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O que esperar da onda de candidaturas indígenas

Ainda são poucas — mas cresceram 30% desde as últimas eleições. Em municípios como São Gabriel da Cachoeira (AM), são maioria nas chapas para prefeitura. Abrem caminho em território branco para incomodar e imaginar mundos possíveis

Por Aline Iubel e Miranda Zoppi

Há menos de um mês das eleições municipais, a movimentação de candidatas, candidatos e seus respectivos apoiadores nas ruas e redes sociais da internet se intensifica. Segundo os dados divulgados pelo Tribunal Superior Eleitoral, candidata(o)s indígenas contabilizam um total de 2.207, contra os 1.715 das eleições de 2016.

O aumento já era esperado. Estímulos podem ter vindo da eleição, em 2018, da Deputada Federal Joênia Wapichana (por Roraima) e da candidatura à vice-presidência de Sônia Guajajara, dois marcos de que os indígenas buscam visibilidade e lutam por seus direitos também através da política partidária e da entrada nos poderes legislativo e executivo, para além da já consolidada e combativa atuação do movimento indígena. Aliás, este tem incentivado votos e candidaturas indígenas1, promovendo capacitação aos candidatos e buscando conscientizar os eleitores indígenas na participação desta disputa que é, no mínimo, desigual.

A disputa é desigual e as realidades locais são muito diferentes. Portanto, dados como aqueles do TSE devem ser vistos com cautela. Não nos esqueçamos que nas últimas eleições presidenciais, pela primeira vez na história do país, dois candidatos à vice-presidência se autodeclararam indígenas em suas fichas de candidaturas: Sônia Guajajara (PSOL) e o General Hamilton Mourão (PRTB). E eles são muito diferentes.

Sônia se reconhece e é reconhecida tanto por sua comunidade (Terra Indígena Arariboia, no estado do Maranhão) e grupo quanto pelos demais povos indígenas do Brasil, principalmente por conta de sua atuação no movimento indígena regional e nacional. Mourão é filho de amazonenses nascido em Porto Alegre (RS). Sua carreira no Exército durou de 1972 a 2018, ano em que passou para a reserva. Em agosto deste mesmo ano, quando já anunciado que seria o candidato à vice-presidência na chapa com Bolsonaro, Mourão falou que “o brasileiro herdou a indolência dos índios e a malandragem dos africanos”. O registro das candidaturas se deu poucos dias depois, momento no qual se autodeclarou indígena.

A declaração de cor/raça na ficha de candidatura passou a ser obrigatória apenas em 2014 e não contempla, necessariamente, a realidade. Há muitos casos de indígenas que se autodeclaram pardos, por exemplo, e de não indígenas que, em municípios onde o voto deste eleitorado faz diferença, se autodeclaram indígenas.

Para as eleições municipais de 2020 temos 39 candidatos e candidatas indígenas a prefeito(a), 73 a vice-prefeito(a) e 2095 a vereador(a), em cerca de 550 municípios brasileiros (o Brasil tem 5.570 municípios). Compreender a participação indígena nesta etapa central da democracia representativa exigiria um olhar mais aproximado para cada um destes municípios, e também para as especificidades dos mais de 300 povos indígenas do Brasil, suas 247 línguas, seus modos de vida em aldeias, comunidades, cidades pequenas, médias ou grandes etc.

Há municípios com maior ou menor tradição de candidatos indígenas. Há aqueles cuja população é majoritariamente indígena e os que abarcam grandes porções de terras indígenas. Há candidatas e candidatos indígenas em grandes metrópoles. Existem candidaturas coletivas ou que partem de intenções e projetos coletivamente construídos e aquelas individuais, decorrentes, inclusive de cisões internas aos grupos. Quase todos os partidos brasileiros contam com filiados indígenas. Há aqueles(as) que estão se candidatando pela primeira vez e aqueles que tentam a reeleição; há candidatas(os) que falam perfeitamente o português e aqueles cuja língua indígena é a única na qual se comunicam; há homens e mulheres; jovens e mais velhos. Enfim, uma diversidade impossível de ser contemplada em estatísticas e gráficos. Ficamos com o tamanho e algumas informações sobre este universo, mas maiores detalhes só podem ser obtidos em pesquisas qualitativas ou etnográficas.

Algumas localidades já têm certo acúmulo de experiência indígena na política partidária e foram objeto de pesquisas qualitativas que refletiram sobre o tema. Dois exemplos são Santa Rosa do Purus e São Gabriel da Cachoeira. Ambos municípios amazônicos, o primeiro faz divisa com o Peru, no Acre; o segundo, está na fronteira com a Colômbia e a Venezuela, no Amazonas. Os dois possuem a maior parte da população composta por indígenas, conforme autodeclaração no último Censo feito pelo IBGE, em 2010.

A entrada indígena nos pleitos eleitorais destes dois municípios também tem aumentado ou ao menos permanecido constante nos últimos anos. Em São Gabriel da Cachoeira, este aumento ocorre desde a eleição do primeiro vice-prefeito indígena, em 1996 e, com ainda mais força, depois da eleição da primeira chapa composta por dois indígenas aos cargos de prefeito e vice-prefeito, em 2008. Já em Santa Rosa, a participação indígena acontece desde a primeira eleição municipal, em 1992, mas, diferentemente, de São Gabriel, nunca foi eleita uma chapa exclusivamente indígena. Desde então, as coligações com maiores chances de eleição são compostas por prefeito branco e vice indígena. Isto se dá, porque os políticos brancos perceberam ser impossível ganhar sem o apoio indígena.

Mas ao olharmos para as candidaturas Brasil afora colocadas na disputa deste ano, há poucas chapas compostas por prefeito e vice indígenas. Também é notória a dificuldade e a complexidade envolvidas na construção e manutenção de alianças indígenas na política partidária. A experiência dos dois indígenas que assumiram a prefeitura em São Gabriel mostrou quão delicada e frágil pode ser este tipo de aliança. Em Santa Rosa, não é diferente, as complexas disputas políticas existentes no interior dos grupos indígenas, muitas vezes, impedem que se unam em uma única candidatura. Mais uma vez, seria preciso ajustar o “zoom” da lente para compreender os contextos locais.

Saiba amais em: https://outraspalavras.net/estadoemdisputa/o-que-esperar-da-onda-de-candidaturas-indigenas/

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