À espera do lançamento de seu novo livro no Brasil, economista afirma: grandes crises mudam pensamento hegmônico. Porém, para isso, é preciso um programa de transformações baseado em redistribuição e Bens Comuns
Thomas Piketty, em entrevista à Amy Goodman e Nermeen Shaikh, no Democracy Now!, traduzido pela Carta Maior
No momento em que quase 30 milhões de norte-americanos entraram com o pedido de auxílio desemprego, em apenas seis semanas, e milhões em todo o mundo enfrentam fome e pobreza, analisamos a catástrofe econômica global desencadeada pela pandemia e seu impacto sobre os mais vulneráveis.
No momento em que o Programa Mundial de Alimentos alerta para um enorme aumento da fome global e que mais de 100 milhões de pessoas nas cidades do mundo podem cair na pobreza, essa crise pode se tornar um catalisador de mudanças?
Perguntamos ao economista francês Thomas Piketty. Seu best-seller internacional “Capital no século XXI”, de 2014, analisou a desigualdade econômica e a necessidade de impostos sobre a riqueza. Seu novo livro, “Capital e Ideologia”, foi descrito como um manifesto por mudança política.
Amy Goodman: Hoje analisamos como a pandemia de coronavírus lançou uma luz sobre a desigualdade em todo o mundo. O Programa Mundial de Alimentos adverte que a pandemia pode levar a um aumento enorme da fome global, e um novo relatório prevê que mais de 100 milhões de pessoas nas cidades do mundo provavelmente cairão na pobreza.
Para sabermos mais sobre como a pandemia de coronavírus afetou os mais vulneráveis e se a crise poderá ser um catalisador de mudança, junta-se a nós, de Paris, na França, o economista francês Thomas Piketty, cujo trabalho se concentra na desigualdade de riqueza e renda. Seu best-seller internacional, Capital no século XXI, de 2014, analisou a desigualdade econômica e a necessidade de impostos sobre a riqueza. Seu novo livro, com mais de mil páginas, chama-se Capital e Ideologia, e foi descrito como um manifesto por mudança política. Thomas Piketty, bem-vindo ao Democracy Now!
É uma grande honra tê-lo conosco. Você pode falar sobre como essa pandemia provavelmente desencadeará a recessão mais acentuada nos Estados Unidos desde a Grande Depressão, talvez uma depressão? Você pode falar sobre os efeitos a longo prazo da crise e, talvez, o que pode ser feito para melhorá-la?
O que mostro em meu novo livro, Capital e Ideologia, é que esse tipo de crise, muitas frequentemente na história, tem o potencial de mudar as visões dominantes sobre o que devemos fazer na economia, como devemos organizar nossas sociedades, o nível de desigualdade.
O primeiro impacto visível da crise é que vemos a violência da desigualdade social. As pessoas não são iguais em relação aos bloqueios econômicos. Elas não são iguais em relação ao desemprego, à perda de renda. Você pode ver que as pessoas que têm uma casa muito pequena ou pessoas que não têm casa, que estão sem-teto, estão em uma situação muito diferente das pessoas que estão trancadas em seu belo apartamento ou bela casa.
Em termos de apoio à renda, quando você não tem qualquer poupança e quando está em uma posição muito precária no mercado de trabalho, você perde, muito rapidamente, sua renda. Eu diria que o sistema de auxílio ao desemprego nos EUA, em particular, é restritivo demais e você tem muitos trabalhadores que na verdade não têm acesso a um apoio adequado à renda. Você tem muitas pessoas que não têm acesso à moradia.
Vimos algumas de suas reportagens, logo antes, de que é um problema de serviço. Devemos fazer mais. O governo dos EUA e os governos por todo o mundo devem fazer mais para mudar sua opinião sobre o que fazer com a habitação, para obter soluções urgentes para as pessoas que não têm moradia adequada, estendendo o apoio à renda, levando-as além do que temos feito nos diferentes países.
Precisamos, também, começar a pensar em um tipo diferente de recuperação. Não podemos simplesmente voltar a operar normalmente com os mesmos setores econômicos. Acho que é uma oportunidade de repensar sobre um tipo diferente de recuperação, mais verde, mais social e tentando alcançar um modelo de desenvolvimento mais equitativo e mais sustentável, porque isso é algo que estamos discutindo há muito tempo, especialmente desde a crise financeira de 2008. Acho que, com o financiamento dessa crise, teremos que mudar nossa visão sobre o que é um nível adequado de desigualdade em uma sociedade.
Hoje vemos que todas as ideologias contra a ação do governo, em particular contra os sistemas de saúde pública e o investimento público nos hospitais, esse discurso de hoje, claro, parece muito fraco, dada a realidade da situação. Acho que isso provavelmente mudará. Já foi alterado até certo ponto, mas isso precisa ir muito além do que fizemos até agora.
Saiba mais em: https://outraspalavras.net/outrasmidias/piketty-uma-chance-para-a-esquerda-se-renovar/
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