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Exército sabia dos pontos de maior risco de devastação da Amazônia, mas falhou no combate

Desmatamento foi recorde em junho, apesar de operação liderada por militares. Técnicos do Ibama, sob anonimato, dizem que comando erra ao usar ferramenta inédita do INPE. Defesa rebate

Gil Alessi

A operação de grandes proporções começou em maio. Sob a batuta do vice-presidente e general da reserva Hamilton Mourão, 3.815 militares, 110 veículos terrestres, 20 embarcações e 12 aeronaves foram despachados para a Amazônia. Com o objetivo de prevenir e reprimir delitos ambientais antes do grande período tradicional de queimadas, a ofensiva, batizada de Operação Verde Brasil 2, visava também ser uma resposta aos críticos que acusam o Governo Bolsonaro de negligenciar e, no limite, incentivar de maneira tácita, a destruição da selva.

Para além do contingente e dos veículos, os militares que comandavam a ação estavam munidos de dado estratégico e inédito: tinham um mapa das cinco áreas críticas que concentraram quase 45% do desmatamento total da floresta amazônica em 2020, um traçado feito com o auxílio de imagens de quatro satélites, tudo disponibilizado desde fevereiro pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). A iniciativa, elaborada em parceria com o Ibama, foi batizada de Deter-Intenso: a cada 24 horas é gerada uma imagem com definição de 10 metros quadrados mesmo com a presença de nuvens, o que permite avaliar a evolução dos focos de desmatamento e queimadas de forma sem precedentes. Uma ação efetiva de fiscalização nestes cinco pontos, cuja área representa 9% da Amazônia Legal, se traduziria em mais floresta em pé. Não foi o que ocorreu.

O desmatamento e as queimadas registraram recorde histórico em junho. Em julho, nova alta de 28%, com 6.803 focos de incêndio ante 5.318 em 2019. Além disso, houve aumento de 25% no desmatamento acumulado do semestre em comparação com o mesmo período de 2019: os alertas feitos à partir das imagens de satélite indicam devastação em 3.069,57 km², contra 2.302,1 km² no ano anterior. Para quatro fiscais do Ibama envolvidos direta ou indiretamente com a Operação Verde Brasil 2 —todos tiveram a identidade preservada para evitar retaliações, uma vez que estão subordinados ao Exército—, há razões claras para o descompasso entre a precisão da ferramenta nova e os resultados obtidos: os militares falharam no desenho e na execução das ações.

Os relatos colhidos pela reportagem apontam para a falta de efetividade dos militares na escolha dos alvos. Ainda que atuem dentro da área delimitada pelos pontos críticos (hotspots) do novo sistema de monitoramento do Inpe-Ibama, o comando está, segundo os fiscais, priorizando ações que não atacam diretamente focos de desmatamento e queimadas ativos, como por exemplo bloqueios em rodovias e apreensão de toras já derrubadas. Os garimpos ilegais, grandes vilões ambientais, também são poupados. Os servidores do Ibama apontam também para a falta de experiência do Exército na fiscalização. Criticam o foco em ações de patrulhamento e apreensões de madeira que não são efetivos para a preservação da Amazônia.

Indagado sobre o aumento no desmatamento, o Ministério da Defesa informou em nota que a operação “já contabiliza números expressivos”. “Foram realizadas 16.104 inspeções, patrulhas, vistorias e revistas, e a inutilização de 107 equipamentos como motores de garimpo, balsas, tratores, escavadeiras, veículos, entre outros (…)”, diz o texto. A nota também celebra 345 embarcações e 174 veículos apreendidos, 372 quilos de drogas e 28.000 metros cúbicos de madeira. “Foram ainda embargados 33.012 hectares e realizadas 153 prisões”, continua a pasta.

Áreas críticas monitoradas pelo Deter-Intenso

Estas áreas são responsáveis por quase 50% do desmatamento da Amazônia

Apesar do tom otimista da nota da Defesa, o próprio vice-presidente afirma que o desmatamento da Amazônia estava “além daquilo que pode ser considerado como aceitável”. “A gente não nega que houve desmatamento além daquilo que pode ser considerado como aceitável, ou seja, dentro dos 20% de cada propriedade rural e fora das unidades de conservação e terras indígenas”, afirmou no dia 13 de junho, após a divulgação dos dados do Inpe.

Saiba mais em: https://brasil.elpais.com/brasil/2020-08-03/exercito-sabia-dos-pontos-de-maior-risco-de-devastacao-da-amazonia-mas-falhou-no-combate.html

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