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O Brasil rumo à estagnação completa

Breve, completaresmos quatro décadas de estagnação. Retrocessos contrastam com a modernização do pós-guerra – contraditória, porém notável. Capitalismo financeirizado nos destroçou. Não haverá saída sem acertar as contas com ele

Por Eleutério F. S. Prado | Imagem: Mariza Dias Costa

Dois fatos futuros já são sabidos nesse momento de velório nacional por causa de uma “gripezinha” que se mostra, dia após dia, hora após hora, minuto após minuto, como uma doença genocida: a) os governantes da pátria amada e idolatrada, considerando-se o conjunto das nações de rendas médias e altas, serão considerados como os mais desastrados no enfrentamento da difusão da pandemia do novo coronavírus na sociedade; b) os danos na malha produtiva produzidos pela atual crise da economia capitalista no Brasil, como consequência dessa má gestão, mas também da política econômica dos últimos trinta anos e, em particular, aquela imediatamente pregressa, serão os maiores dentre todas essas mesmas nações.

É bem possível que, ao fim e ao cabo, o Brasil seja o “grande campeão” nessa corrida macabra para ver em que país o coronavírus vai matar mais pessoas em termos absolutos e relativos. É melhor que essa possibilidade não ocorra, mas infelizmente ela é muito provável, mesmo se não parece possível associar a ela uma probabilidade bem determinada.

De qualquer modo, esses dois fatos acima apontados estão fortemente enlaçados. Não é preciso ser um técnico para saber que “essa crise [também de] de confiança foi potencializada pela estúpida crença de que os interesses da saúde seriam contraditórios aos econômicos”. Mesmo economistas que não primam pela conduta oposicionista já declararam, frente a essa duplicidade enganadoramente antitética, que o “governo brasileiro optou pela depressão”1. A questão que fica é saber se “ele o faz, mas não o sabe” ou se está agindo assim de propósito, cinicamente. A “estupida crença” talvez seja uma preferência política pelo desastre, forma aparente de uma revolução conservadora que quer aproveitá-lo para introduzir mudanças radicais, antidemocráticas e mesmos fascistas no Estado brasileiro.

De qualquer modo, para entender bem o que está acontecendo e o que pode acontecer, é preciso colocar essas duas predições catastróficas, num contexto histórico mais amplo. Primeiro, é preciso lembrar, tendo por referência a figura abaixo, que por 34 anos pelo menos, entre 1947 e 1980, existiu um período de alto crescimento do PIB no Brasil – média anual de 7,4% –, o qual foi marcado pelo processo politicamente orientado da industrialização por substituição de importações. Por isso mesmo, este foi um tempo econômico em que vigorou o desenvolvimentismo, não mais agora num padrão acentuadamente nacional tal como o fora na década dos anos 1930, mas sim num padrão marcado pela intensa associação com o capital estrangeiro.

Depois desse período de rápido crescimento, sobreveio um outro que pode ser caracterizado pela persistência de uma quase estagnação. Entre 1981 e 2014, isto é, por outros 34 anos, a taxa de crescimento do PIB reduziu-se para apenas 2,2% ao ano em média, configurando-se assim um novo padrão de elevação do produto nacional que, de modo certamente irônico, foi denominado de “voo da galinha”. É precisamente isto que mostra a figura que se segue.

Como se sabe, o período anterior terminou com uma crise de endividamento externo e pelo esgotamento do processo de substituição de importações. Já na segunda metade de um período inflacionário que durou cerca de vinte anos, consolidou-se um novo padrão de desenvolvimento caracterizado pela adoção do neoliberalismo como ideologia principal e pela aceitação de que o país estava destinado a ser periférico. A inflação começa a crescer no Brasil já em 1975, atinge um pico em 1993, para se estabilizar somente a partir de 1995, com o Plano Real. Agora, a ambição desenvolvimentista é abandonada de vez, pois se pretende apenas inserir o país, de forma subordinada, na economia mundial em processo de globalização.

Ora, o desempenho real da economia capitalista no Brasil mais recente sugere a adoção da hipótese de que o país entrou agora num novo padrão de crescimento: o da estagnação completa. Para raciocinar sob essa perspectiva, adotou-se a suposição razoável de que o PIB, que caíra 3,5% e 3,3% em 2015 e 2016, despenca agora 8% em 2020, para adquirir daí em diante uma velocidade de crescimento de apenas 1,2%, tal como se observara entre 2017 e 2019. Sob essa hipótese, o crescimento médio entre 2015 e 2030 configurar-se-á como nulo – ou terrivelmente nulo para ser mais exato. Essa previsão, como todas, indica uma possibilidade real e não necessariamente aquilo que vai acontecer. De qualquer modo, é possível afirmar que muitos economistas se aproximam dessa percepção atualmente: eis que, para eles, o que se encontra no horizonte é, sim, uma depressão.

Saiba mais em: https://outraspalavras.net/crise-brasileira/brasil-elo-fragil-da-contrarrevolucao-neoliberal/

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