Clipping

O projeto rodoviário que ameaça uma das áreas mais conservadas da Amazônia

Uma rodovia federal de 885 quilômetros construída entre 1968 e 1973, abandonada em 1988, está no centro de uma polêmica ambiental. Trata-se da BR-319, estrada que liga Manaus a Porto Velho, em plena Floresta Amazônica.

Edison Veiga

Em junho, o Diário Oficial da União publicou o edital para a pavimentação de um primeiro trecho previsto pelo governo para recuperar a via.

O Ministério Público Federal questionou a legalidade, argumentando a falta de estudos ambientais. Nesta quinta, a revista Science traz uma carta assinada por dois cientistas do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) denunciando a situação para a comunidade internacional.

Em conversa com a BBC News Brasil, o biólogo e ecólogo Lucas Ferrante, um dos autores do texto, ressaltou que um estudo de modelagem realizado pelo INPA indica que o desmatamento na região entre os rios Madeira e Purus, justamente por onde passa a trajeto, aumentaria em 1.200% — em relação aos dados de 2011 — com a obra de recuperação da pista.

“Temos plena compreensão do que essa estrada vai gerar nessa área”, comenta. “E os impactos são perturbadores. O carbono emitido por conta do desmatamento e das queimadas [no trajeto e no entorno] tem capacidade para alterar ainda mais o clima global.”

Ferrante argumenta que a região é “um dos blocos mais conservados de floresta amazônica”. E a estrada traria acesso para “desmatadores e madeireiros”, “algo muito preocupante em uma área que hoje é conservada”.

Procurados pela reportagem, outros cientistas ligados ao meio ambiente também demonstraram preocupação com a situação.

“Quando você constrói e asfalta, sem planejamento e estudos de impacto, você permite a proliferação de todo um ambiente deletério e serviços de baixíssimo valor agregado. Construir estrada não é desenvolvimento. Há diversos casos assim no Brasil”, diz o pesquisador Tiago Reis, que estuda ações de combate ao desmatamento na Universidade Católica de Louvain, na Bélgica.

Idosa indígena sentada em uma rede ao lado de um rio em região próxima à estrada
Populações indígenas da região relataram preocupações com a estrada – LUCAS FERRANTE

“Projetos de infraestrutura são grandes vetores de desmatamento e destruição na Amazônia”, completa Reis. “A construção de uma rodovia viabiliza que madeireiros ilegais e grileiros cheguem a porções da floresta a que antes eles não chegariam.”

O biólogo Filipe França, pesquisador da Universidade de Lancaster, no Reino Unido, e da Rede Amazônia Sustentável, lembra que há diversos estudos anteriores que demonstram os efeitos prejudiciais da construção de rodovias para os ecossistemas cortados por elas.

“Se olharmos o histórico da Amazônia, a situação se repete: sempre depois da estrada, chegam os distúrbios”, aponta. “A facilitação do acesso aumenta a ação de madeireiros, favorece a instalação de população, há a introdução de pastagens, mais desmatamento… E tudo isso resulta em perdas para a biodiversidade.”

Conforme estudo publicado em 2014 pelo periódico Biological Conservation, 95% do desmatamento da Amazônia ocorre dentro de um raio de 5,5 quilômetros de estradas ou em um raio de 1 quilômetro de um rio.

O mesmo artigo também demonstra que no entorno de cada via oficial surge uma malha de estradinhas não oficiais — o que, evidentemente, aumenta o estrago ambiental.

Saiba mais em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-53672214

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