No impulso do movimento Black Lives Matter, a tão “branca” cultura ocidental volta a ser reavaliada. Momento oportuno para encontrar compositores de ascendência africana (quase) esquecidos pela história da música.
A especulação de que Ludwig van Beethoven talvez fosse negro, que circula há mais de um século, voltou a emergir nas redes sociais nas últimas semanas. Por exemplo, no Twitter sob o hashtag #BeethovenWasBlack?.
É certo que o gênio alemão do Classicismo musical tinha pele morena e cabelos negros e encaracolados, sendo por vezes chamado “o Espanhol”. Seus antepassados vinham da Bélgica Flamenga, antes ocupadas por tropas espanholas que incluíam soldados mouros.
Além disso, Beethoven adorava síncopes e ritmos atravessados, como se encontram também nas tradições da África. Então teoricamente ele poderia ter algum sangue africano nas veias. Porém estudiosos sérios têm repetidamente desbancado tal teoria.
Há muito a política racial infiltra não só a história das artes: ativistas negros já reivindicaram Jesus Cristo e Sócrates para sua etnia. No campo da música, contudo, isso é antes um desserviço à amplitude e profundidade dos gêneros de inspiração africana, dos spirituals ao blues e o jazz, rock e hip-hop. A música com raízes nas tradições negras tem um alcance global, ultrapassando de longe o setor muito mais limitado da arte “clássica”, “erudita”, “de concerto” ou “séria”.
Linguagem negra, artista branco – e vice-versa
Isso não impede que, contrariando todas as circunstâncias, alguns compositores negros tenham tentado estabelecer uma própria voz também no campo erudito. O fato de, até hoje, suas obras serem raramente executadas nas salas de concerto evidencia os obstáculos e preconceitos que enfrentaram. E mostra quanto terreno os promotores de música clássica ainda têm para cobrir.
O padrão se repete por todo o mundo ocidental, e as exceções só confirmam a regra. O primeiro compositor de ascendência africana de que se tem notícia na Europa foi Joseph Bologne, Chevalier de Saint-Georges (1745-1799), natural da colônia francesa Guadalupe. Filho de um fazendeiro branco e uma escrava de 16 anos, ele foi levado para a França ainda jovem.
Além de campeão de esgrima e coronel do Exército republicano durante a Revolução Francesa, Saint-Georges se tornou um virtuoso do violino, tendo dado aulas à rainha Maria Antonieta, e regeu o Concert des Amateurs, considerada a orquestra mais prestigiada da época.
Sua obra inclui diversas óperas e balés, 15 concertos altamente virtuosísticos para violino e orquestra, sinfonias e obras de câmara. Apelidado “Mozart Negro”, consta que até mesmo Wofgang Amadeus invejava suas realizações musicais. Porém é inútil procurar qualquer elemento “negro” na arte do Chevalier: trata-se de música europeia para nobres europeus.
No Brasil, embora a herança sonora africana tenha sido extensamente explorada pela escola nacionalista, por nomes que vão de Oscar Lorenzo Fernández e Heitor Villa-Lobos a Francisco Mignone, Radamés Gnattali ou Mozart Camargo Guarnieri, são poucos os compositores identificados como afrodescendentes nos livros de história da música.
Entre as exceções mais notáveis estão o Padre José Maurício Nunes Garcia (1767-1830), que deixou diversas peças sacras e camerísticas; o pianista e maestro Aurélio Cavalcanti (1874-1916); e Francisco Braga (1868-1945), autor do Hino à Bandeira, cuja vasta obra inclui poemas sinfônicos e três óperas.
O século 21 trouxe perspectivas para uma nova geração de compositores afro-brasileiros, inclusive com projeção no cenário internacional, abrindo um capítulo da música erudita brasileira que ainda está sendo escrito.
Saiba mais em: https://www.dw.com/pt-br/compositores-eruditos-negros-vidas-que-tamb%C3%A9m-importam/a-54059962
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