O Brasil tem 5.570 municípios, dos quais apenas 49 tem mais de 500 mil habitantes, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em 17 deles, a população ultrapassa 1 milhão de pessoas. Só as 27 capitais concentram 50 milhões de habitantes, o que equivale a quase 24% de toda a população brasileira em 2020.
Por Leandro Machado e Letícia Mori
Em 15 de novembro, será realizado o primeiro turno das eleições que vão escolher um novo prefeito ou reeleger antigos mandatários nestes municípios. O segundo pleito está previsto para o dia 29 do mesmo mês.
Cada um desses municípios tem problemas próprios e soluções que levam em conta o contexto local. Porém, é possível identificar alguns gargalos comuns a grande parte das maiores cidades brasileiras.
Um mês antes do primeiro turno, a BBC News Brasil listou sete grandes desafios urbanos que os novos prefeitos terão de encarar a partir de 1º de janeiro de 2021, quando assumirem o cargo.
Entre esses pontos, estão a queda de arrecadação de impostos depois da pandemia de covid-19, a demanda reprimida no serviço de saúde por causa da quarentena, a expansão da malha de transporte público e o crescimento da população em situação de rua.
A reportagem consultou pesquisadores, urbanistas, professores e estudiosos para saber quais são os gargalos e as possíveis soluções para cada uma dessas áreas.
Veja abaixo.
1 – Queda de arrecadação após a pandemia
Um dos grandes desafios para os próximos prefeitos será lidar com uma possível queda na arrecadação de impostos após a pandemia de covid-19.
Com a diminuição da atividade econômica e o aumento do desemprego, a tendência é que os municípios arrecadem menos e, assim, tenham recursos escassos para investir em setores importantes, como educação, saúde e mobilidade.
No geral, a arrecadação das cidades brasileiras se divide entre recursos próprios, como IPTU e ISS, repasses dos governos federal, com o Fundo de Participação dos Municípios (FPM), e verbas oriundas dos governos estaduais, como uma participação no bolo do ICMS.
O peso de cada um deles depende de fatores como o tamanho do município e a maneira como o tributo é cobrado. Em São Paulo, por exemplo, o IPTU representa 17% da arrecadação, mas, em cidades menores, o imposto chega a apenas 1% da fatia tributária. Por outro lado, um terço dos municípios não tem nenhuma arrecadação própria e depende exclusivamente de repasses federais e estaduais.
“Tirando o IPTU, os outros impostos dependem da atividade econômica, pois incidem sobre o consumo. A maioria dos municípios tem certa dependência dos repasses do ICMS, que é fortemente impactado pela recessão”, explica Ursula Dias Peres, professora da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP e pesquisadora do Centro de Estudos da Metrópole (CEM).
“A arrecadação caiu 4%, menos do que os 20% que projetava durante a pandemia. Acreditamos que isso ocorreu por causa do auxílio emergencial de R$ 600. Esse valor acabou mantendo um certo consumo das famílias”, diz Peres.
Caso a economia não melhore depois do fim do auxílio, é possível que municípios tenham menos verbas para investir em políticas públicas. “Se não houver um impulso na arrecadação, as cidades só vão conseguir pagar custos fixos, como salários”, afirma.
Para ela, uma das soluções seria uma reforma tributária que substitua o ICMS por alguma taxa mais simples e que incida sobre a renda — e não sobre o consumo. “Cada Estado cobra o ICMS de uma forma diferente. Isso acaba gerando uma guerra fiscal entre os Estados, que, para atrair mais empresas, dão benefícios. Mas, a longo prazo, esse imposto sobre o consumo onera os mais pobres e dificulta a produção”, explica.
2 – Lidar com a demanda reprimida na saúde
Além de lidar com os casos de covid-19 — que sem uma vacina devem continuar aparecendo —, os municípios brasileiros também terão que dar conta de todas as outras questões de saúde que ficaram “na geladeira” durante a quarentena, explica a pesquisadora Gabriela Lotta, professora de administração pública da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
“Teremos um cenário muito mais difícil do que já era, com uma demanda reprimida que será gigantesca”, afirma.
A pandemia gerou quatro principais consequências com as quais os prefeitos terão que lidar nos próximos anos, explica Lotta.
A primeira é o aumento na demanda por exames e consultas por pessoas que adiaram esses procedimentos em 2020 por causa da pandemia. A espera para esses procedimentos com especialistas já era longa antes da pandemia — em Belo Horizonte, por exemplo, as filas para marcar exames no Centro de Especialidades Médicas chegavam a dar a volta no quarteirão. Em Peruíbe, no litoral de São Paulo, o pedido de mamografia podia levar até dez meses para ser atendido.
A falta de prevenção leva ao segundo problema causado pela demanda reprimida, explica Gabriela Lotta: o aumento das doenças e problemas crônicos de saúde.
“Vai aparecer gente que estava com câncer e não sabia, porque não conseguiu fazer os exames, vão aparecer os hipertensos e diabéticos; e diversas pessoas cujas doenças se agravaram como consequência do não atendimento neste ano”, diz Lotta.
A terceira consequência é que o empobrecimento gerado pela crise econômica aumenta a pressão sobre o SUS, já que um grande número de pessoas que tinham planos de saúde e eram atendidas na rede privada agora terão de buscar o sistema público.
Cerca de 364 mil pessoas perderam seus planos de saúde entre março e junho de 2020, segundo o Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS). Embora nos meses de julho e agosto tenha havido uma pequena alta no número de beneficiários em relação aos meses anteriores, o setor não recuperou o número que tinha antes da pandemia.
O quarto grande problema gerado pela pandemia são as possíveis sequelas deixadas nos pacientes que sobreviveram ao coronavírus. “Ainda não se sabe a extensão disso, mas com certeza será um grande desafio”, diz Lotta. A lista de possíveis sequelas da covid-19 inclui danos no coração, nos rins, no intestino, no sistema vascular e até no cérebro.
E todos esses problemas surgem em um cenário fiscal difícil, com corte de repasses e queda de arrecadação. Para Lotta, as possíveis soluções para os problemas são diferentes dependendo do porte do município.
“Temos realidades muito distintas no Brasil. Nos municípios de pequeno porte há indisponibilidade de equipamento e pessoal, mas não se resolve aumentando equipamento”, afirma Lotta. “Não faz sentido uma cidade de 20 mil habitantes ter equipamentos super caros.”
“A solução é a regionalização do serviço de atenção especializada, com clínicas regionais e meios para que as pessoas cheguem a essas locais.”
Segundo Lotta, esses centros podem ser feitos tanto a partir de incentivo do governo do Estado quanto a partir de consórcio entre prefeituras.
“É uma atenção que precisa ser específica para a situação local. Em locais de difícil acesso, como em algumas regiões amazônicas, faz mais sentido uma clínica num barco itinerante, como inclusive já existe”, afirma Lotta.
Já em grandes cidades e capitais, o problema não é necessariamente a indisponibilidade equipamentos, mas a gestão das filas e dos processos, explica Lotta.
“Em São Paulo por exemplo, você tinha um problema de que o encaminhamento para exames era do outro lado da cidade, e a pessoas acabavam não indo. Com a implementação de serviço de confirmação de consulta, de SMS, você diminui esse problema, até porque as pessoas que podiam ter ido vão entrar de novo na fila”, afirma. “Então a priori é mais uma questão de sistemas de gestão.”
Saiba mais em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-54545098
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