pantanal
O Pantanal, maior área úmida continental do planeta, enfrenta uma série de problemas que, segundo especialistas, favoreceram o rápido avanço do fogo neste ano.
Entre outubro e março — considerada época chuvosa —, o bioma, localizado na Bacia Hidrográfica do Alto Paraguai (BAP), teve volume de chuva 40% menor que a média do mesmo período em anos anteriores, conforme dados da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).
A situação fez com que o rio Paraguai, principal formador do Pantanal, registrasse o menor nível das últimas décadas. Em junho, quando o rio costuma registrar o seu pico ao longo do ano, o nível da água chegou a 2,10 metros. Trata-se da menor marca dos últimos 47 anos, segundo a Embrapa. A média, nesse período, é de 5,6 metros.
Pesquisadores ainda avaliam as causas da pouca quantidade de chuva no bioma desde o começo de 2020. Mas acreditam que possa estar relacionado a fenômenos climáticos.
Alguns estudiosos acreditam que uma das explicações para a baixa quantidade de chuva no Pantanal é o fenômeno conhecido como “rios voadores”, no qual a corrente de umidade que surge na Amazônia origina uma grande coluna de água, que é transportada pelo ar a vastas regiões da América do Sul. Diante do desmatamento da Floresta Amazônica, que também sofre duramente com as queimadas, esse fenômeno perde parte da capacidade de levar água a outras regiões.
“Não são apenas questões climáticas que culminaram na atual situação das queimadas no Pantanal. É uma combinação de fatores”, ressalta o engenheiro florestal Júlio Sampaio, líder da Iniciativa Pantanal do WWF.
Um dos fatores que colabora para a propagação das queimadas é o crescente desmatamento — ação que tem o fogo como forte aliado. De acordo com o Inpe, 24.915 km² do Pantanal, correspondente a 16,5% do bioma, foram desmatados até o ano passado. O número equivale, por exemplo, a pouco mais de quatro vezes a área de Brasília.
Um levantamento do Ministério Público de Mato Grosso do Sul apontou que cerca de 40% do desmatamento na área do Pantanal do Estado podem ter ocorrido de forma ilegal, pois não foram identificadas autorizações ambientais.
Uma perícia feita recentemente pelo Centro Integrado Multiagências de Coordenação Operacional (Ciman-MT) apontou que o fogo que atinge o bioma em Mato Grosso é causado por ações humanas, em situações como como queima de pasto, fogo em raízes de árvores para a retirada de mel e incêndios em equipamentos agrícolas. A Delegacia de Meio Ambiente (Dema-MT) apura a situação.
A imensa maioria dos incêndios, segundo especialistas, começa em propriedades privadas — mais de 95% das áreas do bioma são particulares. “O fogo no Pantanal não surge naturalmente, principalmente em um período sem raios. Esse incêndio precisa ser provocado pela ação humana”, relata Sampaio.
“O fogo está presente nas práticas de manejo dos pantaneiros e ribeirinhos, para a limpeza e preservação de área. Mas quando acontece queimada em uma situação como a atual, de extrema seca, o fogo, que antes era controlado, pode fugir do controle e avançar para diversas regiões, como tem acontecido”, pontua o engenheiro florestal.
O especialista salienta que, por haver muita vegetação, um pequeno incêndio no Pantanal logo atinge grandes proporções em um cenário de seca. “No ano passado, já havia sido uma situação bastante difícil. Mas em 2020 foi muito pior”, declara Sampaio.
Em 2019, segundo o Inpe, foram registrados 3.165 focos de calor entre janeiro e agosto. No mesmo período deste ano, os registros foram mais que o triplo: 10,1 mil focos.
Saiba mais em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-54095561
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