Clipping

Ecossocialismo a partir das margens

O avanço da extrema direita na América Latina também sinaliza a importância de transformar o modelo de exploração capitalista da natureza, que gera enormes lucros privados enquanto socializa os impactos sociais e ambientais negativos.

Por Sabrina Fernandes / Tradução Giuliana Almada e Débora Nascimento

O século XXI é um século de crise. O colapso econômico capitalista se encaixa com a desigualdade calamitosa, as guerras internacionais e civis impulsionam o desalojamento e a catástrofe humanitária, a xenofobia se infiltra nas leis e o crescente declínio da biodiversidade põe em risco o equilíbrio do planeta. As mudanças climáticas ameaçam agravar todos os outros aspectos dessas crises interligadas, tornando a descarbonização a tarefa mais urgente da nossa lista de tarefas. É difícil imaginar que possamos enfrentar todos os outros problemas socioeconômicos — sem falar na gigantesca tarefa de superar o capitalismo — sem uma ação internacional coordenada.

Uma profunda mudança civilizacional, como Michael Löwy coloca, é necessária para criar uma sociedade verdadeiramente justa e livre dentro do paradigma ecossocialista. Essa transformação não será possível, a menos que garantamos as condições materiais para construir toda e qualquer perspectiva revolucionária. Os ecossocialistas sabem muito bem que apenas um caminho revolucionário pode nos levar para além do sistema capitalista. Mas eles também entendem que outras reformas e conjuntos de mudança precisam angariar apoio em suas formas radicais antes que um cenário pré-revolucionário apareça no horizonte.

Cientistas climáticos concordam que devemos tomar medidas radicais até o final desta década para impedir que as temperaturas globais subam acima do limite de 1,5°C. A esquerda que se organiza em torno de questões ecológicas compartilha um consenso semelhante, mas a situação muda quando consideramos a esquerda de maneira mais ampla. Como escrevo do Brasil, é evidente que as recentes vitórias da extrema direita no continente nos colocam em risco de aprofundarmos ainda mais a emergência climática. O governo Bolsonaro é abertamente anti-ambiental — ele está determinado até mesmo a autorizar a mineração industrial em territórios indígenas.

Quando a natureza é percebida apenas através das lentes dos recursos naturais exploráveis, a biodiversidade se torna facilmente comoditizada. Portanto, não é por acaso que os maiores e mais impactantes movimentos sociais da América Latina estejam ligados à terra e ao território, à proteção ambiental, à soberania alimentar e a uma forte oposição a empresas multinacionais, investimentos estrangeiros e seu histórico de negociações perniciosas com governos de direita — e, algumas vezes, da esquerda moderada. Esses movimentos demonstram que o ecossocialismo deve se basear na práxis. Aqueles que mais sofrem com a exploração do capitalismo sabem muito bem que a plena mercantilização da natureza significa lucros privados e impactos socializados.

Projetos políticos enraizados em ideologias desenvolvimentistas e produtivistas ainda são comuns em círculos socialistas. Muitos da esquerda progressista e até socialista dos países da periferia do capitalismo, ou do Sul global, consideram seu desenvolvimento e o fim da pobreza que afeta milhões de pessoas como antitéticos a uma transição rápida e limpa de energia e ação climática. Os recursos atuais permitem apenas um ou o outro, segundo a lógica deles. No entanto, mesmo que os países desenvolvidos assumam a liderança zerando suas emissões de carbono e ajudando a financiar uma transição energética no Sul, uma verdadeira grande transição depende de fomentar e organizar a vontade de mudança também dos países periféricos. Aqueles que menos têm contribuído para a crise, provavelmente são os que sofrerão os impactos mais profundos. Devido a essa contradição, movimentos sociais, coletivos, sindicatos e partidos políticos às margens do capitalismo são importantes vozes na chamada para a mudança. É fundamental que escutemos.

Saiba mais em: https://jacobin.com.br/2020/07/ecossocialismo-a-partir-das-margens/

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